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Segunda, 01 Agosto 2016 21:27

Há aí bancos que são meras casas de câmbios - Alves Rocha

“Não vemos sinais para continuar a pesquisar sobre diversificação da economia”

O Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola deixará de fazer constar do Relatório Económico o capítulo da diversificação da economia. A revelação é do seu director, na entrevista que se segue. Alves da Rocha explica que a medida deve-se ao facto de ao longo dos treze anos de pesquisa não se terem registado mudanças nas opções políticas do Governo nesse sentido. A entrevista que o caro leitor tem diante dos olhos foi emitida no espaço Grande Entrevista da Rádio Mais, na segunda-feira, 25 de Julho.

2017 é depois de amanhã, como estará o país para a entrada da Zona de Livre Comércio da SADC”. São suas estas palavras?

O relatório económico tem um capítulo que trata da competitividade da economia nacional, que já integra o relatório há treze edições e julgo que na próxima edição esse capítulo vai deixar de fazer parte do relatório.

Porquê?

Porque não se constatam alterações de peso na competitividade de Angola. O mesmo se vai passar com a diversificação da economia, porque não vemos que existam sinais que nos convençam a continuar a pesquisar sobre diversificação da economia.

Voltando à competitividade…

Voltando à questão da competitividade, já que, de facto, 2017 é depois de amanhã e há essa posição de Angola ter pedido uma adesão faseada por produtos, deixe-me fazer um bocado de história, porque representa 17 anos de tempo que perdemos. Em 1999, a senhora engenheira Albina Assis era ministra da Indústria, com toda a experiência que tem, com todo o interesse que sempre teve no bom funcionamento do país, formou um grupo de trabalho, do qual eu fazia parte, para estudar a questão da adesão de Angola ao Protocolo de Livre Comércio. A preocupação era saber: Angola adere ou não adere? O que a gente pode propor como contrapartida?O trabalho foi desenvolvido, existe, creio que estará nos ministérios da Indústria e do Planeamento.

E a que conclusão chegou a análise?

A análise conduziu à seguinte observação: que Angola, já na altura, tinha um grupo de produtos, com os quais não teria problemas em assinar o Protocolo de Livre Comércio, porque eram produtos, de acordo com a análise feita pelo grupo de trabalho, que podiam suportar uma abertura de fronteira.

E?

E havia um segundo grupo de produtos que estariam numa zona de transição. Havia a necessidade de fazer mais qualquer coisa para que a sua competitividade fosse comparável. E depois havia outra gama de produtos, em relação aos quais Angola não apresentava vantagens, com o risco de efeitos nefastos sobre a economia. Entretanto, o grupo de trabalho tinha uma agenda definida e aparentemente nada se fez. Porque a guerra acabou e o preço do petróleo subiu e, como tal, por que razão haveria a gente de se preocupar com a competitividade, se temos receitas abundantes?

E que produtos eram?

Não me lembro agora, a minha memória também com a idade vai contribuindo… mas foram analisadas várias centenas de produtos.

Ponderar a entrada faseada na ZLC será prudente?

Não sei o que isso significa. A teoria da integração económica não permite entrada faseada. Os países ou entram totalmente ou não entram.

O que aconteceu na União Europeia, que agora está a constituir uma enorme desilusão… Para mim pessoalmente?

A europa já não está a constituir aquilo que era apontado como o único caso verdadeiramente de sucesso de um processo de integração económica. Quando se adere adere-se, não se adere por fases. Salvo melhor explicação, não sei o que significa integração faseada.

A crise cambial e o défice orçamental caracterizam o actual cenário macro-económico do país. Que perspectiva para a alteração do quadro, à luz da estratégia do Governo que visa atenuar o impacto da crise sobre a economia?

Toda a gente sabe que já tivemos uma situação semelhante em 2009, quando o Governo fez um reajustamento ao orçamento, fruto da queda do preço do barril de petróleo de 50 por cento. E estamos todos lembrados que muitas vozes sustentaram a tese de que a crise não nos afectaria e apresentaram-se argumentos de natureza do sistema financeiro, devido à não total integração no sistema internacional. Mas o facto é que Angola sofreu, na medida em que o Estado tinha perdido capacidade de recolha de impostos.

O país aprendeu pouco com a crise de 2009 ou os cenários diferem?

O que se passou de diferente em relação à situação actual é que logo, em 2010, o mercado internacional do petróleo apresentou uma tendência de recuperação do preço. E o que fizemos? Acreditamos que tudo voltaria a ser como dantes. Para que tenham a noção da importância do petróleo em Angola, o saldo orçamental acumulado entre 2002 e 2015, pode ser avaliado à volta dos 32 a 35 mil milhões de dólares. O que significa que o Governo conseguiu acumular poupanças graças ao preço médio do barril do petróleo. E há outros argumentos que provam que houve muito dinheiro aqui em Angola, muito dinheiro.

E o que acontece hoje?

O que acontece agora é que as receitas tributárias têm vindo a diminuir, nomeadamente as de origem petrolífera. O Governo pôs em prática um processo de reforma tributária, correctamente, mas o sistema fiscal angolano é dos menos competitivos. O grande argumento perdeu-se com a receita do petróleo. E em 2020, apesar das intenções do Governo de ter elaborado uma série de documentos, nomeadamente, estratégia de mitigação dos efeitos, elaboração de uma lista de produtos imediatamente exportáveis, enfim, o que não é possível…

O que me aborrece um pouco é a expressão: “a execução do orçamento está em linha com o previsto”. E o que é facto é que estamos nesta situação. Saiu uma nota de imprensa dando conta que as receitas tributárias diminuíram em relação ao que tinha sido previsto, mas as despesas diminuíram menos do que diminuíram as receitas… Estou convencido que se essa conjuntura se mantiver, o desequilíbrio financeiro pode chegar aos 6,5 por cento, no final deste ano.

Que condições objectivas o país tem para exportar?

O CEIC conduziu um trabalho, na base de um documento do Governo que se chamava “Procura de novas fontes de exportação” e elencava 18 produtos imediatamente exportáveis. Mas nunca mais se ouviu falar nisso. Mencionava a banana, o mel… enfim.

Porquê se ri, quando se refere ao mel?

Porque tem pouco peso na balança de pagamento. Mas fizemos um exercício e a nossa intenção era ver, desses 18 produtos, qual era o comportamento do seu preço no mercado internacional, num contexto em que todos sabemos que os preços das commodities têm estado a baixar ao longo do tempo. Tivemos acesso a uma abordagem de um economista português sobre esta matéria, que analisa os efeitos que Angola iria recolher, a curto prazo, ao exportar quantidades desses produtos e foram colocados os seguintes pressupostos: que realmente os produtos eram competitivos no mercado internacional; que havia capacidade de produção disponível; que era possível ter um forte marketing internacional – o que não se faz da noite para o dia; e contas feitas, admitindo o máximo da sua produção, a contabilidade concluiu que se essas condições fossem preenchidas, o valor da exportação desses produtos, daria a quantia de mil e 500 milhões de dólares, qualquer coisa como cinco por cento do Produto Interno Bruto. Creio que repondo perfeitamente à sua pergunta.

Como chegamos aqui e como sair?

O ambiente é de crise. Nem o Governo pretende escamotear essa realidade. O próprio Presidente da República, numa reunião do Comité Central do MPLA, apresentou um quadro complicado da situação económica e financeira do país. Julgo que uma saída desta situação só será a médio prazo, aproveitando esse tempo para se fazerem reformas estruturais que têm sido sistematicamente adiadas. Continuamos a ter um clima de negócio muito pesado que afasta o investimento quer angolano quer estrangeiro. Continuamos a ter uma situação social que não contribui para que a economia flua da melhor maneira possível.

Que itens o investidor estrangeiro analisa num determinado mercado?

O investidor não analisa apenas o retorno do seu investimento, mas tudo o que está à volta. E a questão da saúde e da educação, embora a educação os seus efeitos sejam de médio e longo prazo, mas um bom sistema de Saúde é no imediato. Para diminuir a taxa de absentismo, para aumentar a taxa de produtividade. Portanto, os desafios são enormes. E a pergunta que foi feita inicialmente é, como é que se chegou aqui.

Como foi?

Nada fazia prever. Apesar disso, algumas reformas foram feitas, porque, no fundo, os governos existem para governarem não apenas para lá estarem de pernas traçadas e a aproveitarem-se de oportunidades de negócios, já que eles têm o primeiro acesso à informação. Se algumas coisas foram feitas, é sua obrigação. Não é minha ou dos empresários.

E qual é a visão da CEAST?

O homem CEIC Manuel José Alves da Rocha nasceu na província de Malanje a 26 de Agosto de 1947. É um dos mais reconhecidos economistas em Angola. Formou- se em Portugal e tem uma pós-graduação em modelos económicos e práticas económicas restritivas. Colaborou em diversos trabalhos para o Banco Mundial, Banco Europeu de Investimentos, Organização Internacional do Trabalho e CNUCED.Foi consultor técnico principal de diferentes organismos do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) durante dez anos e nos últimos sete tem trabalhado com a Comissão Europeia em Angola.

Tem diferentes trabalhos de investigação sobre a realidade económica e social de Angola e também em África. Alves da Rocha é autor de vários livros, com destaque para “Potencialidades e Perfis Industriais da Região Centro de Portugal”, “Questões Actuais e Fundamentais da Economia Angolana”, “Economia e Sociedade em Angola”, “Angola: Estabilização, Reformas e Desenvolvimento”, “Por Onde Vai a Economia Angolana?”, “Os Limites do Crescimento Económico em Angola-As fronteiras entre o possível e o desejável”, “Opiniões e Reflexões”. continuar a pesquisar economia” Do ponto de vista da igreja católica, a primeira causa é a queda do preço do barril do petróleo. Mas a CEAST junta outras: a corrupção, a falta de transparência, o desvio de dinheiro, a falta de ética, a má definição de prioridade da parte do Governo. E, agora, a pergunta é como sair dela.

Como pensa que sairíamos dela?

Todos estamos à espera do relatório de fundamentação do Orçamento Geral do Estado de 2017. Aí, obrigatoriamente o Governo tem que nos dizer qual a sua perspectiva para atenuar as condições difíceis em que vivemos, nos diferentes aspectos.

Como recebeu a notícia sobre a desistência de Angola do “programa de financiamento ampliado” do FMI?

O FMI tem a sua doutrina. Tem a sua forma de abordagem e interpretação dos desequilíbrios, das causas dos desequilíbrios e a forma como eles podem ser resolvidos, com a preocupação de, resolvidos os desequilíbrios, os países voltarem à rota de desenvolvimento da economia.

E em que rota se encontra o país?

Estamos numa rota de desaceleração estrutural da economia. Este processo de desaceleração iniciou-se em 2009, justamente derivado da crise do subprime internacional e da crise financeira, que depois teve os seus efeitos sobre o crescimento da economia mundial.

Por que caminhos?

O CEIC entende ser difícil Angola voltar a registar taxas médias de crescimento do PIB, tal como aconteceu no período 2002/2008, que se designou pela “mini-idade de ouro da economia angolana”. O FMI quando vai aos países no âmbito do Artigo IV.º faz recomendações que o Governo, se entender seguir, tudo bem, se não, o FMI não fica amuado com isso.

Qual é o receio?

O receio é que o FMI pudesse chegar aqui e dizer que sector da Educação ou da Saúde tem que cortar 20 ou 30 por cento, aparentemente são receios que teríamos que testar na prática. Agora, se o FMI fizesse negociação com o Governo e chegasse à conclusão que disponibilizaria um montante de 4 mil 500 milhões de dólares, que era, em princípio, o valor divulgado pelos órgãos de comunicação social, naturalmente o FMI iria dizer o que fazer. Creio que a razão de fundo terá sido as eleições de 2017.

Se esse programa fosse acordado, evidentemente que muitas despesas o FMI teria aconselhado o contrário. Estamos a um ano das eleições e até lá há que afinar a máquina partidária. E o afinar dessa máquina passa pela disponibilidade de muito dinheiro. Porque o Governo há-de fazer algumas coisas para dizer que fez, o que é normal.

Não é por aí que critico essa situação. Qualquer partido que estivesse no Governo iria fazer a mesma coisa, para no fim dizer que foi tudo por culpa do petróleo, mas inaugurámos isso ou aquilo outro. Isso na perspectiva técnica do FMI não é aceitável. Portanto, assinar um acordo com o FMI na preparação das eleições seria um risco para o MPLA.

Não acredito que o Governo, que tem quadros tecnicamente bons, tenha dado a justificação de que o preço do petróleo vai aumentar, porque o Governo sabe perfeitamente que o preço do petróleo não vai aumentar na quantidade necessária para que Angola dispensasse o FMI, sobretudo na perspectiva da retoma de uma imagem nova internacional. O sistema bancário está com tremendas dificuldades e, inclusive, pode-se colocar em cima da mesa a probabilidade de alguns bancos falirem, porque não têm capacidade.

O que acontece se falir um banco agora?

Ia-lhe responder agora. Estamos recordados da falência do Lehman Brothers e os seus efeitos de contágio. O BNA está consciente dessa situação e está a fazer para que isso não venha a acontecer. Se calhar não vamos poder evitar a fusão de bancos. Porque há aí bancos que são meras casas de câmbios, não exercendo a sua função de intermediação financeira entre quem poupa e quem investe.

Aponte cinco desafios para o país sair desse estado…

Diversificação, competitividade, corrupção, transparência e boa governação.

OPAIS

 

 

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