“A luta contra a pobreza claramente foi perdida, tem sido perdida, embora haja evoluções, nomeadamente em Cabo Verde”, afirmou à agência Lusa Sílvia Roque, à margem de uma conferência realizada na Universidade de Évora (UÉ).
Segundo a professora de Relações Internacionais da UÉ e investigadora do Centro de Investigação em Ciência Política, estes quatro países africanos de língua oficial portuguesa, que este ano assinalam os 50 anos de independência, tiveram percursos diferentes, ainda que mantenham semelhanças.
“Cabo Verde, claramente, tem uma diferença, porque, não só não teve uma guerra no seu território, como tem evoluído num sentido, tem tido mais desenvolvimento económico e humano, embora não seja perfeito, como nenhum outro país é perfeito”, sublinhou.
No lado oposto, Sílvia Roque, uma das coordenadoras desta conferência, intitulada “Das lutas anticoloniais às lutas do quotidiano: lugares das mulheres nos 50 anos das independências”, destacou Guiné-Bissau (cuja independência foi declarada unilateralmente em 1973 e reconhecida por Portugal em 1974, após a Revolução de Abril) e Moçambique.
“Continuam a ser dos países mais pobres do mundo, com taxas de mortalidade materna, por exemplo, extremamente elevadas e, portanto, onde as pessoas, de facto, têm uma vida muito dura”, salientou.
Nestes países, realçou a especialista em Estudos Africanos, “não há empregos formais, com a população a viver muito da informalidade e onde a cidadania também é, de certa forma, muito restrita”.
“Grande parte da população, vivendo no interior, nas aldeias, não tem acesso sequer aos seus direitos ou à relação do cidadão com o Estado e, muitas vezes, o Estado quase nem está presente nesses lugares”, frisou.
Assinalando a existência de “taxas de mortalidade extremamente altas” nestes Estados, a docente universitária notou que a população “tem que encontrar as suas próprias estratégias de levar a vida até onde é possível”.
“Angola e Moçambique tiveram guerras civis terríveis, que colocaram em causa a própria sobrevivência das pessoas e deixaram marcas terríveis”, enquanto a Guiné-Bissau tem “instabilidade política forte e crises económicas quase permanentes”, disse.
Sílvia Roque realçou que, após a independência e a guerra, surgiram “regimes de partido único”, com “falhas muito graves” e que, em muitos casos, se transformaram “em novas burguesias que, de certa forma, reproduziram o extrativismo colonial”.
“E, portanto, há também uma certa desilusão em relação aos projetos de libertação, que não significavam apenas libertação em relação ao colonialismo, mas também prometiam desenvolvimento económico, dignidade e direitos para todos”, acrescentou.