Que versão tem dos acontecimentos?
A Polícia apreendeu o nosso material e uma lista que continha os nomes das pessoas que estavam a fazer a colagem de cartazes. A rota dessa equipa não tinha nada que ver com o Palácio Presidencial, mas sim com a distância que vai do porto aos Coqueiros. Eles foram apanhados no muro dos Coqueiros, que não é área restrita. Não é perímetro protegido do Presidente da República. Agora, entraram no perímetro já como detidos, pelos carros da própria Guarda Presidencial. Eles não cometeram crime nenhum por estarem a colar cartazes. Ali não se falava do Presidente da República, a única coisa que se dizia era: 'Assassinos de Cassule e Kamulingue para a cadeia já; Justiça'.
O que vai fazer a CASA-CE?
Vamos formalizar uma queixa-crime.
Contra quem?
Estamos a estudar com os nossos juristas, mas não vamos deixar passar isto em branco. Assassinar pelas costas, na flor da idade, sem motivo, é doloroso. Por outro lado, a própria Unidade da Guarda Presidencial não tem de prender pessoas na rua. Não tem mandato para isso. E é mentira que Hilbert [Ganga, o militante assassinado] estava na Cidade Alta. Ele não estava sozinho e há testemunhas.
A manifestação da UNITA não estava autorizada.
Eles impediram que a manifestação da UNITA tivesse lugar, mas autorizaram uma outra que disseram que era da sociedade civil, mas acabou por ser do MPLA. Essa não teve cavalos nem gás lacrimogéneo e surgiu à última hora porque a da JMPLA acabou por não acontecer.
As autoridades dizem que a manifestação incitava à violência.
Incitar à violência de que maneira? O problema que levantam é de que o comunicado que a UNITA fez dizia que o Presidente já não tem condições para exercer o poder. Mesmo em Portugal, nesta fase, os partidos dizem que o primeiro-ministro e o Presidente não têm condições para continuar. São opiniões. E enquanto se continuar apenas nestas palavras não há absolutamente nada que justifique que uma manifestação não possa ter lugar.
Está satisfeito com a forma como o Parlamento funciona?
O que nos deixa de facto insatisfeitos é que não se respeita o regimento. E estas violações, que são sistemáticas, se prolongam há mais de um ano. A apreciação da Conta Geral do Estado deve ser feita com a presença prévia do parecer do Tribunal de Contas (TC). Não há ainda o parecer do TC, porque este diz que precisa de três meses, e a Assembleia Nacional, com todas as conivências de quem a dirige, está a fazer a apreciação da Conta Geral do Estado. Outra violação é que o regimento exige que haja um debate mensal sobre temas de actualidade nacional ou internacional, mas no ano passado não houve nenhum debate. Neste ano que já começou não houve nenhum debate. Felizmente conseguimos forçar que se aceitasse a realização de um debate para Dezembro. Tudo isto são violações que não nos podem deixar satisfeitos.
Qual é o tema do debate?
Toda a oposição queria debater a situação do desaparecimento de Isaías Cassule e Alves Kamulingue. Naturalmente que o MPLA não está interessado. Então acordou-se que vamos debater a questão da criminalidade.
E o que diz sobre a criminalidade?
Para já, devo dizer que a criminalidade é crescente. Todos os dias ouvimos falar de mulheres violadas, de roubos, enfim. Portanto, poderemos também falar destes crimes que fazem a actualidade.
Vem de uma família tradicional do MPLA. Os seus parentes já estão conformados com a opção pela coligação?
Naturalmente. Resolvi dar um apoio ao lado mais fraco. Nós queremos unidade e ordem. Vi que ali as coisas já não andavam, não por culpa da maioria dos militantes, mas por causa de uma minoria que se vai enriquecendo e que se serve a si em detrimento dos demais. Há indivíduos do MPLA que entendem que o país é deles. E nota-se que desde o aparecimento da CASA-CE há uma outra maneira de fazer política, a própria oposição está mais dinâmica e o próprio MPLA sente-se mais acossado.
Mas na família já há uma certa harmonia?
Naturalmente. Quer dizer, dentro da família... Repare, quando há uma mudança significativa, primeiro há um choque. Mas depois entendem as razões. E a situação na minha família está plenamente normalizada.
Ainda há pessoas que queiram sair do MPLA?
Há muitas. Quando saí, tive vários telefonemas, antigos combatentes da primeira hora, gente com 70 anos, que passou a sua vida toda no MPLA, que me deram os parabéns.
A sua saída contribuiu para a educação da sociedade em aceitar a opinião contrária?
Sim. É uma forma de educar a sociedade. Porque é preciso ter coragem para corrigir o rumo e levarmos isto a bom porto. Você não vê o nome de Angola todo o tempo nas páginas quando se fala da corrupção?
Foi fácil dispensar os cargos e uma série de benesses como militante do MPLA e dirigente do Estado?
Não foi fácil. Foi arriscado, sobretudo mais o risco. Tinha de arriscar, não importam as consequências que venham a surgir.
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