Carlos Lamartine, 82 anos, que fez parte do grupo de quatro angolanos que elaborou o Hino Nacional de Angola, dias antes da proclamação da independência do país, afirmou que o país tem ainda muitos desafios, sobretudo para a satisfação básicas das necessidades das populações.
“Os desafios são grandes, porque em 50 anos não se resolvem todos os problemas”, afirmou o músico angolano.
Em declarações à Lusa, no âmbito das celebrações dos 50 anos de independência de Angola, que serão assinalados em 11 de novembro, o histórico cantor, compositor e letrista angolano, defendeu que Angola deve “acelerar o passo” em vários setores, como a agricultura e não pode “ir adormecendo à sombra da bananeira”.
Além da produção nacional para alimentar a população, indústria, saúde, educação e cultura são, no entender de Carlos Lamartine, outros setores que devem merecer atenção das autoridades para o desenvolvimento socioeconómico e cultural do país.
“Se desenvolvermos a cultura, como fator de identidade cultural, este desenvolvimento iria possibilitar maior entendimento entre raças, regiões, o respeito aos símbolos da nossa identidade”, apontou.
Lamartine, autor de oito discos, com músicas que abordam o percurso das lutas de libertação de Angola, independência, paz e irmandade, é uma das referências do cancioneiro angolano e participou no processo da criação do hino nacional “Angola Avante”, juntamente com Manuel Rui Monteiro (autor da letra), Rui Alberto Vieira Dias Mingas (mentor da música) e Carlitos Vieira Dias (artista).
Os quatro foram indicados pelo ‘bureau’ político do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde 1975), em 08 de novembro de 1975, para elaborarem o hino de Angola que viria a ser entoado pela primeira vez, por um grupo coral sob a sua regência, na madrugada de 11 de novembro de 1975 na praça 1.º de Maio, em Luanda.
O “Angola Avante” viria a ser entoado novamente na manhã de 11 de novembro de 1975 na antiga Câmara Municipal de Luanda, hoje Governo da Província de Luanda, onde decorreu a posse do primeiro Governo de Angola, presidido por António Agostinho Neto.
“Naturalmente que me sentia orgulhoso por ter sido indicado para este trabalho de muita responsabilidade”, afirmou, sublinhando que o percurso para o alcance da independência de Angola ficou marcado por “sangue, suor e lágrima”, com “mortes desnecessárias” no decurso das lutas de libertação.
“Sim, morreu muita gente, na minha ótica desnecessariamente, poderiam ter sido evitados esses atropelos negativos por que passou Angola, mas um país invadido deve saber responder para fazer face à sua soberania (…).
O preço da estabilidade de um país paga-se muito caro”, notou. Carlos Lamartine, também autor de dois livros sobre o “semba”, género musical angolano adotado nas suas composições, considerou que apesar dos sacrifícios a independência “valeu a pena e trouxe mais valias”, sobretudo na formação e capacitação de quadros para o país.
O autor da canção “Dipanda Wondo Tula Kia” (que significa ‘a independência está a chegar’, na língua angolana kimbundu), composta depois do 25 de Abril de 1974, destacou igualmente o papel da música na construção da identidade nacional.
“Foi um fator muito importante para a consolidação do nosso Estado como nação, porque no tempo da colonização os colonos não aceitavam a valorização dos nossos hábitos e costumes, reprimiam as nossas manifestações culturais e inviabilizavam inclusive a nossa intenção da defesa da nossa identidade e personalidade”, frisou.
Acrescentou que a música “contribuiu imenso para a consolidação da harmonia dos angolanos” e continua a ser um fator de identidade dos angolanos. “A arte no seu conjunto continua a cumprir o seu papel”, realçou.
Lamartine disse ainda acreditar num país melhor, nos próximos 50 anos, tendo afirmado também que Angola “está reconciliada, em paz, harmonia a estabilidade”, respeitando, no entanto, as “vozes dissonantes” sobre o assunto.
“Acredito que estamos sim reconciliados, primeiro porque todos nós dependemos da mesma Constituição, estamos a depender das mesmas leis, das mesmas instituições do poder político, administrativo, jurídico do Estado (…), muitas das vozes dissonantes é natural [que surjam]”, concluiu.