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Domingo, 21 Agosto 2016 14:52

MPLA poderá vir ter uma derrota estratégica nas próximas eleições

No rescaldo das eleições de 2012 escrevi um artigo em que vaticinei que o MPLA teria muitas dificuldades em manter o mesmo nível de influência na sociedade angolana se não tivesse a capacidade e a coragem de fazer uma profunda reflexão interna sobre as razões que levaram – ainda que mantendo uma confortável maioria parlamentar – a uma significativa perda de votos relativamente às eleições de 2008.

Por Fernando Pacheco | NJ

O partido que num momento de festa como o que está a viver não faz qualquer alusão aos seus fundadores nem a muitos dos seus cabouqueiros fundamentais, não realizou tal exercício e esse facto, aliado a uma natural desgaste do poder está na origem, em minha opinião, da crise económica, social e política que o país vive, que o próprio partido tenta escamotear reduzindo-a a uma mera crise cambial.  

A degradação da imagem interna e externa do Executivo angolano, traduzida nas dificuldades financeiras enfrentadas e na perda de popularidade de José Eduardo dos Santos para os baixos níveis desde 2002, é hoje um facto insofismável que o partido no poder em Angola teima em não admitir.  

Este tipo de prática mostra no fundo um rubicão que o MPLA não tem conseguido ultrapassar ao longo da sua história: o debate aberto e descomplexado entre os militantes e entre estes e os dirigentes. A insistência nesse tipo de prática já não esconde que o MPLA está a caminhar para um beco sem saída. Pode vir a ganhar as próximas eleições, mas se persistir nesta via errada está a condenar-se a si mesmo a uma derrota estratégica.  

Os militantes do MPLA têm todo o direito de fazer as suas escolhas em termos políticos e da sua liderança. Aos analistas e observadores não pode ser negado o direito de expressarem a sua opinião. É o que tento fazer, na linha que tem caracterizado a intervenção cívica e política que decidi abraçar desde há mais de 25 anos.  

Ao contrário do que sugere o eufórico ambiente vivido na sala onde decorreram os trabalhos, este VII Congresso do MPLA foi mais uma oportunidade perdida para o partido se reencontrar com a história, se renovar em termos de ideias para enfrentar os novos e complexos desafios e se dotar de novas lideranças para materializar as novas ideias.    

Na realidade, a minha leitura do que me foi dado ver e ouvir configura um quadro surrealista e muito preocupante. No seu discurso de abertura o Presidente do partido fez afirmações que chocam frontalmente com o facto de ele ser o Titular do Poder Executivo.   

Nos dois últimos congressos e principalmente na campanha eleitoral de 2012 o MPLA e José Eduardo dos Santos (JES) fizeram promessas que foram literalmente esquecidas, quer nos discursos orientadores, quer principalmente nas medidas de política adoptadas desde então. Um dos exemplos mais marcantes é a luta contra a corrupção. Apesar da insistência da oposição política, da Igreja Católica – praticamente a única igreja que o fez enquanto instituição –, de várias organizações da sociedade civil e de alguns actores académicos, económicos, sociais e cívicos – onde me incluo – o MPLA e JES ignoraram os alertas e sugestões, abordaram a questão de modo evasivo – “a corrupção não existe apenas em Angola” – e tomaram medidas, muitas delas por omissão, que objectivamente favoreceram o desenvolvimento da corrupção.   

Promiscuidade entre governantes e homens de negócios com ministros e governadores a negociarem com eles próprios na condição de empresários, grandes obras sem concurso e sem a devida fiscalização, projectos megalómanos sem garantias de gestão e controlo por parte das instituições, Orçamentos Gerais do Estado anuais com quotas sectoriais que não favorecem o combate à pobreza e promovem a desigualdade, favorecimento de negócios a um número reduzido e quase constante de empresários quase sempre ligados ao poder foram, entre outras, as práticas q conduziram o país à situação em que nos encontramos.  

Ora, não tendo estes assuntos merecido a atenção de quem de direito ao longo dos anos ocorre agora perguntar porque será que o fez agora e porque os militantes aplaudiram freneticamente, quando se comportaram de modo oposto quando o mesmo foi dito por outros.  

Claro que a resposta é simples. JES sabe que estes são efectivamente os problemas que a oposição, a CEAST, a sociedade civil não alinhada, os analistas independentes, os 15+2 e, afinal, os próprios militantes criticam, os primeiros livremente, estes últimos em surdina. JES sabia que teria os aplausos que teve e não hesitou em dizer algo que, em última instância vai contra si próprio, pois ele é o Titular do Poder 

Executivo. E fê-lo porque o MPLA, enquanto todo, está vazio de ideias e cansado de promessas não cumpridas.  

Não foi por acaso que nas redes sociais apareceram muitos internautas a perguntar a que empresários JES se referia quando fez menção àqueles empresários “que constituem ilicitamente as suas riquezas”. E eu aproveito para questionar, admitindo, por absurdo, que JES não sabe quem são eles, como foi possível passar todo este tempo sem que a Polícia e a Procuradoria Geral da República actuassem.  

Estamos num ambiente surrealista e absurdo? Talvez. 

Os militantes aplaudem euforicamente as “verdades” ditas por aquele a quem deveriam eles, os militantes, perguntar porque acontecem tais coisas de modo impune. Em vez disso, é o revelador da “verdade” que faz a pergunta: porque acontece isto? E dá a resposta: porque falta rigor e disciplina. E em vez de outra pergunta, do género, quem é o responsável pela falta de rigor e de disciplina, ouvem-se mais aplausos e gritos. Dá para entender?  

Dá, sim. Os psicólogos explicam estes fenómenos de massas. Não vale a pena ir por aí. Vale a pena sim, prestar atenção ao que disseram em entrevistas rápidas à TPA duas conhecidas congressistas. A primeira, Adélia de Carvalho, que a responsabilidade (da falta de rigor e de disciplina) era do Executivo. 

A outra, Teresa Cohen, que a direcção do MPLA não se aproximou das massas como havia recomendado o último Congresso Extraordinário e [por isso] temos muitos problemas sociais e que é preciso discutir profundamente.  

Penso que estas duas congressistas não se revêem na posição de Ambrósio Lukoki (AL), o militante hoje considerado corajoso porque disse em público algo que muitos militantes não têm coragem de o fazer. Mas para os mais jovens e para os esquecidos é bom dizer que AL já antes, recentemente, e muito antes, em 1983, por altura do famoso cado da Peça e do Quadro, teve a dignidade de se portar como um homem vertical, mostrando aos katchimbamba da nossa terra que há mais vida para além dos que se ficam a arrastar pelo chão.     

PS. Depois de 12 anos de actividade, a partir de 6 de Agosto passado deixei de ser coordenador do Observador Político-Social de Angola (OPSA). Agradeço publicamente a todos com quem trabalhei durante todo este tempo, mostrando que é possível no nosso país conviver com a diferença e o pluralismo e construir ideias e projectos consensuais. Deixo de ser coordenador, a meu pedido, mas continuarei a colaborar com todos, principalmente com o novo coordenador, o amigo e companheiro Sérgio Calundungo, no que me for possível para que se mantenha de pé tão desafiante projecto.  

 

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