O aumento da crise e das tensões entorno da Ucrânia envolvendo as grandes organizações e superpotências militares mundiais, de um lado demonstra o quanto a Ucrânia é um País estratégico e que vários interesses pairam dentro e em volta das suas esferas territoriais, do outro lado esses mesmos interesses externos podem levar a Ucrânia a ser ou um País cada vez mais vassalo do ocidente ou até mesmo (caso as coisas se agravarem) poderá ser anexada como parte do território russo, acabando desse jeito com o sonho ucraniano de entrar um dia na União Europeia e na NATO.
Depois do anúncio da operação militar o Presidente Vladimir Putin pediu que as tropas ucranianas entregassem as suas armas e voltassem para suas casas junto das suas famílias. O Kremlin diz que se trata de uma intervenção de desarmamento da Ucrânia e de manuntenção de paz aos Estados separatistas, e não de uma guerra. Várias explosões verificaram-se nessa manhã de Quinta-Feira na capital de Kiev, Putin denominou essa intervenção de operação militar especial.
Esta crise na parte do Leste europeu até o momento trata-se de uma crise regional, também trata-se da pior crise de segurança na Europa depois da II guerra mundial. Mas se esta crise se ampliar significativamente isso poderá dar lugar à uma crise de segurança internacional porque de um lado estaremos perante à uma «guerra por procuração» isso é uma guerra em que as principais potências militares não confrontam-se directamente mas confrontam-se indirectamente apoiando e financiando os seus aliados, e essas guerras por procuração muitas das vezes podem durar anos. Por outro lado isso pode incentivar outras regiões em diferentes partes do Mundo a separarem-se, e isso criaria também uma espécie de desordem do sistema internacional.
Apesar de tratar-se de uma operação militar russa na Ucrânia, não é ainda uma operação militar no verdadeiro sentido da palavra porque não é um confronto ou guerra como tal emtre a Rússia e a Ucrânia, é na verdade uma guerra híbrida, uma intervenção estratégica, não uma guerra como tal, por isso o Presidente Putin chamou isso de operação militar especial.
Depois desse ataque russo o governo ucraniano decidiu cortar todas as relações diplomáticas com a Rússia, o Presidente Zelenskiy antes tinha declarado Estado de emergência Nacional na Ucrânia, mas após o ataque russo, Zelenskiy decidiu aplicar a lei marcial no seu País, e os cidadãos ucranianos podem pegar em armas para defenderem-se e que jamais correrão riscos de sanções jurídicas ou consequências negativas futuras, assim decidiu e declarou o Presidente ucraniano.
Só para lembrar que nos fins de Novembro e Dezembro de 2021 o Kremlin apresentou uma série de exigências aos EUA (OTAN) em troca de retirar as suas forças militares junto das suas fronteiras com a Ucrânia, entre as exigências constam:
- Garantia total e permanente de que a Ucrânia, a Geórgia, a Sérvia e a Finlândia nunca viriam a fazer parte da OTAN nem hoje, nem no futuro, nem nunca;
- Retirada completa das forças militares e dos mísses balísticos estratégicos da NATO junto das suas fronteiras, mísses esses que encontram-se nas bases militares da Polónia, Letônia, Lituania, Romênia, Alemanha, Hungria e Itália;
- A não ampliação da OTAN junto do Leste europeu, respeitando deste modo o acordo político não escrito de 1989 entre os EUA (NATO) e a URSS;
- A não aceitação de novos membros à OTAN.
Os EUA (NATO) não aceitaram as propostas russas de segurança, respondendo que a Ucrânia é livre de decidir o seu próprio destino, criando assim um impasse nas negociações aumentando ainda mais nas tensões entre as partes. Nos fins de 2021 as tropas russas junto das suas fronteiras com a Ucrânia eram aproximadamente de 200 mil soldados, a causa das negociações político-diplomáticas que teriam de acontecer em Janeiro de 2022 o Kremlin tinha diminuído esse número para 100 mil soldados, para dar a entender ao ocidente o seu interesse em querer resolver a crise ucraniana, mas com o fracasso das negociações a Rússia decidiu aumentar o número de soldados, passando de 100 mil para 150 mil soldados, inclusive a Rússia continua aumentando o número de hospitais militares de campanhas junto das suas fronteiras com a Ucrânia, mas o Kremlin tem desmentindo essas informações justificando que isso é um jogo do ocidente para diabolizar a Rússia.
No dia 21 de Fevereiro do corrente ano de 2022 o governo russo decidiu reconhecer a independência das regiões separatistas ucranianas (Donetsk e Lugansk), territórios esses que do ponto de vista do Direito internacional ainda pertencem à Ucrânia. Mas tudo isso trata-se de uma manobra geopolítica e geoestratégica russa. Reconhecendo essas regiões isso dá maior abertura ao governo russo de estar directamente e dentro na Ucrânia mas de forma não oficial. Mas essa operação militar russa na Ucrânia muda completamente tudo porque neste caso o Kremlin está agindo em nome das suas politicas de segurança (soberania nacional) e jamais irão recuar nas suas acções e decisões sem antes atingirem os seus objetivos de interesses de Estado enquanto a NATO não aceitar fazer concessões das propostas russas.
Essas regiões separatistas (Donetsk e Lugansk) são regiões ucranianas pro russos ou seja grande parte dos cidadãos que vivem nesses territórios são ucranianos com descendência étnica russa, por isso são apoiados e financiados pela Rússia. Estrategicamente isso dá maior segurança à Rússia, e em caso de guerra prolongada ou não contra à Ucrânia, essas regiões separatistas serviriam de portas de entrada para a Rússia para o fornecimento de armas, de soldados, logística e outras operações estratégicas russas na República da Ucrânia. Por outra esse reconhecimento russo à essas regiões é também uma forma de desestabilizar ainda mais o governo ucraniano para não insistirem em querer entrar na NATO e na União Europeia.
Após o pronunciamento político do Presidente Vladimir Putin sobre o reconhecimento das regiões separatistas ucranianas e após o início da operação militar russa na Ucrânia, a Alemanha decidiu cancelar a certificação da construção do gasoduto Nord Stream 2 (gasoduto/oleoduto de 750 milhas ou seja de 1200 quilômetros que levaria gás russo para toda a Europa passando pelo Mar Báltico), lembrando que até o momento o gás russo é enviado à Europa tendo como via de trânsito a Ucrânia.
Esta decisão do governo alemão a longo prazo perderia consistência no tempo, sendo que, Alemanha é o País europeu que mais depende do gás russo, as importações alemães nesse aspecto sobre o gás russo aumentou significativamente nos últimos dez anos. Desde 2012, a parcela do gás natural russo no consumo da Alemanha aumentou de 40% para 55%. Também no fornecimento de petróleo, a participação da Rússia aumentou no mesmo período: de 38% para 42%, Alemanha é muito dependente da Rússia, decidindo contra a Rússia nas questões econômico-comerciais é também prejudicial para o bem-estar social do seu próprio País.
O gasoduto Nord Stream2 poderia fornecer 55 bilhões de metros cúbicos de gás russo por ano aos Estados europeus. Isso representaria mais de 50% do consumo anual da Alemanha e pode valer até US$ 15 bilhões para a Gazprom, a estatal russa que controla o oleoduto. Com esse gasoduto o preço do gás russo à Europa custaria duas vezes mais barato 280 US$ por mil metros cúbicos diferente do preço actual que ronda entre os 1000 euros por mil metros cúbicos de gás, com essa tensão na Ucrânia o governo russo está a pensar em aumentar o preço do gás à Europa em 2000 euros por mil metros cúbicos.
É claro que o gasoduto Nord Stream 2 aumentaria a influência russa na Europa, por isso os EUA, o Reino Unido e a Ucrânia não querem que este gasoduto seja construído, motivo pelo qual os EUA a todo custo queriam tirar Bashar al-Assad do poder na Síria, o objectivo dos interessados na queda desse Presidente era de contornar essa dependência da Europa ao gás russo, removendo al-Assad do poder colocando lá alguém pro ocidente, a Síria serviria de País de trânsito de gás ao mesmo tempo de País fornecedor de gás à Europa, tendo em conta que a Síria é um País que tem também muito gás e outros recursos, por isso a Rússia entrou em acção protegendo al-Assad, movendo-se deste modo pelos seus interesses econômicos.
Assim funciona a geopolítica: Política é Economia e Economia é Política, não há amigos apenas interesses, e até hoje Bashar al-Assad tem total apoio logístico, apoio humanitário e protecção estratégico-milirar russo.
O Reino Unido também anunciou uma série de sanções econômico-financeiras contra a Rússia, sanções contra bancos russos e magnatas russos, e a União Europeia também está preparando uma série de sanções unilaterais que serão anunciadas brevemente, os Estados Unidos também estão preparando um pacote de sanções contra a Rússia e contra entidades políticas e entidades empresariais russas.
Todas essas sanções não darão significativamente em nada, como já tinha explicado na parte I e II deste tema, sendo que a Europa depende muito do gás russo, além do petrólio, fertizantes, trigo, carvão e outros bens e materiais russos, essas sanções directa ou indirectamente (a longo prazo) não funcionarão, a longo prazo a União Europeia terá de voltar atrás em algumas dessas decisões, por isso vários países europeus são de opinião e de posição quase inalterável de que, as sanções não podem incluir o gás russo porque isso prejudicaria toda a Europa, e a Rússia tem usado isso como uma arma para o seu jogo político contra a Europa, e isso tem funcionando, isso durará por muito tempo se a Europa não encontrar alternativas ao gás russo.
E recentemente o Presidente Xi Jinping e Vladimir Putin encontraram-se em Pequim, os dois presidentes reforçaram a cooperação técnico-militar entre os dois países e isso em parte pesou positivamente na decisão russa em fazer uma operação militar na Ucrânia. A China apoiou a posição russa contra a Ucrânia justificando que a Rússia tem o direito de proteger seus interesses nacionais e de garantir a segurança do seu País, e a Rússia também apoiou a posição chinesa contra Taiwan e do mar do Sul da China pelo mesmo motivo de segurança Nacional e soberania do Estado chinês, e nesse mesmo encontro os dois Países assinaram um novo acordo de fornecimento de gás russo à China que será de hoje em diante de 10 bilhões de metros cúbicos de gás ao ano, um acordo econômico-comercial muito importante para os dois Países.
Portanto as sanções europeias e americanas não afectarão significativamente o Estado russo, a Europa poderia decidir até de não comprar mais o gás russo (coisa impossível de acontecer tendo em conta a sua grande dependência e o baixo preço do gás russo), a Rússia tem a China País com muito dinheiro que poderia tranquilamente comprar todo o gás que a Rússia vende à Europa, lembrando que a Rússia fornence actuamente 11 bilhões de metros cúbicos de gás à Europa por ano, e a necessidade chinesa é maior que tudo isso, e a China tem muito dinheiro, e a agora com o nosso acordo comercial a China passará a receber 10 bilhões de metros cúbicos de gás russo (equivalente ao gás que a Europa recebe por ano), então essas sanções econômicas que serão aplicadas à Rússia por reconhecer Donetsk e Lugansk como territórios independentes e por essa operação militar à Ucrania não terão grande relevância, a própria União Europeia saíria também a perder na aplicação dessas sanções.
Economia é Política e Política é Economia, quando um perde força para agir o outro entra em acção. Economia e Política no final das contas são duas faces da mesma moeda, são dois gêmeos que têm a mesma finalidade mas agem de forma diferente, esse é o jogo russo e também o jogo chinês.
A crise entorno da Ucrânia jamais irá terminar se os EUA (OTAN) não derem garantias concretas de que a Ucrânia jamais entrará na NATO, a Ucrânia é linha vermelha para o governo russo, se esses entrarem na NATO dias depois serão instalados na Ucrânia bases militares da OTAN (bases que na verdade são bases americanas), serão instalados alí armas nucleares, radares e sistemas antimísses direccionadas ao território Russo, e isso em geopolítica constitui um perigo à soberania Nacional do País que sente-se ameaçado. Não há emoção no jogo político, cada Estado age para garantir a sua própria segurança e integridade territorial.
A via diplomática é ainda a melhor via a ser seguida, é a via mais sensata e segura a ser usada nessas tensões da Ucrânia com a Rússia, não há santos em política, todos movem-se por interesses e todos protegem as suas prioridades e interesses políticos, mas as concessões recíprocas são importantes para que se chegue à um acordo, as concessões são necessárias para a manuntenção da paz e diminuição das tensões, em diplomacia é fundamental o equilíbrio, os EUA (NATO) devem aceitar certas exigências russas e a Rússia deve abrir mão de certas exigências descritas na sua proposta de Segurança, assim funciona a diplomacia, não se ganha tudo e também não se perde tudo, mas somos concedidos aquilo que garante realmente a nossa sobrevivência como Estado ou interesse Nacional. Essa é a minha posição e visão como mediador e gestor de crises!
A Ucrânia havendo ou não garantias da parte americana (OTAN) ou da União Europeia dificilmente entrará a fazer parte da NATO, isso porque a Rússia jamais irá admitir, e esses exercícios militares decorridos nos dias 19, 20 e 21 de Fevereiro em conjunto com a Belorussia envolvendo mais de 30 mil militares russos, armas nucleares, armas hipersónicos, mísses balísticos, mísses antinávios, caças Su-24, caças su-30, caças su-57 e sistemas de defesa antimísses, foi uma clara demonstração de força por parte da Rússia, e sendo esta a maior potência nuclear do Mundo nem por loucura (como dizem certos amigos meus militares) jamais um Estado ou País ousaria ataca-lo, sendo assim, movendo-se em nome da Paz e da Segurança internacional, os EUA (OTAN) devem garantir à Rússia de que a Ucrânia não entrará na NATO e por sua vez a Rússia deve aceitar a manuntenção das bases militares da OTAN já existentes nos Países bálticos, essa é uma das vias a ser seguida, e como já fiz referência em diplomacia não se ganha tudo e também não se perde tudo, às partes devem abdicar parte dos seus interesses para se chegar à um acordo.
Eu e a Diplomacia, a Diplomacia e Eu
Elite Intelectual Diplomática
Competências Internacionais
Políticas de Segurança
No Mundo Estratégico-militar
Por Leonardo Quarenta
PhD em Direito Constitucional e Internacional
Mestrado em Diplomacia, Mediação e Gestão de Crises
Alta Formação em Conselheiro civil e militar
Alta Formação em Políticas de Segurança