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Quarta, 14 Julho 2021 12:56

Desigualdade prevalecente em Angola é económica e social

A dívida pública é o centro da política económica e financeira do Governo, havendo que tudo fazer para a sua redução, significando pagá-la a quem a detém. Nada mais justo, embora se tenha de interrogar sobre os seus verdadeiros beneficiários, quando se constata uma constante pioria da situação social.

Por Manuel Alves da Rocha

Uma dívida pública, interna e externa, de mais de 135% do PIB, tinha de apresentar retornos positivos significativos. Mas não. É por isto que uma auditoria à dívida pública, em cuja amortização estamos todos envolvidos, se torna importante, em nome da transparência e do combate à impunidade (divisas políticas do actual Presidente da República).

A dívida social

Desemprego, falta de oportunidades, recessão económica, degradação ambiental e desigualdade de rendimentos resultaram na criação de um incrível exército de pobres (estimado em 45% da população total, correspondente a mais de 14 milhões de pessoas) relativamente a quem o Estado criou um verdadeira dívida social, seguramente mais elevada, em relação ao PIB, do que a dívida do Governo, contraída em nome do Estado, mas sem efeitos de retorno visíveis e consolidados.

Esta dívida social, traduzida através do Índice de Miséria de Arthur Okun, é de responsabilidade do MPLA, no exercício da governação desde que nascemos como Nação independente. De que maneira ressarci-la? O actual modelo de ajustamento estrutural e de estabilização macroeconómica do Fundo Monetário Internacional (FMI) não é consentâneo com um ressarcimento com redução da desigualdade. Pelo contrário, no final da sua aplicação, mais pobres existirão e maior vai ser a desigualdade.

O Programa Kwenda tem muitas limitações, em disponibilidade financeira e quantitativo populacional-alvo. Programas de ajustamento como o que está em curso são tremendamente a-sociais, relegando-se a vida das pessoas e as suas condições para planos de intervenção secundários ou terciários. Christine Lagarde, na parte final do seu mandato, reconheceu a natureza pouco social deste tipo de programas de ajustamento, nomeadamente em países africanos e menos desenvolvidos, e a recente directora-geral, Kristalina Georgieva, em alguns dos seus discursos defende uma renovação da filosofia de intervenção do FMI, tornando-a mais humana e menos economicista.

Porque, no final, são as pessoas que fazem as economias, enquanto sujeito do seu funcionamento e objecto dos respectivos resultados. Detendo o FMI os melhores e dos mais brilhantes economistas do planeta, como é que ainda se não conceberam programas de intervenção mais amigos do desenvolvimento? O resultado destes desajustamentos é a dívida social devida aos mais pobres, gerados durante estes processos de equilibragem das economias. A população pobre de Angola tem sido abandonada à sua própria sorte e o resultado está meridianamente expresso nas estatísticas sociais do país, que nos envergonham.

A população pobre é a que detém menos oportunidades e a que mais sofre com a violência e a desigualdade. É necessário reconhecer esta dívida social, provocada por opções de política económica mal desenhadas (continua a insistir-se no metro de superfície sem se fazerem estudos do conhecimento público) sobre o seu custo de oportunidade e a respectiva matriz custo-eficiência (custo-eficácia).

A desigualdade prevalecente em Angola é económica e social. E esta última é profunda e, mais grave, estrutural. O rompimento do seu círculo vicioso demanda por tempo. É tipicamente um círculo clássico dos países subdesenvolvidos e tão bem caracterizado, em tempos passados, por economistas como Raymond Barre, René Dumont, François Perroux, Mário Murteira, mais recentemente Simon Kuznets1 e mesmo Anthony Atkinson. Trata-se, afinal, de uma reprodução alargada das condições de pobreza: em cada ciclo económico a pobreza não apenas se renova, mas amplia-se.

Evidentemente que, para que o “kickoff” aconteça, tem de se estudar muito bem por onde começar, isto é, quais as políticas com maiores índices de eficácia e eficiência. A educação é uma delas, mas os seus efeitos positivos só aparecem a longo prazo, embora a médio termo se possam elencar alguns benefícios a favor do combate à pobreza e atenuação da desigualdade. A melhoria da saúde pode desencadear efeitos a curto prazo sobre a produtividade do trabalho ao diminuir a incidência do absentismo e recuperar energias.

Qualquer um destes sectores em Angola sofre de corrupção, desvio de fundos, desorganização, falta de qualidade dos serviços prestados, sendo discutível afectarem-se crescentemente maiores volumes de despesas orçamentais enquanto se não reorganizaremos Ministérios e respectivos departamentos e se não estripar a corrupção. Para mim, e sempre o afirmei, mais importante do que aumentar as verbas a si destinadas é melhorar a eficiência e eficácia na sua utilização.

Tem-se depois a desigualdade económica, expressa pela diferença de rendimentos (trabalho qualificado/trabalho não qualificado, trabalho agrícola/trabalho industrial e no sector dos serviços, trabalho manual/trabalho intelectual), de acesso ao crédito bancário (ainda prevalecem situações em que o bilhete de identidade do MPLA abre e facilita as portas para a obtenção de empréstimos), de obtenção de facilidades de criação de negócios, etc. Daí que seja fundamental a despartidarização do Estado e das mentalidades.

O MPLA tem de tomar a liderança deste processo porque é o responsável último pela criação de uma mentalidade partidária nas instituições públicas e privadas (desde o Partido único e a organização administrativa da economia e da sociedade).

A pobreza agravar-se-á até 2025. Com tanta pobreza, para quê investir no aumento da produção? Para se vender a quem?41 Este é o chamado círculo vicioso do empobrecimento.

A acomodação (????) da pobreza a curto prazo depende da capacidade da economia transferir rendimento, mormente por intermédio do Estado (as vulgarmente conhecidas transferências para as famílias, directas – abonos de família, rendimentos sociais de inserção, bolsa-família e indirectas através da redução dos impostos impendentes sobre o rendimento do trabalho (impostos directos), como da tributação indirecta, que tem reflexos significativos sobre os preços finais dos produtos).

O combate definitivo à pobreza só tem três caminhos: crescimento económico, geração de emprego e valorização do capital social na posse dos pobres (a educação e a formação profissional ajudam a melhorar os salários e, por esta via, a diminuir a pobreza monetária). Ou seja, criação de emprego qualificado, associado a bons índices de produtividade, viabilizadores da prática de altos salários.

1É conhecida a curva de Kuznets (o célebre U invertido) que relaciona a desigualdade como crescimento económico (medido através das taxas reais de variação do PIB por habitante), concluindo-se que nas suas primeiras etapas a desigualdade aumenta, sendo necessário um valor significativo do rendimento médio para que a sua distribuição se faça mais equitativamente. VALOR

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