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Domingo, 02 Outubro 2022 22:00

Operação estratégico-militar: o que pode acontecer com o sistema internacional se a Rússia usar armas nucleares contra a Ucrânia?

Nas últimas semanas de Agosto e Setembro o Kremlin aumentou a sua retórica entorno da possibilidade de usar armas nucleares na Ucrânia…, mas tudo isso é apenas retórica ou existem possibilidades reais para tal efeito?

Ora bem, a política de defesa Nacional russa assim como o seu ordenamento jurídico estabelecem que o País só pode usar armas nucleares ou armas químicas perante dois possíveis cenários: “em caso de resposta à um ataque nuclear prévio ou em caso de ameaças à sua integridade territorial ou ameaças a sua própria existência como Estado, mas nenhum dos cenários actuais neste conflito na Ucrânia demonstra uma clara ameaça contra o Território russo porque a Ucrânia está combatendo e se defendendo dentro do seu próprio espaço territorial.

A operação especial militar levada a cabo pelo Kremlin no passado dia 24 de Fevereiro de 2022 está entrando numa fase delicada, a Rússia teve vantagem preferencial no conflito durante quase sete meses, mas a partir do mês de Setembro a Ucrânia com ajuda massiva de armamentos e logística militar vindas do ocidente

(EUA e membros da União europeia e da OTAN) lançou uma contra-ofensiva e está contra-ofensiva fez com que o governo de Kiev recuperasse mais de 8 mil km2 de territórios antes controlados pelo Kremlin, isto preocupou Vladimir Putin e sua administração motivo pelo qual o Kremlin está mudando radicalmente a sua estratégia na Ucrânia de modo a alterar o quadro do andamento do conflito a seu favor e ter um desfecho que coincida com os seus interesses nacionais político-militares na Ucrânia.

Vale lembrar que o que está sucedendo na Ucrânia é um conflito não uma guerra como tal, é uma operação militar, também denominada por “guerra hibrida” mas se a Rússia declarar oficialmente guerra à Ucrânia as coisas tornar-se-ão sete vezes mais pesadas e difíceis para Kiev, caso isto aconteça o Kremlin poderá decretar recrutamento massivo obrigatório de cidadãos russos a nível Nacional (ao momento estão sendo recrutados 300 mil reservistas para combater na Ucrânia), por outra o Kremlin poderá fazer o uso regular das suas armas mais letais e destrutivas tais como: bombas de fósforo, armas termobáricas, armas hipersônicas (armas impossíveis de serem detectadas por radares, únicas no mundo até o momento), poderá empregar ainda mais sistemas de defesa antimísseis S-400, S-450 e S-500 (este último capaz de destruir satélites), assim como poderá usar todo seu aparato bélico em disposição.

Até o momento há uma limitação do uso de certos armamentos por parte do governo russo mas agora com a anexação acelerada das regiões de Donetsk, Lugansk, Kerson e Zaporizhzhia como parte do Território russo no passado dia 30 de Setembro de 2022 as coisas tomarão um rumo diferente. Estas regiões mesmo sem serem reconhecidas pela comunidade internacional como parte da Rússia, a nível interno o Kremlin terá como justificar legalmente a sua escalada militar na Ucrânia caso Kiev decida atacar estes territórios que agora são territórios russos, não mais ucranianos.

O governo russo até o momento não tem como usar armas ainda mais pesadas e destrutivas na Ucrânia por três motivos: primeiro, como já foi referido, este conflito na Ucrânia não é uma guerra; segundo, a Ucrânia não está lutando dentro da Rússia, está lutando dentro do seu próprio território; terceiro, o Território russo não está em perigo muito menos sob ataque iminente.

Com a anexação das regiões acima citadas se Kiev decidir em algum momento atacar estas regiões, então a Rússia usará o pretexto do «princípio de defesa da própria soberania» para aumentar a sua escalada militar contra a Ucrânia, sendo assim as coisas caminharão para uma direcção sem volta e se num dado momento o Kremlin sentir-se encurralado, desesperado ou em caso de uma possível derrota, então nesta hora de vulnerabilidade a Rússia sendo uma superpotência militar e bélica poderá fazer o uso das suas armas mais avançadas, modernas e letais para mudar o rumo do conflito.

O Kremlin fala em usar armas nucleares, mas de que armas nucleares estamos falando? Portanto, existem dois tipos de armas nucleares: armas nucleares tácticas e armas nucleares estratégicas. As armas nucleares estratégicas são as mais perigosas, potentes e as mais destrutivas que existem no Mundo. Estas armas são “projectadas para serem usadas em alvos frequentemente em territórios estabelecidos longe do campo de batalha como parte de um plano estratégico tais como: bases militares, centros de comando militar, indústrias de armas, transporte, economia e energia, infraestruturas,

armas e áreas densamente povoadas, como cidades e vilas, que geralmente contêm alvos por abater”.

As armas nucleares estratégicas vão de 100 quilotons (poder de explosão) até centenas e centenas de quilotons de capacidade e podem possuir capacidades de destruição de até megatons. Só para termos uma ideia 1 quiloton é equivalente a 1.000 toneladas de dinamite (substância explosiva). O maior artefacto nuclear já explodido na história da humanidade foi a bomba nuclear soviética denominada de Czar, testada no ano de 1961, que liberou metade de 100 quilotons equivalente a 100 milhões de TNT.

As bombas nucleares estratégicas americanas denominadas de “Little Boy e “Fat Man” lançadas no dia 6 de Agosto de 1945 durante a II Guerra Mundial no Japão nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, possuíam de 10 a 20 quilotons, são bombas nucleares destrutivas que hoje estão a baixo de muitas bombas nucleares tácticas que podem chegar até 100 quilotons.

As bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki mataram “cerca de 35.000 a 40.000 pessoas, incluindo 23.200 a 28.200 operários civis japoneses, 2.000 trabalhadores escravos coreanos e 150 combatentes japoneses”, imaginem agora o que pode provocar uma bomba nuclear estratégica com capacidade maior de transporte de ogivas nucleares contendo capacidades tecnológicas actuais? Obviamente estamos falando de destruições acima do imaginável, estamos falando de dezenas e centenas de milhares de mortes. Estas armas são feitas não para serem usadas convencionalmente num conflito ou numa guerra, servem para persuadir e dissuadir países inimigos e hostis a não te atacarem com medo da represália.

As armas nucleares que a Rússia pretende usar na Ucrânia não são armas nucleares estratégicas, mas sim armas nucleares tácticas. A potência destas armas vai de 50 a até 100 quilotons, mesmo sendo armas tácticas possuem potências muito maiores em relação as que foram usadas no Japão. As armas nucleares tácticas foram desenvolvidas com objectivo de serem empregadas e usadas “contra grandes forças terrestres; contra Bunkers fortificados; contra alvos fortemente defendidos ou fortificados que não podem ser atacados com armas convencionais; contra grandes linhas de veículos armados ou blindados; e contra grandes esquadrões de bombardeiros”.

A contra-ofensiva ucraniana tem causado alguns problemas ao Kremlin, sobretudo nas cidades como “Sloviansk, Kramatorsk, Bakhmut, Kupiansk, Izium, Kharkiv, Mykolaiv e Kherson”, se a Rússia usar armas nucleares poderá não simplesmente acelerar o fim do conflito, mas também como poderá matar milhares de civis e militares causando danos catastróficos e permanentes à Ucrânia.

Tudo isso poderia ser evitado caso houvesse prudência político-diplomática entre às partes (Kremlin-Kiev), os dois governos mesmo antes das tensões reais e actuais nunca souberam negociar, ninguém quis ouvir ninguém, se houvesse um acordo de segurança entre às partes se evitaria toda esta destruição na Ucrânia, se evitaria o fluxo imigratório ucraniano que já atingiu a cifra dos 14 milhões de refugiados e nem sequer haveria necessidade de o Kremlin anexar pra si as recentes regiões ucranianas.

É preciso admitir que a diplomacia e as mediações diplomáticas entre a Rússia e a Ucrânia foram completamente um autêntico fracasso, nenhum dos dois governos quis ouvir a outra parte, ninguém quis realmente abrir mão de certos pontos e interesses nacionais que estavam acima da mesa das negociações, foi tudo perca de tempo, a prova disso é que não conseguiram evitar o conflito, sinceramente eu faria muito melhor se estivesse na mediação deste conflito, alcançaria melhores resultados em prol da paz.  

Mas se a Rússia usar armas nucleares na Ucrânia o que poderá acontecer com o sistema internacional? O que poderá acontecer contra a Rússia? Há possibilidade dela sofrer represálias por parte de outras potências nucleares como os EUA, França e Reino Unido? Caso venham ser usadas armas nucleares teremos um sistema internacional cada vez mais vulnerável e no mundo estratégico-militar quando um sistema fica vulnerável o  perigo e a complexidade se instala e se estabelece, se isto vier a verificar-se no sistema internacional a corrida armamentista será sete vezes maior e os demais governos já não irão esconder a sua pretensão na aquisição de armas nucleares, a insegurança levará os Estados a aumentarem de forma ainda mais exorbitante os seus orçamentos de defesa, teremos um Mundo ainda mais perigoso do que já é, e a anarquia pelas leis internacionais por parte das superpotências militares e econômicas tomará conta das instituições mundiais impondo-se através da força bélica e do poder financeiro.

Se a Rússia usar armas nucleares na Ucrânia não haverá chance nenhuma dela ser atacada de volta por outras potências nucleares, caso isso acontecesse não seria simplesmente o início de uma III Guerra Mundial nuclear como também seria o fim da humanidade, não haveria possíveis vencedores nesta guerra levando em consideração o poderio nuclear tanto da Rússia quanto dos EUA e seus aliados, apenas seriam impostas sanções ainda mais duras contra o Kremlin, nada além disso.

 Se o governo russo empregar armas nucleares o sistema internacional perderá significativamente o seu equilíbrio e isto implicitamente fará com que os países possuidores de tais armas tivessem a tendência de usá-las também contra os seus principais inimigos, por exemplo a Coreia do Norte há muito que faz ameaças contra a sua vizinha Coreia do Sul e em caso de vulnerabilidade nada nos faz duvidar que Kim Jong-un seria capaz de usar armas nucleares, do mesmo jeito Israel poderia ter a tendência de usar armas nucleares contra o seu inimigo mortal o Irão, tal igual os EUA poderiam ter a tendência de resolver alguns dos seus problemas e interesses internacionais através do emprego da força nuclear, como se pode notar estaríamos perante à uma situação grave de crise, de caos e de insegurança internacional.

A Rússia pretende usar armas nucleares tácticas contra as forças ucranianas caso Kiev resolver atacar as regiões por si anexadas, “estas armas nucleares táticas não são usadas para causar destruição nuclear ou radioativa em massa, seja por objectivos tácticos ou para evitar problemas para o lado lançador. Essas armas incluem mísseis de curto alcance, minas terrestres, projéteis de artilharia, cargas de profundidade e torpedos”, fica evidente que a Rússia pretende neutralizar o avanço das forças ucranianas nas suas zonas de interesses fazendo uso destas armas perigosas.

As regiões de Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporizhzhia representam 15% de todo Território da Ucrânia e o referendo feito nestas mesmas regiões 80% dos residentes disseram sim à anexação russa, estes referendos tiveram lugar nos dias 23 a 27 de Setembro de 2022 mas a comunidade internacional obviamente não reconheceu tais referendos, alegam ter havido manipulações, fraudes, votação por intimidação, ameaças e chantagens por parte das autoridades pró russas que conduziram este processo apressado do referendo nas referidas regiões antes pertencentes à Ucrânia.

O Mundo possui aproximadamente 13 mil bombas nucleares, secundo fontes e vários dados actuais de 2022 não tão diferenciados entre si, demonstram que A Rússia e os Estados Unidos possuem juntos 90% das armas nucleares existentes no planeta e concentram no seu arsenal 11.527 ogivas nucleares, sendo que 5.977 destas ogivas pertencem ao governo russo; 5.550 pertencem ao governo dos EUA, depois segue a China com 350 ogivas; França 290 ogivas; Reino Unido 225 ogivas; Paquistão 165 ogivas; Índia 156 ogivas; Israel 90 ogivas; Coreia do Norte 50 ogivas, mas estes dados e sequências estão sujeitos a mudanças constantes, pra não citarmos o Irão, um País que há décadas vem lutando para adquirir a sua bomba atômica, tudo que se sabe até o momento é que o Irão não possui bomba atômica mas algumas das minhas várias fontes militares dizem que o Irão está quase adquirindo armas nucleares.

Existem no Mundo quase 12 mil ogivas nucleares mas apenas 100 ogivas nucleares são suficientes para destruir toda a humanidade, é isto mesmo apenas 100 ogivas podem acabar com a raça humana, e mais uma vez repito estas armas não são feitas para serem usadas convencionalmente, são armas dissuasivas e persuasivas, são armas super perigosas e a Rússia possui as armas nucleares mais destrutivas do Universo com destaque nas armas nucleares denominadas “RS-28 SARMAT”, apelidado pela NATO de Satã 2 (o destruidor de países), esta bomba pode atingir um alcance de 10 mil km de distância. Uma só bomba dessas é capaz de varrer do mapa um País inteiro do tamanho da França, do Reino Unido, da Ucrânia.

O sistema internacional caminha para uma direcção cada vez mais perigosa, delicada e complexa, bastará um pequeno erro ou um passo em falso por parte de um dos líderes mundiais pra tudo ir para o ar. Nesta senda de análise muitos afirmam claramente que Vladimir Putin deve deixar o poder porque assim o Mundo estaria mais seguro. Sei muito bem que as análises políticas são subjectivas, elas são feitas de interpretações, tendo em conta às dinâmicas socias e o andamento dos fenómenos globais, mas na qualidade de especialista político-jurídico, tecnocrata diplomático e pesquisador estratégico-militar posso afirmar categoricamente que engana-se quem pensa que tirar Putin do poder é uma espécie de solução para segurança mundial, muito pelo contrário porque os sistemas políticos construídos sobre regimes do tipo comunista, socialista ou ditatorial, de regra geral, aquele que vem a substituir o outro tende a ser duas vezes mais perigoso, rígido e implacável em relação ao seu predecessor, é uma forma de impor-se e de demonstrar bravura, de modo que todos possam segui-lo e respeitar a sua liderança, criando temor ao seu redor, são esses que na verdade o Mundo deve ter medo e fazer mais atenção, porque àqueles que encontram-se no poder já há algum tempo já têm experiência e sabem como o sistema do poder funciona, esses já criaram equilíbrio, conhecem as entradas e as saídas do poder, sabem o que devem e o que não devem fazer, mesmo se cometem um erro, sabem como manter-se seguro e como estabelecer uma linha recta entre os vários poderes que asseguram o seu poder na direcção de um sistema e sabem lidar com os vários interesses e disputas internacionais.

O Mundo é mesmo um lugar perigoso e um Estado-nação sem grandes líderes levam um País à ruinas fatais em todos os âmbitos e níveis, portanto, de jeito algum se pode ignorar as ameaças do Presidente Putin sobre a possibilidade de usar armas nucleares na Ucrânia, o Kremlin tem a fama e o histórico de fazerem o que falam, são severos nas suas posições e sendo que Putin e sua staff são todos militares e especialistas em inteligência e contra inteligência, estas ameaças são reais, conheço muito bem a mentalidade militar e paramilitar, quando falam algo eles cumprem.

Neste caso sobre as regiões ucranianas anexadas pela Rússia se Kiev vacilar as armas nucleares tácticas russas de certeza serão usadas, portanto, doravante o Presidente Zelenskiy precisa proceder estrategicamente na sua contra-ofensiva neste conflito de modo a se evitar danos maiores porque onde existem interesses nacionais em jogo tudo pode acontecer, não se trata de certo ou errado, são apenas interesses, assim funcionam as dinâmicas geopolíticas.

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No Mundo Estratégico-militar

Por: Leonardo Quarenta

Ph.D em Direito Constitucional e Internacional

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