Em setembro de 2017, quando tomou posse, “houve de facto uma espécie de braço de ferro entre dois países amigos que se querem bem, Angola e Portugal, pelo facto de a justiça portuguesa, na altura, ter pretendido julgar e, eventualmente, condenar o ex-vice-presidente da República de Angola”, reconheceu João Lourenço, numa entrevista concedida a cinco órgãos de informação, entre os quais quatro angolanos (Expansão, TV Zimbo, Jornal de Angola e jornal O País) e à Agência Lusa.
“Angola bateu o pé, porque neste domínio de cooperação judiciária existem acordos entre os nossos dois países e os acordos são para serem cumpridos”, disse João Lourenço, considerando que “Portugal acabou por remeter o processo a Angola, porque teve bom senso de reconhecer que os acordos são para ser cumpridos, sobretudo quando é entre países amigos”.
O chefe de Estado angolano, que concedeu hoje a primeira de outras entrevistas coletivas que se vão realizar ainda este ano, disse que além da razão que citou, esteve na base da remessa do processo para Angola o facto de defender que “os Estados que se prezam não aceitam que, a este nível - o Presidente da República ou ex-Presidente da República, o vice-Presidente ou ex-vice-Presidente -, no caso de cometerem crimes em que têm ligação com outros países que sejam julgados e condenados fora do seu país de origem, fora de Angola, no caso”.
Para João Lourenço, “e a situação fosse inversa Portugal teria agido da mesma forma”.
“Não estou a ver Portugal aceitar que um ex-Presidente da República português, um ex-primeiro-ministro português, que, eventualmente, tenha cometido um presumível crime com alguma ligação a um país africano, seja qual for, Angola ou outro, que essas entidades oficiais do Estado português fossem julgadas em África”, sublinhou.
“Se me disserem que sim, vou ter que rever a minha posição, mas eu não acredito que alguém tenha a coragem de dizer que sim”, salientou.
Segundo João Lourenço, por essas razões é que Angola defendeu a sua soberania, que não é feita apenas “de armas na mão, com os canhões, a nível da fronteira para evitar a invasão de outros países”.
A exigência foi uma “forma de defesa da soberania”.
“Não permitir que um ex-Presidente da República ou um ex-vice-Presidente da República seja julgado e condenado lá fora, sobretudo nos casos em que há acordos de cooperação judiciário, é também um exercício de defesa da soberania”, frisou.
O Presidente angolano realçou que, com este gesto, não está “a dizer de forma nenhuma que não há crime”.
“Quem somos nós para dizer isso? Mas também não estamos a dizer que, com a receção do processo a partir de Portugal, que o processo está arquivado. Pelo menos nunca ouvi da parte da Procuradoria-Geral da República afirmação neste sentido”, disse.
João Lourenço argumentou ainda que o antigo vice-presidente de Angola beneficia do estatuto de imunidade, referente à função que exerceu.
“O que vai acontecer daqui para frente, quando perder essa condição, essa proteção que a lei lhe confere, que este estatuto é uma lei, a justiça sabe o que fazer, não vou ser eu a dizer que caminhos seguir. Devo dizer que não tenho conhecimento que o caso dele tenha sido arquivado, se não foi arquivado, não vejo a razão de tanta preocupação”, destacou.
Em 2018, João Lourenço chegou a pôr em causa a continuidade das relações entre Portugal e Angola devido a um processo denominado Operação Fizz, que levou ao esfriamento das relações entre os dois países, depois de a justiça portuguesa ter acusado o ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, dos crimes e corrupção ativa, falsificação de documentos e branqueamento de capitais.
Na altura, João Lourenço classificou a atitude da Justiça portuguesa até então como "uma ofensa" para Angola.
"Lamentavelmente [Portugal] não satisfez o nosso pedido, alegando que não confia na Justiça angolana. Nós consideramos isso uma ofensa, não aceitamos esse tipo de tratamento e por essa razão mantemos a nossa posição", salientou então João Lourenço.