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Terça, 11 Novembro 2025 17:58

Angola é independente, mas os angolanos não são livres

Há 50 anos atrás, à meia noite, em Luanda, Agostinho Neto (MPLA) proclamava a independência. No mesmo momento, Holden Roberto (FNLA), no Ambriz, e Jonas Savimbi (UNITA), em Huambo, faziam o mesmo. A partir daí, é colocado o fim do regime colonial português e se reinicia a guerra civil que duraria até 2002, com a vitória do MPLA e começava uma nova era de euforia e incerteza.

Em 2017 João Lourenço sucedeu, entretanto, a José Eduardo Santos como presidente de Angola, mas a esperança de mudança ficou por concretizar e cresceu o descontentamento social. Neste país, onde o ordenado mínimo não garanta o mínimo de sobrevivência, aumentou o número de pessoas que procura alimento nos restos de comida deitados no lixo e que também são vendidos como fonte de rendimento.

Entre as fileiras do MPLA, as críticas a João Lourenço também sobem de tom. Uma petição pública exigiu a destituição imediata dos chefes de Estado e alguns militantes recorreram à via judicial para afastar o presidente. O país entrou no colapso social, onde a fome, a miséria e a pobreza extrema assolam mais de 25 milhões de angolanos, escreveu o Valdir Cónigo, militante, e anunciado pré-candidato à liderança do MPLA na providência cautelar que submeteu ao Tribunal Constitucional com o objetivo de pedir a suspensão de Lourenço das funções que ocupa no partido.

Cédric de Carvalho, jurista, jornalista e ativista, condenado a 4 anos e 6 meses de prisão no processo 15 mais 2, é o convidado do podcast P24 do Jornal Publico. Cédric de Carvalho, obrigado por ter aceitado este convite para falarmos hoje no dia em que Angola comemora o seu 50º aniversário de independência. O que é que num dia como este Angola pode e deve comemorar?

Obrigado por este convite aqui ao público. Neste dia Angola tem realmente motivo para celebrar, infelizmente apenas um motivo, que é exatamente celebrar a sua independência. É um país independente, felizmente, já não está sobre o jogo colonial e nestes 50 anos pelo menos não houve também nenhuma ameaça à sua independência, divulto, digamos assim, mas era suposto que nestes 50 anos fosse possível celebrar imensas coisas, não apenas a independência, porque a independência devia constituir-se como uma porta, que estando ela aberta, como se abriu em 75, devia então dar-nos a oportunidade de viver vários outros resultados que vêm de uma independência exatamente, que é o que se luta para uma independência, para poder viver independentemente. E nestes 50 anos Angola ainda passou por 27 anos de guerra civil, fratricida internamente, mas temos ali já alguns bons anos acima destes 27, que deviam servir para juntar, agregar vários outros fatores de celebração para que nestes 50 anos então podemos celebrar não apenas a independência, mas um conjunto de conquistas que teríamos conseguido ao longo destes 50 anos.

Infelizmente não se verifica de tal situação e eu posso apenas agora, apenas não, mas agora destacar um resultado indelével da própria independência que é exatamente a liberdade, ou seja, nós temos a independência, mas continuamos a viver sem liberdades. Liberdades em vários sentidos, por isso, se calhar, por enquanto, a minha resposta sim existe apenas a esse elemento, que é a falta de liberdade nestes 50 anos, que também deveríamos estar a celebrar, mas que infelizmente isto não ocorre.

Cedric, 60% dos 35 milhões de habitantes do país têm hoje menos de 25 anos. Pode significar que as cicatrizes do colonialismo e da própria guerra civil para esta geração podem ter sido ultrapassadas ou não serem tão relevantes quanto isso?

A sombra do colonialismo está presente de uma forma inclusive muito dura de se verificar, que é que toda uma geração nascida no pôs-independência continua a fazer recurso a um elemento de comparação com a forma como se vivia na época colonial. Mesmo aquelas gerações, claro, como a minha e toda a nascida após 75, que não têm memórias do colonialismo, conseguem fazer uma equiparação em função da equiparação feita por quem viveu na época colonial e vive então a época pós-colonial. É precisamente nos elementos das liberdades.

Isto não quer dizer, e eu já tive a oportunidade de referir isto noutra ocasião, que acredito que não há quem pense em algum momento, salvo por que lápis de memória fosse, em viver sob julgo colonial, sob dependência colonial. Creio que ninguém quererá voltar a estes tempos. Mas é curioso ver que, sobretudo aquelas gerações que viveu estes tempos coloniais, muitas vezes usam o discurso colonial para dizer que estamos a viver pior do que naquela altura.

E este pior não significa estar a dizer que estão a viver mais dependente em termos políticos, mas estão a viver com menos liberdade do que na época colonial. Porque era suposto que no pós-independência, sendo então donos e senhores, donas e senhoras da sua própria terra, era suposto que pudessem usufruir de imensa liberdade. E essas liberdades, nos últimos 50 anos, descontando mesmo até o período de Guerra Fratricida, tem-se notado que ela é cortada sistematicamente ao povo angolano.

Este povo que, quando reivindica por liberdade, é respondido com balas. Este povo que tem, nesses seus 50 anos, cicatrizes profundas de um massacre que é classificado de Holocausto Angolano, como é o 27 de maio de 1975, ou 77 melhor. Como a Sexta-feira Sangrenta também, há vários massacres que têm estado a ocorrer, que ocorreram nesses 50 anos e ainda neste ano, 2025, no meio e final de julho a princípio de agosto, também se viveu mais um massacre.

Mais de 30 pessoas foram assassinadas a sangue frio, nem ruas, completamente desarmadas. Quando faziam protestos pacíficos, foram assassinados por forças da Polícia Nacional. E isto tudo faz com que, muitas vezes, se ouve acolá equiparações com a época colonial.

No tempo do colónio não era assim? Isto está pior que na época do colónio. Discursos como este, que apesar de eu compreender a sua gravidade, o seu alcance, não acredito que estas pessoas estejam a invocar um regresso ao colonialismo, mas estão exatamente a passar uma mensagem de que não é esta Angola que sonhamos, não é esta Angola ainda que almejamos. E é por isso que nestes 50 anos, curiosamente assinalados numa terça-feira, 50 anos depois, porque exatamente o 11 de novembro foi assinalado também numa terça-feira, e 50 anos depois continuamos a lamentar imenso por falta de liberdades.

Isto é lamentável, é verificável, mas acredito ainda assim que a independência é uma conquista a não desperdiçar. Tudo o que nos falta, em termos de liberdades, é sempre uma questão de continuar a lutar para conquistá-la.

Falando de liberdades, Angola é independente, mas os angolanos não são livres, é o que acabou de dizer, não é? O Cédrico de Carvalho, como jurista, sobretudo como ativista, foi preso no âmbito do processo 15-2 por razões políticas. Como é que avalia a presidência de João Lourenço, até comparativamente à anterior da José Eduardo Santos?  Houve uma regressão na liberdade de expressão e na liberdade de associação e discussão dos temas de política na sociedade angolana?

Houve uma combinação de dois fatores que têm feito com que muita gente tenha alguma dificuldade em analisar este tópico, que é mais liberdade versus menos liberdade. Exatamente porque tocou na questão da nossa prisão, a nossa prisão constitui um marco. Eu sou suspeito para assim o classificar, mas já há acadêmicos que têm estado a apontar que assim é. E tendo constituído um marco, o que se verificou foi que a geração, sobretudo as gerações mais novas, ganharam um novo ímpeto, ganharam coragem para poderem expressar-se mais livremente.

Porque acredito muito que a questão da liberdade de primeira é intrínseca. A liberdade de expressão é primeiramente intrínseca, a pessoa que exprime-se. A repressão à liberdade de expressão, entretanto, também aumentou nos últimos anos.

Apesar de existir mais pessoas a exprimirem-se livremente, sobretudo a partir das suas redes sociais. Mas é trazendo aqui à colação a questão da liberdade de imprensa, que é possível aferir que há menos liberdade de expressão no país com João Lourenço. José Eduardo, enquanto governou durante 37 anos, 38 anos, nunca controlou a comunicação social no país, tal como o João Lourenço, nesses seus 8 anos, sensivelmente, que está a governar, desde que está a controlar a comunicação social.

Há um monopólio da comunicação social por parte do Estado angolano. A comunicação social estatal, ela é maior do que nos 37 anos de governação de José Eduardo Santos. E sendo ela uma comunicação social estatal, controlada milimetricamente pelo regime angolano, ela não permite que seja usada por quem tem voz crítica, por quem é crítico à governação.

E é por isso que ficamos com menos espaço de liberdade de expressão. O que pode parecer uma contradição com o que eu disse à primeira, que é exatamente há mais liberdade de expressão porque as pessoas estão mais livres para exprimir-se. Nota-se pelas redes sociais, nota-se pelo número de vozes contestatárias que surgiram.

Nós não é apenas uma meia dúzia de pessoas que são interlocutores quando se quer abordar os assuntos sobre a realidade do país. Hoje há muito mais pessoas e também em muitos mais pontos do país. Quando antes era muito concentrado também em Luanda e um pouquinho por aí, em duas outras províncias que têm um protagonismo, nomeadamente Lubango, Benguela.

Mas isso agora ramificou-se um pouquinho. Há muito mais intervenientes em várias partes do país. Mas apesar de existir mais intervenientes, há menos espaço para exprimir-se.

A comunicação social estatal controla. De tal modo que atualmente os dois principais órgãos privados, jornais físicos, se eu referir-me do Novo Jornal e do Jornal Folha 8, pelos quais passei, eles têm dificuldade. O Jornal Folha 8 já não é impresso, porque nenhuma gráfica aceita imprimir o Jornal Folha 8. Deixou de ser impresso e funciona apenas online.

E o Novo Jornal, nos últimos dois, três meses, passou a ter problemas na sua impressão. Estes problemas são estratégias criadas em termos de pressão junto das gráficas para dificultar a impressão do jornal, para que este jornal comece a ter dificuldade de ser impresso e depois ele é extinto ou, eventualmente, também reduza-se ao online apenas. O Jornal Folha 8 foi boicotado várias vezes ao nível das gráficas e atualmente já não há espaço.

Então, há aí uma campanha que está em curso há algum tempo para também silenciar o Novo Jornal, até porque praticamente consideram como, se calhar, missão concluída para com o Folha 8. Então, isto é um resumo de que eu posso apontar como a liberdade de expressão está bastante limitada num país nesses cinquenta anos, ou então nesses últimos oito anos de João Lourenço, porque a liberdade de imprensa está muito mais controlada como nunca se viu na história de Angola.

Será que, por outro lado, o Valdemir Cônigo, militante e que anunciou uma pré-cadetural liderança do MPLA, disse que o país entrou no colapso social e fez outras críticas, é possível que exista alguma cisão no interior do Partido Governo?

Esta questão é muito interessante porque leva-me a uma conclusão. O próprio caso do Valdemir Cônigo é bastante interessante porque reforça a minha resposta, que é a seguinte. O MPLA é bastante coeso, porque o MPLA tem uma consciência muito bem definida sobre os seus objetivos. Os seus objetivos, ou então o seu objetivo principal maior, é a manutenção do poder de forma inequívoca, sem nenhum rodejo. Quanto a este objetivo, o MPLA não titubeia de tal modo que Valdemir, ao tentar fazer uma ruptura interna, não tendo a vaga, não tendo a benção do João Lourenço, atual presidente, não pode fazer caminho dentro do MPLA. Ou seja, não pode criar cisão exatamente dentro do MPLA. O MPLA, neste aspecto, é bastante coeso, não permite cisões. O 27 de maio de 1977 é uma purga que visou exatamente eliminar e eliminou de forma mais violenta possível a tentativa de cisão.

E de lá para cá, o MPLA tem estado a fazer isso sempre que necessário. O jovem Valdir teve muita sorte, porque ele foi apenas expulso, sem sequelas físicas, não sei se profissionalmente ele terá consequências, não conheço pessoalmente e não acompanho a sua vida, mas pelo menos ele teve uma consequência de uma forma mais suave possível, porque se for necessário, quando alguém ameaça a cisão dentro do MPLA, se for necessário o MPLA usa meios mais extremos, como ocorreu em 1977, mas também há um outro candidato, nomeadamente o general Higinio Carneiro, a quem também já começou a ser feito todo o processo de purga dentro do MPLA. A comunicação social, inclusive, divulgou notícias, reportagens, apontando-lhe como estando em colúdio com um ex-agente da CIA, também fizeram uma certa colação a dois alegados agentes do grupo Wagner, dois cidadãos russos que foram detidos em Luanda, e tudo isto é exatamente no âmbito de uma campanha contra mais um que tenta fazer uma cisão internamente, mas que nota-se que não será possível, porque eles são coesos, no seu objetivo principal, manutenção crua, dura do poder.

Sérgio Carvalho, obrigado por nos ajudar a explicar o atual momento político e social de Angola neste dia do 50º aniversário da independência. Muito obrigado. Jornal Publico

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