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Domingo, 21 Fevereiro 2021 09:45

Vingança de chinês ou cobrança coercitiva?

O jornalista Gaspar Santos, agora tratado como Hilário Alemão no julgamento em curso do chamado “caso GRECIMA”, incluiu, especificamente, as estações televisivas lusas SIC Notícias e TVI entre os beneficiários do dinheiro com que o Executivo de José Eduardo dos Santos procurava calar a boca às vozes que lhe eram (ou tomava como) hostis.

Hilário Alemão ou Gaspar Santos, que dá no mesmo, assumiu que era ele próprio quem levava em mão o dinheiro do suborno. É pena que não tenha identificado expressamente os nomes dos indivíduos que recebiam os volumosos maços de dólares.

Uma semana passada sobre a revelação, nenhuma das duas estações tugiu ou mugiu.

Há uma provável razão para esse estranho mutismo. Tanto a SIC N quanto a TVI foram acostumadas a acionar uma campaínha sempre que os seus cofres estivessem próximos da linha vermelha. O código para o acionamento da campaínha era simples: anunciar a difusão de reportagens pretensamente comprometedoras.

E, como efectivamente, o Executivo de JES andava atolado em más práticas, cedia aos gritos de Lisboa. Gaspar Santos ou Hilário Alemão era então enviado à capital lusa com malas de dólares para comprar o silêncio das televisões.

A prática tornou-se tão rotineira que, quando deu por ela, o Executivo já tinha caído na teia. Tornou-se refém das duas estações televisivas.

A partir dali, sempre que o dinheiro não “cai” atempadamente, elas juntam elementos para chantagear.

Em Março do ano passado, já no Executivo de João Lourenço que, entretanto, já tinha extinto o GRECIMA, a TVI anunciou, com várias semanas de antecedência, um programa de investigação sobre Angola.


Gaspar Santos ou Hilário Alemão, a “mula” que levava os malotes para silenciar os “tugas”
Assinada por Ana Leal, a investigação, ao que se anunciou, destaparia “safadezas” de figuras relevantes do Executivo de João Lourenço, nomeadamente o ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, o director do Gabinete do Presidente da República, Edeltrudes Costa, e o antigo chefe da Casa Civil, Frederico Cardoso e esposa.

Um dia antes da sua emissão, o programa foi riscado da grelha. A TVI evocou, então, “o possível agravamento do surto de corona vírus”. Num comunicado, a estação televisiva disse que a “situação que o país vive nesta altura vai merecer destaque ao longo do dia na TVI e na TVI24. Por isso mesmo, a emissão da reportagem de investigação vai ser adiada”.

Sempre se soube que o adiamento da emissão da dita investigação teve a ver com diligências financeiras feitas em Luanda e nada com o agravamento da crise sanitária em Portugal.

A investigação sobre as putativas maracutaias envolvendo governantes angolanos só foi desengavetada em Janeiro deste ano, quando a mesma TVI atribuiu a um sobrinho de João Baptista Borges a titularidade de várias empresas e vínculos contratuais milionários com o Ministério da Energia e Águas.

Na reportagem, emitida no dia 6 de Janeiro, foi dito que um “sobrinho de um dos ministros mais importantes do governo angolano tem várias empresas e, nos últimos anos, conseguiu vários contratos de milhões no setor da Energia, em Angola. Mas isto nunca diretamente, sempre através de outras empresas”.

A TVI referiu, ainda, que uma empresa chinesa, designada Hong Kong Yongda Holding, subcontratou uma empresa, a Diverminds, para apoio técnico em contratos públicos no sector da Energia, em Angola, por quase 1 milhão de euros. “Ora, esta empresa é do sobrinho e de um dos filhos do ministro João Batista Borges.”. O sobrinho do ministro chama-se Ricardo Borges.

Em meios familiarizados com o assunto assegura-se que a emissão da reportagem da TVI deveu-se a um mais do que provável “incumprimento contratual” por parte de João Baptista Borges.

O novo paradigma de relações públicas e marketing do Executivo de João Lourenço privilegia “entendimentos” com a Euronews, uma estação televisiva pan-europeia de informação multilingue.

“Está visto que o Presidente João Lourenço privilegia claramente as relações com a Euronews. Ele está convencido que a imagem externa de Angola fica melhor protegida pela Euronews”, garantiu ao Correio Angolense fonte do gabinete presidencial.

A imprensa lusa, acostumada à “mamata”, não se conforma com a determinação do Presidente João Lourenço de lhe secar a fonte.

Esta semana, o semanário Expresso, pertencente ao mesmo grupo que detém a SIC N, retomou, com exclusividade, um relatório de uma consultora norte-americana segundo o qual o Presidente João Lourenço “e seus aliados” estariam sob investigação nos EUA.

De acordo com o relatório da consultora denominada Pangea Risk, que se diz especialista em assuntos africanos, “João Lourenço e várias pessoas do seu círculo próximo estão a ser investigados por procuradores norte-americanos, por suspeitas de violação de leis dos Estados Unidos”.

No relatório citado pelo jornal português é dito que “se os EUA encontrarem jurisdição, as implicações para o Presidente Lourenço e sua alegada rede de familiares e associados serão muito mais amplas e graves, incluindo potenciais congelamentos de activos, proibição de viagens, suspensão de contas bancárias e outras sanções direccionadas contra a família mais proeminente de Angola e seus parceiros”.

A versão portuguesa do relatório publicada pelo Expresso não é rica em detalhes que fazem do Presidente angolano e “pessoas do seu círculo” alvos de investigação de procuradores norte-americanos.

Contrariando a sua prática, desta vez o Expresso não confrontou as autoridades angolanas para colher a sua versão sobre as denúncias provenientes dos Estados Unidos.

Verdadeiras ou não, o Presidente angolano não deve encarar essas insinuações com simples encolher de ombros. O mundo também não deixará de falar do assunto porque um acólito de João Lourenço entende que um simples “fake news” aposto sobre a matéria do Expresso mata, incinera e sepulta o caso.

A propósito da ligeireza com que Angola lida com assuntos sensíveis, mesmo quando envolvem altos dignitários do Estado, o jornalista João de Almeida postou terça-feira, no Facebook, a seguinte advertência: “As redes sociais são um instrumento poderoso do novo marketing político. Para o bem e para o mal. Barack Obama (Democrata) e Donald Trump (Republicano) são provavelmente os dois políticos modernos que souberam tirar partido destes veículos. Não se pode reagir a publicações supostamente falsas que exigem esclarecimentos com um simples selo ‘fake’. Aquela vaidade do ‘é melhor não reagir/dar confiança’ não funciona com públicos cada vez mais jovens e formados. Continua a faltar perícia e capacidade paraesclarecer/debater/conversar, mas, essencialmente, como esclarecer/debater/conversar sobre gestão da comunicação”.

Angola sempre se deixou tomar pela obsessão de domesticar a comunicação social portuguesa. Antes do GRECIMA entrar em cena com os seus malotes de 50.000.00 por cada deslocação de Alemão a Lisboa, o banqueiro Álvaro Sobrinho já tinha esbanjado milhares de dólares para ser dono de uma parcela do jornal Sol. Depois de coleccionar prejuízos, em 2015 bateu em retirada.

Nos anos áureos dos petrodólares, o mais famoso trio d’ataque angolano, constituído pelos generais Kopelipa, Dino e por Manuel Vicente, tentou comprar parte das acções da Radio Televisão Portuguesa, uma empresa de capital maioritário público. Avisado da índole do megalómano trio, que agia em perfeita sintonia com José Eduardo dos Santos, o governo luso bloqueou a operação. Na altura, entendeu-se em Lisboa que não seria politicamente prudente alienar parte de uma empresa estratégica ao governo de um país que já aparecia regularmente nas manchetes dos jornais pelas piores razões.

Apesar do seu fracasso, os milhões destinados a essa operação nunca regressaram aos cofres do país. Ao que se disse na altura, o dinheiro “perdeu-se” em pagamentos a lobistas e outros serviços.

Não obstante os milhões “investidos” em Portugal, a imprensa lusa nunca se deixou domar. Recebia o dinheiro, mas mal os representantes angolanos ou quem falava por eles, geralmente lobistas portugueses, davam as costas, os donos dos jornais e televisões alvos da cobiça angolana faziam-lhes aquele gesto obsceno que todos conhecemos.

Por Graça Campos / Correio Angolense

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