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Quinta, 09 Abril 2020 01:27

Criador de Luanda Leaks sai da cadeia e vai colaborar com a Justiça

O assumido denunciante do Football Leaks e do Luanda Leaks vai esperar o julgamento fora da cadeia. Rui Pinto, que está pronunciado por 90 crimes, um deles a tentativa de extorsão à Doyen Sports, vai agora ajudar a Judiciária na sua investigação.

Rui Pinto está desde hoje fora da prisão, ainda que à guarda da Polícia Judiciária. Ao que o DN apurou, o hacker vai ficar instalado na sede da PJ, em Lisboa, e é aí que vai ajudar esta polícia criminal nas suas investigações, utilizando o seu know-how como especialista em invasão de redes informáticas.

Criminoso para a justiça, o pirata informático é considerado por várias organizações internacionais como um herói dos whistleblowers (denunciantes). Assumiu-se como o autor da divulgação das informações que deram origem ao Luanda Leaks, a envolver Isabel dos Santos, filha do ex-presidente de Angola, e como criador da plataforma FootballLeaks, que levou à justiça várias figuras do futebol.

Não são ainda conhecidos os detalhes da decisão do tribunal de instrução criminal em permitir que Rui Pinto espere o seu julgamento à guarda da Polícia Judiciária (PJ), mas fontes próximas do processo admitiram ao DN que tal decisão foi preparada ao mais alto nível entre o Ministério Público (MP), a PJ e a defesa de Rui Pinto. Sabe-se que o tribunal concordou que ficasse à guarda da PJ, em instalações especialmente preparadas na sede desta polícia.

No seguimento deste alteração da situação os advogados do hacker, William Bourdon, Francisco Teixeira da Mota e Luísa Teixeira da Mota, enviaram à Agência Lusa um comunicado onde explicam: "Na presente data, foi revogada a medida de coação de prisão preventiva aplicada a Rui Pinto, tendo o mesmo abandonado já as instalações do estabelecimento prisional anexo à PJ [Policia Judiciária]. Rui Pinto encontra-se agora sujeito à medida de obrigação de permanência na habitação, cumulada com a proibição de acesso à internet, sob responsabilidade da Polícia Judiciária."

Recorde-se que entre o material apreendido a Rui Pinto na Hungria, encontram-se pen-drives e discos rígidos que podem conter informação de interesse criminal, mas que só com a colaboração do hacker a PJ lhe pode aceder e abrir inquéritos de investigação.

Entre as condições negociadas pode haver alguma mudança quer na atitude de Rui Pinto, quanto à sua colaboração com as autoridades, quer da parte do MP, quanto às medidas de coação e aos crimes imputados.

Entre as condições negociadas pode estar envolvida alguma mudança quer na atitude de Rui Pinto, quanto à sua colaboração com as autoridades, quer da parte do MP, quanto às medidas de coação e aos crimes imputados. Recorde-se que o MP recorreu da decisão do tribunal de instrução, pedindo que Rui Pinto fosse julgado por todos os 147 crimes da sua acusação. Caso Rui Pinto possa ser enquadrado no estatuto de arrependido, isso terá uma forte influência no seu julgamento e na subsequente sentença.

Ainda assim, terá sempre de ser acautelada a defesa dos interesses das vítimas de Rui Pinto, quer privados, como Cristiano Ronaldo, quer entidades públicas, como a PGR, entre outros.

Entendimento com autoridades portuguesas?

Em fevereiro último, numa conferência de imprensa para assinalar um ano de prisão de Rui Pinto, o se advogado português, Francisco Teixeira da Mota, deixou implícito que podia haver conversações com as autoridades. Cauteloso, mas pressionado pelas perguntas dos jornalistas acabou por revelar que acreditava num acordo com as autoridades portuguesas. "Rui Pinto tem manifestado reiteradamente a sua disponibilidade para colaborar e tenho a expectativa que ainda venha a ser possível chegar a um entendimento sobre esse desejo de colaboração", declarou.

Até essa altura, aqui, a defesa de Rui Pinto, quer através do próprio Teixeira da Mota, quer através de William Bourdon ou da ex-eurodeputada Ana Gomes, tinham sempre alegado que as autoridades portuguesas só tinham interesse na colaboração de Rui Pinto para o incriminar ainda mais. Que, ao contrário do que acontecia com a justiça de outros países com as quais Rui Pinto estaria a colaborar, em Portugal tal não sucedia. "Há dois pesos e duas medidas", acusou Ana Gomes, quando se soube que Rui Pinto tinha estado na origem das denúncias do Luanda Leaks, considerando "completamente obsoleta a posição daqueles que no sistema judiciário [português] não querem conhecer a luta, que é serviço público, por parte de um denunciante que expõe criminalidade organizada".

se dependesse da PJ e do MP português, estas informações nunca viriam a público, nem as autoridades angolanas alguma vez seriam informadas da existência destes dados. Vistos Gold, ESCOM, BES Angola... há ainda muita coisa que os portugueses merecem saber

O próprio Rui Pinto, num tweet que publicou escreveu que "se dependesse da PJ e do MP português, estas informações nunca viriam a público, nem as autoridades angolanas alguma vez seriam informadas da existência destes dados. Vistos Gold, ESCOM, BES Angola... há ainda muita coisa que os portugueses merecem saber".

No entanto, fontes judiciais têm negado, oficiosamente estas acusações, afirmando que é o hacker que não queria colaborar.

Questionado pelo DN sobre quais seriam as condições em que Rui Pinto estaria disposto a colaborar com a justiça portuguesa e quais as condições em que as autoridades nacionais aceitariam Rui Pinto como denunciante, Francisco Teixeira da Mota, mais uma vez prudente, afirmou que gostaria "também de saber as condições das autoridades". Voltou a insistis que Rui Pinto já tinha manifestado "sua disponibilidade para cooperar e a partir do momento em que for discutida essa colaboração saberemos em que termos". Acrescentou que nesse momento isso ainda não tinha sido discutido.

Em setembro de 2019, o Ministério Público (MP) tinha acusado o hacker de 147 crimes, 75 dos quais de acesso ilegítimo, 70 de violação de correspondência, um de sabotagem informática e um de tentativa de extorsão, por aceder aos sistemas informáticos do Sporting, da Doyen, da sociedade de advogados PLMJ, da Federação Portuguesa de Futebol, da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Plataforma Score e posterior divulgação de dezenas de documentos confidenciais destas entidades.

Apelo à libertação

Em janeiro passado, depois de ter decorrido a fase instrutória, o tribunal de instrução criminal reconfirmou a prisão preventiva de Rui Pinto, mas reduziu-lhe o número de crimes e algumas molduras penais do MP: por seis crimes de acesso ilegítimo, um de sabotagem informática, 14 de violação de correspondência, 68 de acesso indevido e um de extorsão na forma tentada.

Ainda assim, a juiza Cláudia Pina defendeu que Rui Pinto "nunca poderia ser enquadrado na categoria de 'whistleblower'", pois teve uma "atuação diversa à de denunciante de boa fé" e agiu de "modo ilícito".

A prisão preventiva de Rui Pinto - justificada apenas pelo crime de tentativa de extorsão à Doyen - tem merecido criticas de várias personalidades nacionais e internacionais. Em março último, uma petição foi assinada por mais de uma centena de figuras públicas a pedir a sua libertação. Vera Jardim, Poiares Maduro, Catarina Martins, João Cravinho, Ana Gomes, José Eduardo Agualusa, Afonso Reis Cabral, Daniel Oliveira e Mário Laginha foram alguns dos nomes a considerar que a prisão de Rui Pinto era uma "punição antecipada antes do julgamento".

O MP recorreu depois desta decisão, pedindo que Rui Pinto fosse julgado por todos os crimes que lhe foram imputados na acusação, não sendo ainda conhecida a decisão do tribunal.

Apesar de vários recursos da defesa para que Rui Pinto pudessem aguardar o julgamento, pelo menos, em prisão domiciliária, o Tribunal de Relação nunca o permitiu. No último recurso, contra a decisão do Tribuna de Instrução Criminal de manter Rui Pinto na cadeia, a defesa alegou que os pressupostos para esta medida mais gravosa - perturbação do inquérito, perigo de fuga e continuação da atividade criminosa - já não estavam reunidos. Mas o entendimento da Relação foi diferente.

O arguido manifesta um sentimento de total impunidade, não só pelas declarações que presta perante a imprensa, autointitulando-se como whistleblower, como pelas publicações que fez na página do Facebook

A falta de arrependimento e os conhecimentos especiais informáticos de Rui Pinto são referidos várias vezes neste último acórdão e servem de agravante para a decisão de manter o denunciante detido. "O arguido manifesta um sentimento de total impunidade, não só pelas declarações que presta perante a imprensa, autointitulando-se como whistleblower, como pelas publicações que fez na página do Facebook ("catch me if you can", isto é, apanha-se me se puderes, numa referência à PJ) e pelas declarações que entretanto prestou enquanto esteve na Hungria, demonstrando total falta de arrependimento em relação aos factos que lhe são imputados e revelando completo desvalor da sua atuação em relação à Doyen Sports Investments Limited", escreveram os juízes desembargadores.

No entender destes magistrados "existe concreto perigo de que o arguido, em função dos conhecimentos de que dispõe na área informática e da sua personalidade (que não interiorizou o desvalor da ação por si praticada, evidenciando, pelo contrário, um interesse público superior na sua atuação, olvidando sempre, o cometimento de um crime grave), continue a aceder a informação confidencial e a exigir dinheiro pela sua não divulgação (já que não lhe é conhecida qualquer outra atividade), existindo assim um inegável perigo de continuação da atividade criminosa". DN

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