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Segunda, 24 Abril 2023 12:40

A recuperação de activos exige relatório mais claro e mais detalhado

Os partidos UNITA e PRS fizeram bem o seu papel de oposição, ao exigir que o Governo apresente um relatório mais claro e mais detalhado sobre o destino dado aos valores recuperados no combate à corrupção.

Por Ismael Mateus

A UNITA tem liderado um processo de desvalorização do combate à corrupção, mas desta vez optou por uma atitude mais construtiva e ao invés de discutir o "sexo dos anjos” resolveu levantar a questão pelo lado prático. Do mesmo modo o PRS interroga-se de que forma os valores recuperados estão a ser revertidos a favor da vida dos cidadãos, uma vez que esses valores não constam no Orçamento Geral do Estado recentemente aprovado.

Não há dúvidas de que se trata de uma recuperação a favor do Estado angolano, logo é mais do que legítimo que a sociedade seja devidamente informada sobre o destino que tem sido dado a esses valores.

Circula-se nos bastidores da política a ideia de criação de um novo PIIM, o PIIM II, feito a partir dos valores arrecadados no combate à corrupção. A primeira versão do Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) foi financiada com o equivalente em kwanzas a dois mil milhões de dólares do Fundo Soberano de Angola (FSDEA).

Com esses dois mil milhões de dólares, a primeira fase do Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) assegurou uma carteira de 2665 infra-estruturas concluídas até ao primeiro semestre de 2024.

Um relatório, apresentado esta semana pela procuradora-geral adjunta da República, Inocência Pinto, indica que o processo de combate à corrupção permitiu até agora a recuperação, por via de confisco, de activos de seis mil milhões de dólares, o que representa três vezes mais do que o aplicado na primeira fase do PIIM.

Tanto dinheiro recuperado não pode ser discretamente apresentado num balanço ocasional feito a propósito de um workshop sobre confisco e administração de activos organizado pela Procuradoria Geral da República e Organização das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (ONUDC). Tanto os cidadãos têm direito à informação, como o Governo tem nesta matéria um dever de prestação de contas à sociedade.

Tanto na forma como no conteúdo, a apresentação do balanço da recuperação de activos deveria merecer uma ocasião e uma estratégia de comunicação diferentes, o que valoriza a crítica oportunamente feita pela oposição.

Em boa verdade, há muito que o Executivo deveria ter criado um mecanismo público de informação sobre o estado dos activos envolvidos em processos de recuperação. Público sim porque se trata de dinheiro de todos os angolanos e, em segundo lugar, para que o próprio Governo actue de modo exemplar em matéria de transparência na utilização desses fundos.

Com o país a viver num mar de dificuldades, a recuperação desses valores bem poderia ser apresentada como um factor de estímulo e consenso nacional, mas a falta de transparência e a opacidade das informações sobre o uso a ser dado a estes fundos vão certamente criar mais um caso político de desgaste da imagem do Governo.

Onde foram aplicados os seis mil milhões dólares recuperados no âmbito do combate à corrupção?

Alguns empresários propõem a criação de um fundo de capitalização do empresariado nacional, que permita aos empresários nacionais concorrerem ao processo de privatização, incluindo alguns bens que estão a ser recuperados e que estão a passar da titularidade nacional para estrangeiros.

Figuras angolanas também já propuseram que parte desse dinheiro deveria ser aplicado na saúde e na educação para resolução dos problemas mais graves dessas duas áreas, como as crianças fora do sistema de ensino e a ausência de centros médicos de primeira linha.

Em Janeiro deste ano, o ministro da Administração do Território (MAT) havia anunciado em Menongue, Cuando Cubango, que o Governo estaria a trabalhar na identificação de linhas de financiamento para o arranque da segunda fase da implementação do Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM).

A questão central é por que razão o Executivo se vai envolver na mobilização de recursos financeiros para a execução concreta da segunda fase do PIIM, o que equivale a mais endividamento externo, se recuperou seis mil milhões de dólares americanos?

Em condições normais, se o Governo aplicasse o seu próprio slogan "trabalhar mais e comunicar melhor”, não se colocariam as questões relativas à transparência sobre o uso desses fundos que são levantados pela oposição e por todos que acompanharam o balanço da PGR.

Os procedimentos de prestação de contas em matéria de recuperação de activos continuam a ser demasiado frágeis. Não se pode nem mesmo atribuir ao amadorismo o facto do Executivo ter autorizado que o balanço do mais importante processo económico em curso fosse apresentado de modo tão ocasional e sem que se juntasse todo o suporte tecnológico de que as instituições se podem beneficiar, como informação disponibilizada online, relatórios detalhados sobre os valores recuperados e a quem e quando, assim como o destino dado a cada centavo devolvido aos angolanos.

Naturalmente, o Governo que já tem problemas a mais para resolver como as cheias, a falta de emprego e ineficácia dos serviços básicos, vai nas próximas semanas sofrer ainda mais desgaste por conta dos pedidos de esclarecimento e de transparência que a oposição política e a sociedade civil têm o dever de fazer.

A existência de três ministros de Estado dilui a coordenação estratégica da comunicação do Governo e há muito que se sente falta de um mando único que determine quem, quando e como devem os membros do Executivo ou das estruturas afins falar sobre grandes projectos como a recuperação de activos.

A abordagem feita pela procuradora-geral adjunta foi recheada de números e informações como são os seis milhões recuperados, os 21 mil milhões em bens e 600 casos de corrupção em investigação na PGR, envolvendo maioritariamente gestores públicos e políticos, suspeitos de praticar actos de corrupção e peculato.

Tivesse havido uma estratégia de comunicação, estas informações permitiriam ao Governo apresentar factos detalhados para rebater a ideia do combate selectivo, valorizar o combate à impunidade através da revelação dos casos VIP levados a tribunal e outros ganhos.

De acordo com a procuradora adjunta, existem actualmente 190 processos em fase de averiguação para apuramento de indícios criminais e posterior tramitação processual (instrução preparatória), o que tivesse havido estratégia deveria permitir desmentir a ideia de que não existem casos recentemente e que há uma certa impunidade com os "novos marimbondos”. JA

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