Um dia antes do início da “Operação Resgate”, o cenário nas ruas do Hoje- Ya-Henda, no município do Cazenga, uma das zonas que concentram números consideráveis de cidadãos estrangeiros, é completamente diferente do habitual. De uma zona agitada e com um grande fluxo de cidadãos, apresenta-se com um movimento fora do comum, horas antes da tão anunciada intervenção das autoridades para combater a imigração ilegal e a criminalidade. “Estamos com medo, não sabemos o que vai acontecer amanhã”, disse Touré Mohamed, comerciante de roupas num armazém da referida circunscrição, realçando que tem poucas informações sobre o assunto que acompanha pela comunicação social.
Diz estar em Angola na condição de refugiado há 10 anos e faz questão de exibir a sua declaração sempre que as autoridades lhe solicitam e mostrou-a a OPAÍS no momento em que o abordámos. Touré Mohamed é um dos poucos que aceitou dar a cara e falar das suas expectativas sobre esta iniciativa do Governo, tendo em conta que a maioria dos cidadãos comerciantes neste espaço fugiam das câmaras com medo de serem identificados como estrangeiros. O nosso interlocutor, de 40 anos, diz que no tempo em que está em Angola nunca ouviu falar de uma operação com esta dimensão e entrega tudo nas mãos do “Deus Alá” para que tudo corra bem.
Partida antecipada
O medo do que irá acontecer a partir de hoje levou dois amigos de Ibrahima Mamadou, um do Mali e outro da Mauritânia, a abandonar o país na passada semana, antes mesmo que as autoridades que estarão envolvidos na “Operação Regaste” os abordassem. Segundo Ibrahima (do Mali), o seu conterrâneo vivia em Angola de forma ilegal há três anos, e face às informações que tem acompanhado decidiu por si mesmo partir à procedência de forma voluntária.
Fechados em casa
A ronda que fizemos no município do Cazenga levou-nos até à rua do Imbondeiro, onde os estrangeiros ali residentes são maioritariamente da República Democrática do Congo (RDC). Mas há lá alguns cidadãos angolanos que se dizem regressados. O número de pequenas bancadas de venda colocadas nos passeios reduziu consideravelmente e a nossa presença alimentava a desconfiança dos cidadãos ali residentes, que aos poucos iam esvaziando as ruas. Pempele Dongala, de 47 anos, disse que nos últimos dias muita gente tem optado por passar o dia trancado no quintal ou mesmo dentro de casa, com medo de ser confundido com estrangeiros. “As pessoas têm medo e estão a se fechar nas casas porque estão a dizer se não tiverem documento têm que se defender”, disse.
Pembele alega que os que têm dificuldades em falar português são sempre conotados como estrangeiros e têm estado na mira da Polícia Nacional, tendo frisado que existem muitos angolanos a falar a língua congolesa lingala. Ele reconhece que o número de bancadas nas ruas diminuiu significativamente, mas pensa que há excesso por parte das autoridades, pelo facto de não se criarem postos de trabalho para aqueles que têm a venda ambulante como seu ganhapão. Segundo ele, não se deu o prazo suficiente para as pessoas se organizarem e disse não ter dúvidas de que as consequências dessa medida serão devastadoras para as famílias angolanas.
Guineense com B.I. angolano
Na Rua do Imbondeiro deparamo- nos com agentes da Polícia que nos informaram que acabavam de mandar um cidadão guineense para a esquadra do Cazenga, depois de ter sido detido com um B.I. angolano. O cidadão, cujo nome não foi revelado, um agente revendedor da de uma companhia de telefonia móvel, terá sido interpelado pelos polícias que faziam ronda no local e identificou-se como angolano. Curiosamente, Tiago Belesse, de 35 anos, diz que nasceu na RDC e chegou a Angola há 10 anos, mas é detentor de um B.I. angolano, alegadamente por ser filho de uma nacional da Damba, no Uíge, e de um congolês. “Quando cheguei na Damba a minha mãe levou-me ao nosso soba e tratei do Acento de Nascimento e com ele tratei do bilhete”, disse Belesse.
Armazéns encerrados
Em algumas ruas por onde passamos eram visíveis os cadeados colocados nas portas dos armazéns e cantinas, cujos proprietários decidiram manté-las já encerradas antes da entrada em vigor da operação. Na Rua do Patrício, o armazém Carieusa que, segundo o seu gerente, Alberto Nicolau, está em vias de legalização, era um dos poucos em funcionamento. Nicolau espera que não haja excesso por parte da Polícia e diz-se disposto a colaborar para o êxito da operação. Entretanto, os interlocutores foram unânimes em afirmar que existem muitas cantinas e armazéns detidos por estrangeiros que se furtam ao pagamento de impostos. Segundo eles, com essa operação esta actividade estará mais organizada e o Estado conseguirá arrecadar mais verbas para o seu cofre.
Resgatar a autoridade do Estado com a Operação
Durante a apresentação formal da “Operação Resgate”, na passa Terça-feira, 30 de Outubro, o ministro do Interior, Ângelo de Veiga Tavares, explicou que o principal objectivo é resgatar a autoridade do Estado. Ângelo Tavares disse que o Estado tem o propósito de criar condições que permitam aos angolanos viver em melhores condições de urbanidade, contribuir para uma sociedade civilizada, organizada e saudável, sem, no entanto, criar dificuldades às pessoas. Garantiu ainda a atenção por parte dos órgãos de inspecção do Ministério do Interior, de modo a que se tomem medidas “rigorosas” contra todos os que, utilizando o pretexto da operação, procurem desvirtuar o que está estabelecido nos regulamentos de disciplina daquela instituição. A operação, segundo as autoridades, vai actuar nos seguintes aspectos:
1 Proibição de venda informal de peças sobressalentes de viaturas e de “cartões Sim”. As medidas constam em alguns decretos conjuntos com os ministérios dos Transportes e das Telecomunicações e Tecnologias de Informação, que proíbem a venda de determinados “produtos não autorizados” em mercado informais
2 As operadoras estão também obrigadas a deixar de comercializar no mercado informal números de telefones (cartões Sim). A partir de hoje o Estado promete mão pesada para as empresas incumpridoras.
3 Acabar com a ocupação dos espaços públicos para a construção de residências, ocupação ilegal de reservas fundiárias para a construção desordenada de bairros; acabar com mercados informais como oficinas e armazéns ao longo dos principais eixos viários; existência de mercados informais nas pedonais e passagens aéreas.
4 Combater o auxílio à imigração ilegal, assim como, a obtenção fraudulenta de documentos nacionais, exercício ilegal de medicina e de actividades religiosas, bem como a introdução de hábitos e costumes estranhos à cultura nacional.
5 Combater a criminalidade com envolvimento de efectivos com o empenho e a determinação de todos os órgãos operativos do Ministério do Interior. OPAIS