O julgamento dos efectivos dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SINSE) e da Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC) de Luanda acusados de assassinarem os jovens Isaías Cassule e Alves Kamulingue, em Maio de 2012, poderá ser transferido para o próximo ano.
David Mendes fez esta revelação a O PAÍS dias depois de o juiz-presidente da 6ª Secção de Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, Carlos Baltazar, ter anunciado a transferência do processo dos presumíveis autores deste crime hediondo para o Tribunal Supremo por não ter competência para os julgar.
Os juízes chegaram a esta conclusão em função de um dos arguidos, o então delegado dos Serviços de Inteligência de Luanda, António Gamboa Vieira Lopes, ter sido promovido ao grau de brigadeiro enquanto o caso se encontrava em instrução processual na Procuradoria Geral da República.
Para além dele, estão arrolados dez funcionários públicos, dos quais sete aguardam o julgamento na cadeia, dois (Benilson Pereira, 28 anos, e Edvaldo Santos, 25 anos) se encontram em fuga e um (Pedro Veloso Gabriel Antunes) morreu por doença na cela, durante a fase de instrução processual.
No leque dos acusados, consta ainda Paulo Mota, delegado adjunto do SINSE de Luanda, Luís Miranda, Dorivaldo dos Santos, Manuel Miranda e Francisco Tenda Daniel, mais conhecido por Kiko. Este último, assumiu perante o tribunal ser o autor do tiro que matou Kamulingue.
“Não acredito que o julgamento retomara este ano porque o processo é constituído por quatro ou seis volumes que têm de ser analisados pelos juízes, antes mesmo de decidirem validar o acto”, explicou, baseando-se no facto de a Lei estabelecer que os processos devem ser averiguados por três magistrados judiciais.
Esclareceu ainda que o juiz-presidente que ficar incumbido deste processo terá que o enquadrar na sua agenda, depender da disponibilidade dos juízes assistentes que, também, são muito ocupados em função do volume de trabalho.
Depois de ter o trio formado, seguir- se-ão às sessões de julgamento que poderá levar algum tempo, tendo em conta que não é fácil eles terem disponibilidade para assim o procederem a tempo integral.
David Mendes sustentou a sua tese, grubaseando- se no facto de os magistrados judiciais terem apenas mais três meses de trabalho, antes mesmo do encerramento do ano judicial, a contar deste mês de Setembro.
“Os juízes só terão mais três meses, nomeadamente, Setembro, Outubro e Novembro. Já que Dezembro é o mês das feriais judiciais, embora a lei preveja a possibilidade da suspensão das mesmas quando há um processo em curso”, disse.
Disse ainda que, normalmente, os processos que vão para o Tribunal Supremo demoram para serem respondidos porque os juízes tem muitos casos para analisar.
Quem são de facto as vítimas?
O advogado do brigadeiro Vieira Lopes, Benja Satula, revelou, na primeira audiência realizada no dia 1, que o cidadão Alves Kamulingue não era activista político, mas sim um agente do Estado infiltrado nos auto-denominados Movimentos Revolucionários.
O causídico fez esta revelação ao responder as acusações formuladas contra o ex-chefe do SINSE de que tinha sido ele quem mandou matar o seu subordinado e o jovem Alves Cassule.
Procurou esclarecer ao Tribunal que não foi o seu constituinte quem orientou a execução das vítimas, enquanto que no relatório de pronuncia o mesmo é descrito como o mandante.
Segundo Benja Satula, o arguido Vieira Lopes foi informado que um agente infiltrado no seio dos “subversores” havia enviado uma carta ao Governo Provincial de Luanda, solicitando autorização para a realização de uma manifestação. No entanto, limitou-se a repassar a informação ao comandante provincial de Luanda em exercício, Dias dos Nascimento, solicitando que Kamulingue fosse capturado e entregue às autoridades competentes.
Dois dos defensores dos efectivos da DPIC sentiram-se indignados com os pronunciamentos do colega e retorquiram, afirmando que foi o Vieira Lopes quem ordenou a execução de Kamulingue. A morte de Kamulingue terá sido precipitada por ele supostamente ter tido, naquele mesmo dia, uma reunião no Hotel Skyna com uma presumível agente da CIA Elisabeth Ramler, especialista na promoção de manifestações.
Já o arguido Kiko contou ao Tribunal que o seu chefe Manuel Miranda o ordenou que matasse o suposto activista cívico. “O senhor Mota disse-me três vezes para disparar, mas recusei. Só o fiz quando o meu chefe disse-me para o fazer, porque era uma orientação superior”.
Por seu turno, Manuel Miranda, ex-chefe do departamento de investigação criminal da Ingombota, disse que havia sido orientado pelo seu director, Amaro Neto, que criasse uma equipa e contactasse o delegado do SINSE em Luanda para auxilia-lo numa missão, sem a especificar.
Apesar de o Tribunal não ter tido a oportunidade de indagar os arguidos sobre o desaparecimento do activista político Isaías Cassule, no auto de pronúncia consta que foi raptado por operativos do SINSE, morto por asfixia e lançado ao rio Dande.
O PAIS