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Quarta, 19 Janeiro 2022 14:10

“Fantasmas” na educação podem ser processados por enriquecimento ilícito

O advogado Hermenegildo Fernandes disse, ao Jornal OPAÍS, que os 714 profissionais de distintas áreas e categorias, que não compareceram nas instituições de ensino para onde foram destacados com as competentes guias de serviço, mas que têm recebido mensalmente os seus ordenados, podem ser processados por enriquecimento ilícito à custa do Estado e terão de restituir o dinheiro.

O advogado Hermenegildo Fernandes disse, ao Jornal OPAÍS, que os 714 profissionais de distintas áreas e categorias que não compareceram nas instituições de ensino para onde foram destacados com as competentes guias de serviço, mas que têm recebido mensalmente os seus ordenados, podem ser processados por enriquecimento ilícito à custa do Estado e, com isso, terão de restituir o dinheiro

Todos eles, caso venha a provar-se que são trabalhadores fantasmas, terão a obrigação legal de devolver ao Estado tudo o que receberam por parte deste a partir do momento que receberam o primeiro salário até ao mês que marcará o fim do vínculo laboral, segundo o jurista. Hermenegildo Fernandes explicou que, no âmbito civil, a lei em vigor prevê que as pessoas que praticam tais acções podem ser responsabilizadas pelo crime de enriquecimento sem causa e são obrigadas a restituir aquilo com que se locupletaram.

Em seu entender, o Gabinete Provincial de Educação de Luanda (GPEL), que deu um ultimato de 30 dias a tais funcionários para se apresentarem junto do seu gabinete de Recursos Humanos, tem a soberana possibilidade de contribuir para que o Estado recupere o dinheiro que disponibilizou durante anos a estes indivíduos. Isso tendo em atenção que, em primeiro lugar, “o trabalhador fantasma ou a pessoa que usufruiu do salário é o enriquecido, por não ter prestado o serviço. Em segundo, não há qualquer acto que justifique a remuneração por si recebida, logo não existe uma causa justificativa. E em terceiro, quem pagou o salário do trabalhador fantasma é o Estado que acabou por ser o lesado”.

Deste modo, o causídico defende que o Estado tem o direito de exigir a restituição daquilo que prestou indevidamente, tendo em conta que esse direito prescreve no prazo de três anos a contar da data em que teve conhecimento e da pessoa do responsável, mesmo que o prazo a contar do enriquecimento prescreva pode beneficiar-se do prazo da prescrição ordinário, nos termos do Código Civil.

“Padrinho” dos fantasmas também podem ser responsabilizados

Por outro lado, Hermenegildo Fernandes disse que além da responsabilização civil, o GPEL pode mover uma acção criminal contra os mesmos e os gestores públicos que apadrinham tais actos, porque enquadram-se, à luz do direito penal angolano, no crime de Peculato. “Pois trata-se inequivocamente de desvios de dinheiro público por gestores ou funcionários públicos para satisfação de interesses particulares”, frisou.

Explicou que nestes casos, os gestores públicos envolvidos no esquema são responsabilizados a título de cúmplices, pelo que lhe pode ser aplicada a pena fixada para o autor, especialmente atenuada.

Para dissipar eventuais dúvidas, o especialista em direito jurídico-forense esclareceu que o crime de peculato pode ser visto em duas vertentes: peculato-desvio e peculato-apropriação. No peculato-desvio, o gestor público nomeia determinada pessoa para exercer certa actividade, mas esta nunca exerce tal função, mas recebe sempre os seus salários. Já no peculato-apropriação, o gestor público é que recebe os salários do trabalhador fantasma.

Porém, ressaltou a necessidade de se ter em conta que as pessoas que praticaram tais acções sem estarem eventualmente em conluio

os seus superiores hierárquicos. “Nos casos em que não existem elementos indicativos de tal facto, ou seja, quando há ausência de prestação de serviço por parte da pessoa nomeada, sem indicação de que havia autorização para que ele não comparecesse ao trabalho, não há crime de peculato”, frisou. No seu ponto de vista, nestas situações se pode cogitar tratar-se de casos de abandono de trabalho e também pode configurar-se a infracção disciplinar e acto de improbidade administrativa por parte do funcionário nomeado. Hermenegildo Fernandes disse que nesta categoria podem encontrar se pessoas já falecidas, mas que formalmente fazem parte da base de dados de pessoal em actividade e são pagos normalmente os seus salários, como se de reais funcionários se tratasse.

“Quando isso ocorre, os responsáveis, os gestores e titulares de cargos públicos devem dar a conhecer aos departamentos de finanças para a devida retirada destes funcionários do Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado (SIGFE)”, frisou. Por força da Lei nº 41/20, de 23 de Dezembro, o acesso à função pública por parte dos cidadãos normalmente é realizado por meio de concurso público ou por meio de nomeação por parte de titulares de cargos públicos, mas, por vezes, esta orientação normativa não é respeitada por parte de quem tem o poder de contratar e de gerir o quadro de pessoal da Administração Pública, segundo o nosso interlocutor.

“Ocorre, assim, a violação dos dispositivos legais que orientam a prática da boa governação e dos princípios fundamentais que norteiam a actuação dos órgãos da Administração Pública e, consequentemente, a fragilidade do Sistema de Gestão Estatual”, frisou.

Para o nosso interlocutor, estes estão entre os factores que têm levado, nos últimos anos, várias diversas forças sindicais a denunciarem a existência de “trabalhadores fantasmas”, cujos nomes aparecem nas efectividades dos serviços estatais, são pagos com o dinheiro do Orçamento Geral do Estado, todavia não prestam qualquer serviço ao Estado. OPAIS

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