A entrada em funções do Juiz de Garantias representa para o nosso sistema penal, um gostoso refrigero, sobretudo no que diz respeito à protecção dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, presumivelmente, em conflito com a lei, na fase de instrução preparatória.
Até à sua implementação, por força da Lei nº 25/15 -Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, o Ministério Público (MP) vinha desempenhando, isoladamente, o papel de “jogador e árbitro” na instrução preparatória. Este dispositivo legal atribui poderes ao MP para realizar o primeiro interrogatório ao detido, validar a detenção, aplicar ao detido medidas restritivas de liberdades (prisão preventiva ou outra sanção), restituir à liberdade, consoante a situação, bem como dirigir a instrução preparatória do processo, reunindo provas para a condenação ou absolvição do detido.
Com a chegada do Juiz de Garantias, o MP deixa de ser o “menino bonito” da instrução preparatória, passando a ter ao seu lado um fiscal com competências para validar ou não as medidas que vier a aplicar em fase de instrução preparatória, pois o Ministério Público cessa o exercício de competências atribuíveis ao Juiz de Garantias com a entrada deste em funções (cfr nº1 do art. 4.º da Lei nº 39/20, de 11 de Novembro).
Esta indomável figura que é o Juiz de Garantias, não se trata necessariamente de um elemento novo na ordem jurídica nacional e mundial, sendo que já se encontra em pleno exercício de funções em várias outras geografias, tal como no Brasil, Espanha, Holanda, Alemanha, Portugal e na América Latina, apesar de terem adoptado designações distintas da nossa, tais como Juiz de Instrução (Portugal) e outras. No âmbito das suas atribuições, lhe compete velar pelas decisões jurisdicionais durante a fase de instrução preparatória e contraditória (cfr artigos 313.º, 314.º, 334.º e 336.º CPP).
Doravante, a aplicação de medidas cautelares, como as de coação pessoal, arresto preventivo, buscas, revistas e apreensões, interdição de saída do país, entre outras, sujeitar-se-ão à sua prévia aprovação.
A implementação desta relevante figura no nosso sistema penal não se revestiria de tanta importância se a aplicação das sanções penais a serem sindicadas pelo Juiz de Garantia não colidissem com uma das maiores preciosidades de que o ser humano usufrui naturalmente desde o seu nascimento: o direito à liberdade da pessoa física e outras liberdades.
A constituição angolana de 2010, consagra este direito no seu art. 36.º (direito á liberdade física e à segurança pessoal), o qual envolve o direito de não ser sujeito a quaisquer formas de violência por entidades públicas e privadas; o direito de não ser torturado nem tratado ou punido de maneira cruel desumana ou degradante; o direito de usufruir plenamente da sua integridade física e psíquica; o direito à segurança e controlo sobre o próprio corpo e o direito de não ser submetido a experiências médicas ou científicas sem consentimento prévio, informado e devidamente fundamentado.
Nos bastidores do direito, a questão que não se cala é: como será, do ponto de vista prático, a coabitação entre o JG e o magistrado do MP? Vamos ver.
Simão Pedro
Jurista&Politólogo