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Domingo, 19 Julho 2020 00:56

Os documentos secretos do BES/Angola

Depois do “caso BES”, um dos próximos passos do Ministério Público é o banco angolano, rodeado de histórias de levantamentos de milhões em numerário, advogados e reuniões escaldantes. SÁBADO revela documentos até hoje em segredo.

Aberta desde 2011 e com o número 244/11 TELSB, a investigação do Ministério Público português aos milhões de dólares concedidos em crédito pelo Banco Espírito Santo Angola (BESA) promete criar tanta ou ainda mais controvérsia do que o mais recente processo, que terminou com a acusação a Ricardo Salgado e a mais 24 arguidos. Os procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) admitem existir neste caso um problema de jurisdição para uma investigação completa, já que grande parte dos factos ocorreram em Angola, porém consideram haver matéria o processo avançar, perante as suspeitas de que alguns responsáveis da administração do BES terão estado a par da situação do BESA e terão omitido a realidade das contas quer para efeitos de uma garantia soberana dada por Angola, quer "ocultando as perdas potenciais" a que o banco, em Portugal, ainda estava exposto.

Num dos arquivamentos do caso BES, o Ministério Público descreve a actuação de José Correa Sampaio e de outros advogados da Abreu Advogados na "produção de documentos que tiveram um relevo determinante no modo como poderiam ter sido, e não foram, perspectivadas questão em torno da supervisão à Espírito Santo Finantial Group em base consolidada e ao Grupo BES, da competência do Banco de Portugal". Um desses documentos foi, segundo o MP, "um parecer jurídico sobre segredo bancário angolano" e que foi utilizado por vários responsáveis do BES Angola como argumento (até na Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES) para se eximirem a prestar esclarecimentos mais detalhados sobre a situação financeira do banco angolano como, por exemplo, dos grandes devedores ao Banco de Portugal para efeitos de supervisão. LEIA O DOCUMENTO.

Ouvido na qualidade de arguido pelo Ministério Público, José Correa Sampaio afirmou que se limitou a prestar serviços de "natureza meramente administrativa" a uma Reunião Geral de Accionistas do BESA de Outubro de 2013, na qual foram revelados muitos desses incumpridores e outras situações menos claras na gestão do banco. A investigação do caso BES recolheu, porém, um email trocado entre elementos da Abreu Advogados, de julho de 2014, após uma exigência do Banco Nacional de Angola para que ocorresse um aumento de capital no BESA em 48 horas, que revelava "a plena consciência por parte dos envolvidos da Abreu de que o BES poderia perder 3 mil milhões de euros com a situação do BESA", algo que os advogado terão considerado como "uma tareia". O valor tinha sido injectado pelo BES na sua sucursal angolana para efeitos de recapitalização.

"Do teor desta comunicação, extrai-se que os advogados em causa bem sabiam do efeito de contaminação da situação do BESA no BES", refere o despacho de arquivamento, salientando, porém, não ter sido possível recolher indícios de que este conhecimento nasceu durante o primeiro semestre de 2014 ou se remontava a dezembro de 2013, mês em que foi preparada e assinada por José Eduardo dos Santos a garantia soberana que "protegia" 5,7 mil milhões de euros de créditos do BESA. LEIA O DOCUMENTO.

A garantia dada pelo estado angolano também terá tido a "mão" da Abreu Advogados, já que nas buscas a esta sociedade de advogados, realizadas em 2017, o Ministério Público encontrou "documentos que serviram de base à construção do racional de uma ‘garantia’, ao abrigo de normas de direito angolano" ou, como um dos elementos da Abreu terá referido, "o caminho da luz", provavelmente para o Banco Espírito Santo de Angola. Certo é que José Eduardo dos Santos acabaria por assinar a garantia, dois meses após uma tensa reunião de accionistas do BESA (entretanto, convertido em Banco Económico), que discutiu o buraco do banco que, como se esperava, acabaria por contaminar as contas do BES.

O Ministério Público refere que naquela reunião de accionistas "viriam a ser feitas afirmações incompatíveis com o que se julga ser o padrão de normalidade do negócio bancário, pelo menos, como se presume que o mesmo possa ser perspectivado no espaço da União Europeia". Talvez os procuradores estivessem a referir-se a uma parte da reunião em que, depois de pressionado por alguns participantes sobre o controle do crédito concedido, Álvaro Sobrinho disse que se tratava de uma "falha antiga da gestão na concessão de crédito, muito comum em África, em que existe a tradição da concessão de créditos sem que exista uma efetiva verificação da utilização que lhe é dada".

Refira-se que, segundo o documento, Álvaro Sobrinho, enquanto presidente da comissão executiva do BESA, aprovou para si mesmo operações de financiamento no montante de 365 milhões de dólares. Por sua vez, o antigo responsável pelo risco do banco, João Moita, tinha aprovado "isoladamente nove operações de crédito no montante de 502 milhões de dólares". Ao mesmo tempo, a nova equipa de gestão do BESA verificou que "existia um conjunto de operações com a documentação totalmente incompleta (seis operações no montante de 648 milhões de dólares) em que não existiam os contratos e as aprovações respetivas dos créditos". LEIA O DOCUMENTO.

Um pouco pressionado pelo general Hélder Vieira, Kopelipa, na qualidade de accionista do BESA, Sobrinho explicou um pouco como se desenrolava o processo de concessão de crédito no banco angolano: não havia um conselho de crédito formal, mas sim um "procedimento de concessão de crédito, que assentava numa proposta pelas áreas comerciais, seguida de uma análise efetuada pelo risco e terminando com a aprovação de cada crédito pela comissão executiva ou dois administradores". Posteriormente, Álvaro Sobrinho escreveria uma carta ao então presidente do BESA, Rui Guerra, (LEIA O DOCUMENTO), dando-lhe conta de alguns dos créditos problemáticos (LEIA O DOCUMENTO), uma vez que na Assembleia Geral ficou claro que em algumas das operações desconhecia-se o real beneficiário final dos financiamentos concedidos.

Em dezembro de 2014, na comissão parlamentar de inquérito ao BES, a resposta foi outra: "O banco tinha um comité de crédito, que era composto pela área comercial, a área de risco de crédito e a comissão executiva do banco e as propostas, como em todos os bancos e em todas as organizações e instituições financeiras, eram feitas de maneira a que, quando fosse preparado o dossier para decisão, a gestão de risco do banco tivesse um parecer e a análise de crédito tivesse já sido feita e passado pelas áreas respetivas. Ou seja, havia uma metodologia da concessão de crédito perfeitamente definida e perfeitamente aprovada em sede própria de conselho de administração ou de comissão executiva".

Cruzando os elementos, ainda que truncados, do documento original com os dados acusação do Ministério Público, um dos casos mais problemáticos passará por créditos à ESCOM, uma sociedade ligada ao Grupo Espírito Santos, na ordem dos 840 milhões de euros, mas que, diz a ata, "apenas cerca de 360 milhões teriam sido utilizados", criando um "gap financeiro", e em linguagem corrente, ninguém sabia o que tinha acontecido a 402 milhões dos financiamentos concedidos.

Da ata retira-se ainda que, por exemplo, de um financiamento de 1624 milhões de dólares, 525 milhões foram levantados em numerário, que foram depositados noutras contas.

 Foi ainda por esta altura, outubro de 2013, que Ricardo Salgado e o advogado Daniel Proença de Carvalho foram recebidos pelo então presidente angolano, José Eduardo dos Santos. O banqueiro terá tentado sensibilizar o governante para a situação do BESA.

A garantia angolana, porém, não convenceu o Banco de Portugal, já que o supervisor não teve acesso a um anexo confidencial do decreto do governo, que elencava quais os créditos protegidos. E, numa carta ao conselho de administração do BES, já em fevereiro de 2014, pediu vários esclarecimentos (LEIA O DOCUMENTO). Entretanto, o BES muniu-se de um parecer jurídico da sociedade de advogados Uria-Proença de Carvalho. "O texto do Decreto Presidencial é absolutamente claro quanto ao tipo de garantia a ser prestada, uma garantia autónoma, isto é (...) uma garantia em que o garante é obrigado a pagar, independentemente de quaisquer vicissitudes que afetem as relações de que emergem os créditos ou valores garantidos. Assim, não qualificar a referida garantia como uma garantia", concluiu o advogado Alexandre Mota Pinto (LEIA O DOCUMENTO).

Aliás, em março de 2019, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa considerou - numa sentença após uma acção movida por vários fundos internacionais com a medida de resolução do Banco de Portugal de agosto de 2014 - que a  "falta de envio dos Anexos I e II", onde deveriam estar identificados os créditos e os imóveis protegidos, o que "impossibilitou o supervisor de proceder a uma análise integral e cuidada que permitisse aferir do compromisso assumido e a verificação cabal dos requisitos prudenciais (…), designadamente o de saber qual o efetivo objeto dessa garantia". Dias antes da resolução, o governo de Angola, recorde-se, revogou a garantia soberana, fazendo com que o BES tivesse que suportar mais 5,7 mil milhões de prejuízos nas suas contas, o que levou à sua resolução e a criação do Novo Banco.

Os acusados do caso BES
Esta semana, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal acusou 25 pessoas pela p´ratica de vários crimes, entre os quais associação criminosa, na gestão do Banco Espírito Santo. O Ministério Público  considerou na acusação ao ex-presidente do BES que Ricardo Salgado governou o "Grupo Espírito Santo (GES) de forma autocrática", sendo o principal responsável pela queda do universo Espírito Santo.

"Com esta realidade, Ricardo Salgado logrou apropriar-se de património de terceiros no âmbito do negócio financeiro do Grupo, onde fez circular dívida das entidades não financeiras, independentemente da legitimidade para o exercício dessa atividade, ou das condições patrimoniais destas empresas", acusaram os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal .

 Ricardo Salgado foi acusado pelo Ministério Público de 65 crimes, que vão desde associação criminosa, burla qualificada, infidelidade, branqueamento de capitais, entre outros. 

José Manuel Espírito Santo Silva, primo de Ricardo Salgado e antigo administrador do BES, foi acusado de oito crimes: sete de burla qualificada e um de infidelidade. 

Manuel Fernando Espírito Santo Silva, ex-chairman da RioForte, é acusado de oito crimes de burla qualificada. 

O contabilista Francisco Machado da Cruz é acusado de 45 crimes: 1 crime de associação criminosa, 1 crime de corrupção passiva, 4 crimes de falsificação de documento, 2 crimes de manipulação de mercado, 20 crimes de burla qualificada, 5 de branqueamento, 1 de infidelidade, e dois de manipulação de mercado. 

Amílcar Morais Pires, ex-administrador do BES, conta com 26 crimes: 1 de associação criminosa, 1 de corrupção passiva, 12 de burla qualificada, 7 de branqueamento, 2 de falsificação de documento, 2 de infidelidade e 1 de manipulação de mercado.

Isabel Almeida, antiga directora do Departamento Financeiro, Mercados e Estudos (DFME) do Banco Espírito Santo, é acusada de 21 crimes: 1 de associação criminosa, 1 de corrupção passiva, 11 de burla qualificada, 5 de branqueamento, 1 de falsificação de documento, 1 de infidelidade, e 1 de manipulação de mercado. 

António Soares, que integrou a administração do BES Vida, é acusado de 17 crimes pelo Ministério Público. São eles os crimes de associação criminosa (1), de corrupção passiva (1), de burla qualificada (6), branqueamento (6), falsificação de documento (1), infidelidade (1) e manipulação de mercado (1). 

Paulo Jorge Carrageta Ferreira, que foi subdiretor do departamento financeiro, mercados e estudos, é acusado de sete crimes: 1 de associação criminosa, 1 de corrupção passiva, 3 de burla qualificada, 1 de manipulação de mercado e 1 de braqueamento. 

Pedro Almeida e Costa, administrador da ESAF (Espírito Santo Fundos de Pensões, S.A.), é acusado de dez crimes: 1 de corrupção passiva, 1 de infidelidade, 3 de burla qualificada, 2 de branqueamento, 1 de manipulação de mercado e dois de infidelidade. 

Cláudia Boal de Faria, ex-diretora do Departamento de Gestão de Poupança do BES, é acusada de seis crimes: 1 de associação criminosa, 1 de corrupção passiva, 2 de burla qualificada, 1 de manipulação do mercado, e 1 de infidelidade. 

Pedro Cohen Serra, alto quadro do BES, é acusado de sete crimes: um de associação criminosa, de corrupção passiva, de burla qualificada, de manipulação do mercado, e de falsificação de documento. Recai-lhe também dois crimes de branqueamento. 

Nuno Morgado Escudeiro, outro alto quadro do BES, foi acusado pelo Ministério Público de um crime de associação criminosa, outro de corrupção passiva, um de falsificação de documento, dois de burla qualificada, dois de branqueamento e de um de manipulação do mercado. 

Pedro Góis Pinto, do departamento financeiro do BES, está acusado de 18 crimes. Seis crimes são de burla qualificada, seis de branqueamento, dois de infidelidade e um de associação criminosa, um de corrupção passiva, um de falsificação de documento, e um de manipulação de mercado. 

Etiénne Cadosch, presidente da Eurofin, é acusado de sete crimes de branqueamento, seis crimes de burla qualificada, um crime de associação criminosa, um de corrupção passiva, um de falsificação de documento, um de infidelidade e um de manipulação de mercado. 

Michel Creton, administrador da Eurofin, está acusado de seis crimes de burla qualificada, sete de branqueamento, um de associação criminosa, um de falsificação de documento, um de infidelidade, e um de manipulação de mercado. 

João Martins Pereira, que liderou o Departamento de Compliance e de Auditoria, foi acusado de três crimes de burla qualificada.

João Rodrigues da Silva, da Comissão de Auditoria do BES, foi acusado de dois crimes de falsificação de documentos. 

Paulo Nacif Jorge, que era uma ponte nos negócios com a Venezuela, é acusado de um crime de falsificação de documento. SÁBADO

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