Print this page
Terça, 14 Janeiro 2020 23:35

O braço direito que está com Isabel dos Santos "para o bem e para o mal"

"Mouro de trabalho", "teso" a negociar, ansioso e a roçar a prepotência. Mas muito bom no que faz. Quem é o português que gere os negócios de Isabel dos Santos e é visado pela justiça angolana?

Pode-se ficar a saber muito sobre uma pessoa pelo lugar que escolhe no avião. Os introvertidos escolhem janela, quem quer trabalhar no voo opta mais vezes pelo corredor. E se dois administradores da mesma empresa, num voo entre Lisboa e Porto, preferem sentar-se em pontas opostas do avião, é normal que quem os conheça levante um sobrolho desconfiado.

Em 2010, quando o gestor Mário Leite da Silva já colaborava há quatro anos com a empresária angolana Isabel dos Santos, a filha mais velha do ex-Presidente de Angola foi buscar Vasco Rites à PwC (PricewaterhouseCoopers) do Porto, empresa de consultoria por onde Mário Leite da Silva tinha passado. Na verdade, terá sido Leite da Silva quem escolheu Vasco Rites. Não chegaram a cruzar-se nos escritórios da PwC no Porto, na rua António Bessa Leite, mas sim em contexto profissional.

Vasco Rites deu-se bem. Ascendeu no universo Isabel dos Santos. Uma fonte em Luanda disse ao Observador que foi Rites e não Mário Leite da Silva a peça instrumental para os negócios da Candando, em setembro de 2015, em que a filha do Presidente rompeu uma parceria com o Continente, da Sonae, e lançou a sua própria cadeia de supermercados. Na altura, Mário Leite da Silva tinha – e tem, até hoje – que conviver com a Sonae (mais concretamente com Ângelo Paupério e Cláudia Azevedo) na Nos, onde todos são administradores não executivos.

Rites também liderou o negócio da Sodiba, em 2016, um projeto para montar uma fábrica de cerveja em Luanda que produziu a Sagres para distribuição em território angolano e, mais tarde, a marca local Luandina.

Por altura destes dois negócios a relação entre Vasco Rites e Mário Leite da Silva já não seria boa. Ao ponto de não se falarem, relatou ao Observador uma fonte com conhecimento do enregelamento da relação. Ambos eram membros do conselho de administração da Fidequity, a empresa com sede na avenida da Liberdade, em Lisboa, que gere múltiplas participações de Isabel dos Santos: Mário Leite da Silva como presidente e Vasco Rites como vogal.

Isso ficou bem patente naquele voo entre o Porto e Lisboa, com os dois administradores da Fidequity sentados em pontas opostas do avião. Ao aterrar no aeroporto Humberto Delgado, na capital, os passageiros tiveram de apanhar um autocarro para chegar ao terminal. Mário Leite da Silva e Vasco Rites, tal como muitos outros passageiros, tiveram de se espremer para entrar no veículo, cruzando-se a palmos de distância um do outro, no autocarro. Entre os dois, nem uma palavra.

Em setembro de 2018, Vasco Rites cessou funções como vogal na administração da Fidequity. Mário Leite da Silva mantém-se como presidente. 

Um “mouro de trabalho” que é “teso” a negociar

O episódio do voo Porto-Lisboa ilustra apenas uma das facetas de Mário Leite da Silva. Mas há muitas outras que se sobrepõem: é “muito competente” e é “teso” — tem “stamina (resistência)” com fartura, oscilando entre o “enérgico” e o “ansioso”, diz um advogado que chegou a trabalhar com ele há vários anos. “Mouro de trabalho, um negociador duro, ótimo gestor, mas muito ‘chato’ quando quer convencer os outros de que a razão está do seu lado”, conta outra pessoa que trabalhou regularmente com ele nos últimos anos. Mário Leite da Silva tem admiradores no mundo empresarial português, mas também fez inimigos.

Estas são algumas pistas para o perfil de um homem que esteve por detrás de alguns dos negócios mais importante em Portugal na última década, mas do qual pouco se sabe, além de ser o “braço direito” dos investimentos de Isabel dos Santos no país — e não só. Tanto que também aparece no processo de arresto à filha do ex-Presidente angolano, que teve uma decisão conhecida a 31 de dezembro de 2019.

Apesar de o seu mérito como gestor ser reconhecido por todos, o seu futuro está ligado ao de Isabel dos Santos, pelo menos no imediato. Diz alguém que o conhece bem: “Para o bem e para o mal. O caminho de um, será o caminho do outro”. Pelo menos para já.

Mário Leite da Silva tem 47 anos e é administrador de várias grandes empresas portuguesas — NOS, Efacec, BPI (até 2017) — e angolanas — Banco do Fomento Angola, Nova Cimangola — além de várias sociedades-veículo criadas em Malta para a filha do ex-Presidente angolano desenvolver os seus negócios. É, aliás, por ser administrador dessas sociedades que o seu nome surge no despacho da Procuradoria-Geral angolana que deu ordem do arresto de bens de Isabel dos Santos em Angola.

O gestor português não surge como acionista, nem investidor, em nenhum dos muitos negócios que ajudou a empresária angolana a fazer, mas é o único administrador das empresas de Isabel dos Santos com contas bancárias arrestadas em Angola. A filha do ex-Presidente angolano pode ter outros “Mários Silvas” no seu universo empresarial, mas nos projetos para Portugal, ele era — e é –, definitivamente, o braço direito. E, tal como a sua empregadora, também não vai a Angola há mais de um ano.

O Observador falou com mais de uma dezena de pessoas que trabalharam ou trabalham com ele (ou contra ele, do outro lado da barricada) ou que conhecem o seu desempenho profissional. E quase todos insistem na mesma ideia: é um gestor competente e um bom negociador, mas duro. E, em algumas situações, autoritário.

Natural do Porto, é casado (com uma ex-consultora da PwC) e tem dois filhos. Mário Leite da Silva divide-se entre o Porto, onde está a família, e Lisboa (onde fica a sede da Fidequity, por exemplo), mas também entre cidades como Londres ou Genebra, sempre que a função o exige. Luanda nem por isso. Trabalha muito, faz noitadas e fins de semana quando está em causa um negócio. E está sempre muito bem preparado. Consegue falar “de igual para igual” com gestores de grande sofisticação, cá dentro e lá fora — basta ver, por exemplo, as parcerias que fez com a Sonae e com outras empresas de renome.

Mas também lhe apontam a obstinação em manter os seus pontos de vista e achar que tem sempre razão. É capaz de estar horas a repetir as mesmas ideias para ficar com a última palavra numa discussão. “É chato e profundamente teimoso” refere um dos próximos. E para o convencer a mudar de opinião é preciso ter bons argumentos e perder muito tempo. Não é fácil.

Há, também, quem destaque características negativas como ser, por vezes, difícil no trato com as pessoas da equipa. Exalta-se ao ponto de “berrar” com alguns que trabalham com ele, uma característica que lhe terá criado inimigos. E Mário Leite da Silva visto por ele próprio? O Observador enviou várias perguntas ao gestor – via assessoria de imprensa de Isabel dos Santos – mas que até à publicação deste texto ficaram sem resposta. 

Quem tem muito melhor opinião de Mário Leite da Silva serão os seus alunos na Porto Business School (PBS) — ou, pelo menos, é essa a perceção do diretor do MBA executivo nessa escola. Rui Couto Viana foi o único – entre a mais de uma dezena de fontes contactadas pelo Observador que contribuíram para este perfil de Mário Leite da Silva – que aceitou dar a cara ao falar do gestor de Isabel dos Santos. É também o único que não está ou esteve envolvido em negócios com o empresário português.

Em conversa com o Observador, Rui Couto Viana explica que na PBS existem os professores mais académicos e os chamados “professors of practice”, ou seja, professores mais enquadrados no mundo empresarial. Tendencialmente, e como é natural, estes últimos têm uma menor disponibilidade para o trabalho universitário, das aulas, dos projetos, da interação com alunos. Mas Mário Leite da Silva é uma exceção, diz Rui Couto Viana — uma das exceções, corrige, para não ferir suscetibilidades.

“Poderia pensar que alguém com a vida que ele tem poderia ter menos disponibilidade mas, pelo contrário, está sempre pronto para colaborar na planificação e está sempre muito disponível para os alunos”, tanto que é sempre um dos escolhidos pelos alunos como orientador/tutor do projeto final do curso.

E uma das coisas que os alunos valorizam mais é o facto de ser muito comum Mário Leite da Silva levar para as suas aulas pessoas das empresas — seja do BPI, da Efacec, da NOS, ou outras — para irem participar nas aulas e mostrar como fazem o seu trabalho, o que é uma mais-valia pela aprendizagem e, claro, pelo networking.

Poderia pensar-se que alguém com a vida que ele tem poderia ter menos disponibilidade, mas, pelo contrário, está sempre pronto para colaborar na planificação e está sempre muito disponível para os alunos”
 
Mário Leite da Silva dá a disciplina de Planeamento e Controlo de Gestão. “O seu perfil assemelha-se muito ao do engenheiro Ferreira de Oliveira”, o ex-presidente da Galp que morreu em outubro, por ser alguém com muita ligação às grandes empresas, diz Rui Couto Viana, que acrescenta que até nas pequenas coisas Mário Leite da Silva é “afável, muito simpático, uma pessoa que cativa, inclusive com o staff, com a secretaria, etc”: “Trata toda a gente bem, não tem qualquer pingo de superioridade”.

Politicamente sabe-se que Mário Leite da Silva tem uma cor: o laranja. Um artigo de 2013 sobre si publicado do Diário Económico dizia que era filiado no PSD desde, pelo menos, os 20 anos, o que coincidiria com o seu período na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, onde se formou em 1995. Mas nos últimos anos o seu nome não aparece associado a qualquer atividade partidária dos sociais-democratas.

O jovem da confiança de Américo Amorim

Nos anos que marcaram o auge da investida angolana em Portugal, muitos empresários angolanos faziam-se acompanhar de gestores e negociadores de desenvoltura questionável, mas Isabel dos Santos deu sempre grande prioridade a rodear-se de gente “de primeira linha” e que não ficasse nada a dever, até em termos técnicos, a qualquer interlocutor que lhes fosse colocado à frente.

Mário Leite da Silva começou por ganhar pontos como gestor a trabalhar para um dos empresários mais brilhantes de Portugal — e logo numa fase em que Américo Amorim fez os negócios que o tornariam o homem mais rico do país.

Antes de trabalhar diretamente com Amorim, porém, Leite da Silva tinha sido analista de crédito do BNC (Banco Nacional de Crédito), um banco lançado pelo empresário, mas não será esse cargo que lhe dará a grande oportunidade de chegar ao líder de um dos maiores grupos empresariais portugueses. 

Antes de chegar ao Grupo Amorim, esteve três anos na auditora PwC e foi diretor financeiro da Grundig Auto Rádios Portugal, empresa que geria a fábrica da marca em Braga. Em 2001, é contratado como diretor de uma holding do grupo Amorim para as novas tecnologias, a Imediata. E foi daí que, segundo o currículo mais detalhado que entregou à NOS, foi administrador de várias empresas do grupo (não especificadas). Nas funções de diretor administrativo e financeiro do grupo Amorim passou por vários órgãos de coordenação de projetos e participou em vários a nível internacional.

Os testemunhos ouvidos pelo Observador não se recordam de que cargos Mário Leite da Silva desempenhou no Grupo Amorim, onde esteve quatro anos. Descrevem as suas funções mais como um assessor/consultor e executante dos investimentos pessoais de Américo Amorim, numa altura em que os principais membros da família desenvolviam investimentos pessoais, à margem do principal negócio familiar, a Corticeira Amorim. E ninguém fazia tantos negócios como Américo Amorim.

“Estava sempre com o Sr. Amorim, ia a todas as reuniões a Espanha”, de acordo com uma das fontes que estiveram envolvidas em algumas operações. Leite da Silva foi uma peça-chave na operação de venda do BNC (Banco Nacional de Crédito) ao Banco Popular, que deu a Amorim uma das principais participações acionistas no banco espanhol.

Era um quadro da confiança do empresário. Se não fosse assim, Amorim nunca o teria envolvido nos negócios importantes que fez na década passada fora do universo empresarial da família, refere uma fonte contactada pelo Observador. Uma prova dessa confiança foi a intervenção do gestor num processo delicado de reorganização dos negócios do clã Amorim.

O negócio que viria a marcar o seu percurso seria a compra de uma participação de mais de 30% na Galp Energia em 2006 por Américo Amorim. Esta operação foi apadrinhada pelo governo de José Sócrates e Manuel Pinho, na tentativa de evitar o controlo da empresa portuguesa pela italiana Eni. Seria um ponto de viragem para o empresário português e também para Mário Leite da Silva.

O negócio que viria a marcar o seu percurso seria a compra de uma participação de mais de 30% na Galp em 2006 por Américo Amorim. Esta operação foi apadrinhada pelo governo de Sócrates e Pinho, na

Foi a necessidade de encontrar parceiros para dividir o esforço financeiro que levou o empresário português a abrir a porta a investidores angolanos: a petrolífera estatal Sonangol e Isabel dos Santos, que estava já a construir um grupo económico e tinha parcerias com Amorim. É na montagem da engenharia financeira deste negócio que Mário Leite da Silva conhece a filha do então Presidente angolano.

A versão mais comum conta que Isabel dos Santos “roubou” o jovem e promissor quadro ao seu parceiro português, mas uma fonte próxima de Mário Leite da Silva conta uma história diferente. De acordo com esse relato, as relações pessoais com Américo Amorim deterioraram-se por razões que não terão tido que ver com os grandes negócios que fizeram juntos. E quando estava em marcha a operação da Galp, entre 2005 e 2006, já o gestor teria decidido sair, uma vez finalizado o processo. Leite da Silva estava a procurar alternativas e, de acordo com a referida fonte, teria até já sido contactado para administrador de uma empresa portuguesa.

Mas tudo mudou quando se foi despedir de Isabel dos Santos, com quem tinha trabalhado nesta operação. A filha de José Eduardo dos Santos ficou a gostar muito do trabalho dele e convidou-o para trabalhar com ela. Mário Leite da Silva terá tido dúvidas porque a filha do então Presidente era, em 2006, uma pessoa ainda relativamente desconhecida em Portugal. Mas acabou por aceitar.

Há, porém, uma ideia em que todos os testemunhos ouvidos pelo Observador batem certo. Independentemente dos pormenores, Américo Amorim levou a mal este salto profissional do seu homem de confiança para os negócios de outro empresário, ainda que seu sócio. E nunca lhe terá perdoado. Quando Isabel dos Santos e a então aliada Sonangol tentaram trocar o seu investimento na Amorim Energia por uma participação direta na Galp que lhes desse acesso à gestão, Amorim bateu o pé. E continuou dono e senhor dos 33,34% de uma das empresas mais valiosas. 

Outros apontam a ambição como outro motivo para essa mudança. Para um gestor que quer ganhar projeção, ficar na sombra de Américo Amorim não seria o passo mais adequado. Dificilmente poderia ser visto como um sucessor aos olhos do empresário. Mas a ascensão no mundo empresarial era um objetivo para este filho de um antigo diretor do futebol juvenil do FC Porto. O amor ao clube portuense terá ficado, porque Mário é descrito como “adepto ferrenho” dos Dragões, sócio e homem de ir ao estádio ver os jogos.

Seja como for, o convite de Isabel dos Santos abriu-lhe outros horizontes. Já não se tratava apenas conceber e executar os negócios em nome de alguém, mas ganhar outra dimensão nas escolhas e estratégias de um grupo e deixar uma marca.

O Banco do Fomento Angola e o acesso ao BPI

Já conhecido nos bastidores de grandes operações empresariais, o nome de Mário Leite da Silva só chegou a círculo mais alargado quando tomou posse como administrador não executivo do BPI, indicado pela nova acionista angolana do banco. O gestor vai à assembleia-geral do banco no Porto, onde é eleito em 2009, mas apesar da grande expectativa dos jornalistas não presta declarações, o que virá a ser uma marca da sua relação com os media — o mais limitada possível. Nesses anos, Isabel dos Santos mantinha um silêncio quase total sobre os investimentos em Portugal.

Antes de chegar à administração do banco, Leite da Silva já tinha preparado o primeiro investimento direto da angolana numa empresa cotada em Portugal. E tudo começou num negócio em Angola. Em 2007, Mário Leite da Silva representa a Unitel, operadora angolana da qual Isabel dos Santos era acionista e presidente nas negociações para a abertura do capital do Banco do Fomento Angola por parte do BPI.

Dois anos mais tarde, Isabel dos Santos entra, vitoriosa, no banco português, comprando a participação que o BCP detinha, numa transação que foi financiada pelo próprio banco vendedor. Este esquema viria a ser repetido em outras compras em Portugal.

Em 2007, Mário Leite Silva representa a Unitel, operadora angolana da qual Isabel dos Santos era acionista a presidente nas negociações para a abertura do capital do Banco do Fomento Angola por parte do BPI.

O BPI foi a participação que mais visibilidade lhe deu: Mário Leite da Silva foi administrador não executivo durante quase dez anos até Isabel dos Santos vender a sua posição ao CaixaBank.

Isabel dos Santos ajudou o BPI no problema acionista criado pela saída do brasileiro Itaú em 2012, em plena crise, e partilha a posição com o CaixaBank. Este alinhamento entre os dois maiores acionistas do BPI viria, contudo, a desfazer-se por força de uma imposição do Banco Central Europeu que obrigou o banco português a vender a maioria do angolano BFA.

O conflito acionista ainda durou alguns anos, com a empresária angolana a negar o sucesso de uma primeira OPA (oferta pública de aquisição) lançada pelo banco catalão. A sintonia entre os dois acionistas desfez-se porque queriam coisas diferentes — o CaixaBank ambicionava mandar no banco do qual já era o maior investidor e Isabel dos Santos queria o controlo do BFA em Angola.

“É muito firme e perseverante, por vezes quase intransigente. Se tem algo em mente não é nada fácil demovê-lo”, diz uma fonte que já esteve do outro lado da mesa de negociação. Muita preparação, pouca flexibilidade e zero patriotismos — quem enfrenta Mário Leite da Silva sabe que ele está ali para “fazer o seu papel”. 

Porém, apesar das divergências assumidas e da agressividade de alguns comunicados emitidos pelas duas partes, o tom nas reuniões do conselho de administração terá sido sempre cordial. Mário Leite da Silva, pivô da estratégia de Isabel dos Santos nesta querela, garantia em 2016, depois de chumbar uma proposta da administração do BPI para Angola:

“Não existe duelo, afastamento ou conflito. A Santoro (sociedade da angolana) investiu no BPI no início do ano de 2009. Atravessou a maior crise financeira que o país viveu nas últimas décadas. Investiu quando o Itaú saiu. Acompanhou e suportou sempre os aumentos de capital. Apoiou a estratégia definida pela comissão executiva. Votou sempre favoravelmente e entusiasticamente os planos de negócio do banco. Portanto, nunca houve uma separação entre a Santoro e a equipa de gestão do BPI”.

No fim, conseguiram os dois o que queriam. Isabel dos Santos ganha o controlo do BFA, vendendo com um ganho financeiro a participação no BPI, e o CaixaBank assume, finalmente, o controlo acionista e a gestão do banco.

A Zon e o caminho para a fusão com Optimus e a aliança com a Sonae

Em 2010, com o país em crise, Isabel dos Santos dá outro passo decisivo: entra no capital da então Zon. A operadora de telecomunicações tinha saído por spin off da PT, mas continuava refém dos acionistas da Portugal Telecom, em particular do BES/GES. Esta operação também foi financiada com um empréstimo do comprador, Caixa Geral de Depósitos, uma opção que logo geraria mal-estar e críticas ao banco público.

Mas a crise estava a chegar e o capital angolano era recebido de braços abertos por quase todos. A entrada de Isabel dos Santos ajudou a quebrar o domínio do BES e dos seus aliados na Zon e contornar o bloqueio que até então tinha existido nas conversas para uma fusão com a Optimus, da Sonae.

A angolana tornou-se aliada da Sonae nesta guerra nas telecomunicações. Se a Sonae falhou a compra da PT, conseguiu agora juntar-se à irmã mais nova e criar o segundo maior grupo de telecomunicações: a NOS, onde Leite da Silva é administrador desde o início e esteve sempre ao leme da operação. Mas qual é seu poder efetivo?

Segundo alguns testemunhos, o gestor está longe de ser um mero “papagaio” das intenções e vontades da empresária angolana, é uma peça chave na definição e execução da estratégia e o seu papel terá sido crucial para o desenlace de alguns dos negócios mais bem sucedidos de Isabel dos Santos em Portugal.

Outros sublinham, contudo, que tem menos autonomia do que aparenta: “Há a aparência e a realidade. Quando estamos a uma mesa, parece ter uma enorme autonomia, mas não tem”, refere uma pessoa que o conhece. As decisões finais sobre coisas importantes são sempre controladas pela Isabel, diz. E há quem recorde Mário Leite da Silva a trocar mensagens de telemóvel com Isabel dos Santos em plena assembleia-geral de acionistas da NOS.

Apesar dos inegáveis sucessos nas empresas portuguesas, nem todos os negócios correram bem. Um dos flops da empresária angolana, pelo qual Mário Leite da Silva até deu a cara numa rara conferência de imprensa, foi a OPA lançada em 2014 sobre a Portugal Telecom. O plano era aproveitar o momento de grande fragilidade da empresa, abalada pelo colapso do seu maior acionista e por um investimento ruinoso de quase mil milhões de euros.

O preço oferecido, porém, não convenceu ninguém, nem a própria CMVM, e a OPA morreu sem chegar a ser levada a sério numa altura em que a Oi estava já a negociar a venda da PT Portugal à Altice. Possivelmente, o objetivo nunca terá sido comprar a PT, ao contrário do que dizia a comunicação de Isabel dos Santos e Mário Leite da Silva, onde se prometia o regresso à grandeza passada. Mas poderia ser, tão só, uma forma de pressionar a Oi por causa do conflito na Unitel onde, por ordem de Isabel dos Santos, o acionista português/brasileiro tinha deixado de receber dividendos.

O negócio dos diamantes e da Efacec

Diz quem o conhece que Mário Leite da Silva recebeu dezenas de convites, de imensos quadrantes (de dentro e de fora do universo Isabel dos Santos), para participar em sociedades. Não há registo de que alguma vez o tenha feito. Zero. Diz que “é gestor, não acionista”. E é pelo seu papel como gestor que Mário Leite da Silva consta no despacho do Tribunal Provincial de Luanda de 23 de dezembro que levantou o turbilhão de arrestos a contas e participações da filha mais velha de José Eduardo dos Santos.

Mário Filipe Moreira Leite da Silva – como consta no despacho assinado pela juíza Henrizilda do Nascimento – aparece como “requerido” na decisão judicial, por administrar ou dirigir sociedades-veículo de Isabel dos Santos e Sindika Dokolo e por ser o presidente do Conselho de Administração do BFA. Por isso mesmo, a justiça angolana decidiu arrestar-lhe as contas bancárias em Angola, em bancos como o BIC, o Banco Angolano de Investimento (BAI) e o Banco Económico.

Leite da Silva surge como administrador de empresas-chapéu de Isabel dos Santos em vários quadrantes, da energia (Galp e Efacec), à consultoria e gestão de projetos (Wise Intelligence). Mas foi o brilho do negócio dos diamantes que mais captou o olhar da justiça angolana.

Em agosto de 2010, o executivo angolano – liderado, então, pelo Presidente da República José Eduardo dos Santos, pai de Isabel dos Santos – decidiu comercializar diamantes no exterior de Angola. Segundo o despacho do tribunal angolano, “para o efeito decidiu [o executivo de José Eduardo dos Santos] investir numa empresa suíça, a De Grisogono”, uma joalharia de luxo que estava em falência técnica. Comprou a dívida da De Grisogono junto de vários bancos e ofereceu o negócio à filha Isabel dos Santos e ao genro Sindika Dokolo.

O negócio far-se-ia com uma parceria. Nesse mesmo mês, a 25 de agosto, surge no registo de empresas de Malta a Victoria Holding Limited, com os seguintes sócios registados: 50% da Sodiam, a empresa estatal que funciona como uma central de compra e venda de diamantes extraídos em Angola, e outros 50% da Exem Mining BV, de Isabel e Sindika. Aqui surge o nome de Mário Leite da Silva, como administrador desta sociedade veículo, a Victoria Holding Limited.

José Eduardo dos Santos terá então instruído a “Sodiam a entrar no negócio assumindo todos os encargos inerentes ao mesmo”, nomeadamente um crédito de 120 milhões de dólares (cerca de 107 milhões de euros). Esta informação consta do despacho da justiça angolana como facto provado.

Entre fevereiro de 2012 e 2015, a Victoria Holding Limited recebeu um total de cerca de 103,2 milhões de dólares (cerca de 92 milhões de euros) da Sodiam — a que acrescem os 12,5 milhões de dólares (cerca de 12,1 milhões de euros) transferidos pelo Ministério das Finanças de Angola. Resultado: a empresa detida a meias pela Sodiam e por Isabel do Santos recebeu um total de 115,7 milhões de dólares (cerca de 103,1 milhões de euros ao câmbio de hoje) do Estado angolano.

Quatro empresas mineiras angolanas terão, ainda, recebido cerca de 21,7 milhões de dólares (cerca de 19,3 milhões de euros) para aumentarem “a produção diamantífera” e “rentabilizar o negócio dos requeridos no exterior”. Ou seja, essas quatro empresas mineiras venderiam a sua produção à empresa de Isabel do Santos e do marido para que estes comercializassem os diamantes no exterior de Angola.

Mais: terá sido o “anterior chefe de Estado [José Eduardo dos Santos]” quem “orientou a Sodiam a vender às empresas relacionadas com os requeridos [Isabel dos Santos e Sindika Kodolo] os diamantes a um preço inferior ao de mercado, causando prejuízos à empresa do Estado”, lê-se na decisão judicial.

Isto é, a filha mais velha de José Eduardo dos Santos e o marido terão criado quatro sociedades offshore para venderem “os diamantes no exterior do país, obtendo avultados lucros” sem que o Estado angolano tivesse qualquer papel sobre a distribuição de dividendos. Foi dessa forma que terão sido abertas “várias lojas de luxo em diversas partes do mundo, nomeadamente Dubai, Suíça, Reino Unido, Estados Unidos, República Dominicana e França”, lê-se no documento do tribunal.

Em nenhum momento a sentença atribuiu a Mário Leite da Silva a autoria do esquema, ou o aponta como o estratega por detrás da manobra. Mas estende a todos os três requeridos uma acusação: “Criaram várias empresas no estrangeiro fazendo com que a Sodiam perdesse a visibilidade do negócio e não tivesse poder decisório no mesmo”. E quem dirigia estas novas sociedades montadas para, segundo a justiça, enganar a Sodiam? O nome que aparece nos registos é o de Mário Leite da Silva. Como diretor e como representante legal. Tal como na Victoria Limited, em que também é representante judicial.

O mesmo acontece na sociedade Winterfell Industries Limited, também sediada em Malta. Aqui com uma curiosidade: os nomes de Mário Leite da Silva e Isabel dos Santos aparecem lado a lado, ambos como diretores, representantes legais e judiciais da empresa. Como secretário da sociedade aparece o advogado Jorge Brito Pereira, que também é chairman da NOS.

E o que tem a Winterfell Industries a ver com Angola? Foi a sociedade veículo usada por Isabel dos Santos para adquirir o controlo da portuguesa Efacec por cerca de 200 milhões de euros, com recurso a um investimento da ENDE, a empresa de distribuição de energia de Angola (equivalente à portuguesa REN). Neste negócio, noticiado pelo Expresso em novembro de 2018, a ENDE trouxe 40 milhões de euros (adquirindo uma percentagem de 40% da Winterfell Industries) e Isabel dos Santos conseguiu financiamento de 120 milhões de euros em seis bancos portugueses: Novo Banco, BCP, Caixa Geral de Depósitos, Montepio, BPI e BIC (onde Isabel dos Santos detém uma participação indireta através da Santoro Financial Holding SGPS). E Mário Leite da Silva é o chairman da Santoro Financial Holding SGPS.

O negócio da Efacec também representa um marco neste processo. Foi esta transação que motivou, em outubro de 2015, um pedido da então eurodeputada socialista Ana Gomes à Comissão Europeia para que abrisse uma investigação “por suspeita de branqueamento de capitais”.

Ana Gomes e quatro outros eurodeputados do Intergrupo Parlamentar para a Integridade e Transparência, enviaram cartas dirigidas à Comissão Europeia, à Autoridade Bancária Europeia (ABE), ao Banco Central Europeu (BCE) e ao Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) para que estes averiguassem “a legalidade da compra” da Efacec.

Já na altura, os eurodeputados salientavam o facto de Isabel dos Santos ser uma Pessoa Politicamente Exposta (PEP, na sigla em inglês). De acordo com a legislação anti-branqueamento de capitais em vigor na UE, essa condição obriga as instituições financeiras envolvidas — os bancos que financiaram a operação — a efetuarem “diligências reforçadas para apurar a origem dos capitais de financiamento e garantia”.

A reestruturação da Sonangol em 2015 e 2016

Em 2015, a Sonangol está em crise. Profunda. Um relatório interno da petrolífera angolana, noticiado na altura pelo Expresso, indica que a empresa estava à beira do colapso, em risco de falência técnica. Francisco de Lemos tinha assumido o cargo de presidente do Conselho de Administração da Sonangol há poucos meses e fazia um diagnóstico claro: só a exploração dava lucro e a empresa dependia da injeção de dinheiro do Estado.

Segundo contou ao Observador Isabel dos Santos, numa extensa entrevista publicada em dezembro, foi nessa altura que o Ministério das Finanças angolano decidiu recorrer à filha mais velha do Presidente José Eduardo dos Santos para “propor soluções e ideias do que poderia ser melhorado no quadro do setor petrolífero”.

O instrumento usado por Isabel dos Santos nesse trabalho foi a Wise Intelligence Solutions Limited. Um nome extenso, de uma empresa criada e sediada em Malta (em 2010), em que a filha do Presidente detém a esmagadora maioria das ações e o marido, Sindika Dokolo, as restantes. Na verdade, escrevia o Maka Angola em novembro de 2016, a Wise era composta essencialmente por um homem, um diretor, um homem de confiança: Mário Leite da Silva. 

O governo angolano contratou a Wise e deu autorização a Isabel dos Santos para trabalhar no projeto de reestruturação da Sonangol com outras consultoras e escritórios de advogados: a PwC, o Boston Consulting Group, com a portuguesa Vieira de Almeida. “Talvez mais uma ou duas, não me lembro das empresas todas”, disse Isabel dos Santos.

Mário Leite da Silva coordenou esta equipa, contou ao Observador uma das pessoas que trabalharam com o responsável no projeto da Sonangol. “Era um stressado no trabalho, provavelmente por estar assoberbado pelos muitos dossiês, e importantes, que tem em mãos”, relata. E, de seguida, refere o que muitos outros dizem de Mário Leite da Silva: “É um profissional com grande capacidade de trabalho, que não deixa ‘cair a bola’”.

Mas como é que o faz? “Tem alguns traços de agressividade ao lidar com as pessoas da equipa. Alguns diriam, mesmo, prepotência”, recorda a mesma fonte. Como? Com uma atitude de ‘quero, posso e mando’? “Não diria isso, diria apenas que nem sempre é um líder dialogante. Pensa, reflete interiormente e decide. ‘Isto é assim, porque eu sei que é assim’”. E não tem medo de decidir, relata. “Decide, sim, mas com uma noção precisa de até onde pode ir, de até onde tem autonomia, para depois não ser desautorizado pela engenheira Isabel”, remata.

Voltando à reestruturação da Sonangol, o trabalho prolongou-se por 2016. A Sonangol pagou 8 milhões de dólares a todas as equipas envolvidas – de acordo com Isabel dos Santos – e um bónus, no final, para a filha do Presidente e para Mário Leite da Silva.

Isabel dos Santos acaba por ser convidada para presidir à Sonangol (cargo que assumiu em julho de 2016) e o seu braço direito assume – oficiosamente – a função de chefe de gabinete da nova líder da petrolífera. O Maka Angola escrevia na altura: “Todos os dias, às horas normais de expediente, Mário Silva comparece na Sonangol e cumpre a sua missão: assessorar Isabel dos Santos nos seus negócios privados, em plena promiscuidade com a função pública que ela deveria desempenhar idoneamente”. OBSERVADOR

Rate this item
(1 Vote)

Latest from Angola 24 Horas

Relacionados

Template Design © Joomla Templates | GavickPro. All rights reserved.