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Quarta, 06 Janeiro 2021 13:59

Idosos vs Enchentes nos Bancos-sintoma de desestruturação familiar

Vezes sem conta, questiona-se sobre as razões de fundo da presença de idosos nas enchentes dos bancos, sobretudo, por altura de pagamentos das respectivas pensões de reforma.

O assunto das enchentes dos bancos abrange a todos. Porém, não é disso, em si, que se irá abordar. Mas, reflectir as enchentes, envolvendo idosos na véspera do recebimento das suas pensões de reforma e não só.

De modo geral, as enchentes nos bancos se podem explicar por diversos motivos, desde logo, a centralização de pagamentos das pensões de reforma que deixará de ser feito apenas pelo BPC; insuficiência de equipamentos e Técnicos de Operações Bancárias (TOB) para responder à demanda; a existência de poucos bancos em determinada circunscrição territorial; incapacidade  de algumas pessoas em manusear o cartão de débito (vulgo cartão-multicaixa), ou por opção não usa-lo, preferindo o modo tradicional de levantamento de valores pelo balcão para efectuar os seus pagamentos, a pouca liquidez bancária, entre outros motivos.

Entretanto, a pergunta que não se quer calar é, por que razão os idosos, e muitas vezes, com modibilidade fisica debilitada se fazem presentes nos bancos “religiosamente” por ocasião do pagamento das pensões de reforma, horas a fio naquele cenário, expostos às intempéries (muito sol, frio, chuva, muita poeira…) quando poder-se-ia no seio familiar encontrar-se outra forma de representação de seus interesses?!

Essa questão traz à ribalta, o dever de assistência- Instituto de suma importância no âmbito do Direito da Família e que visa assegurar uma vida digna, isto é, prover tudo que for necessário para suprir as necessidades daquele que está impossibilitado de fazê-lo por meio da sua própria força de trabalho.

Interpretando lactu sensu, o dever de assistência ou prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, por um lado, por outro, transcende a simples assistência alimentar, o que pressupõe, sobretudo, garantir e assegurar ao dependente protecção, vida digna (vide art.º 247º e sgts do Código da Família).

A dignidade de que se fala deve ser vista para além da satisfação das meras necessidades físicas, materiais e interpreta-la também (e sobretudo) na componente afectiva e protectiva.

Proteger, neste caso, o idoso dependente, é evitar a sua exposição humilhante em público, quando os seus descendentes ou outros colaterais mais próximos podem ou podiam ajuda-los na realização de certas operações institucionais ou actividades diárias, em sua representação legal.

Repare que, para além das intempéries, o facto de acordarem a madrugada para perfilar longas filas, descansam pouco. Associa-se ainda o risco de andar a esta hora, bem como os efeitos psicológicos cíclicos (ansiedade todos os meses por ocasião do levantamento da  pensão), faz do idoso um ser sofrível, sem contar já com as mazelas/moléstia próprias da idade.

De certo modo, essa situação reflecte um fenómeno social que aos especialistas na matéria, mormente os sociólogos, psicólogos sociais ou outras especialidades afins melhor se deviam debruçar para saber a razão que leva sem pejo alguns membros da família permitir a exposição  humilhante e de altos riscos de seus progenitores (ou outros ascendentes-avós) naquela circunstância para receber pensão, cujos valores de tão módicos que são, nem sequer servem para compensar eventuais  danos que daí podem advir!

Importa dizer que, na sua maioria são pessoas iletradas, e se letradas, com pouquíssimos domínio dos métodos modernos de trabalho, uso das tecnologias de comunicação e informação, mal se expressam na língua oficial (português), obrigando ao TOB esforço suplementar na comunicação, ou recurso a tradução da língua materna para o português, vice-versa, o que alonga o tempo expectante de atendimento por pessoa no balcão, para além, claro, de que a falha de comunicação na banca pode levar a que se cometam erros graves, cujas consequências  repercutem-se na conta do cliente (idoso).

De salientar que, em conversa com alguns conhecidos, entre idosos e não só, vincou-se a falta de confiança de muitos anciãos em relação aos seus descendentes ou outros colateriais mais próximos pelas experiências amargas vivenciadas, levando-os a tratar pessoalmente o assunto quando se trata de levantamento da pensão de reforma, da qual muitos deles depende para sobreviver.

Assim, as enchentes nos bancos, envolvendo idosos para recebimento da pensão de reforma é um fenómeno sintómatico de problema social grave no seio familiar, revelador da falta de harmonia, confiança, respeito e consideração pelos outros membros, em posição de maior fragilidade fisica e mental, e que só na própria família se pode encontrar melhor solução. Não é um problema meramente técnico ou de incapacidade dos bancos em fazer face à demanda, como se pode pensar à primeira vista, com base a uma análise impulsiva.

Portanto, para aliviar o sofrimento dos seus entes queridos, os descendentes, desde que sérios (confiáveis e honestos), adoptariam a modalidade de abertura de conta solidária, tornando-se co-titulares. Essa qualidade  habilitaria-os movimentar a conta a débito e a crédito, de forma presencial ou virtual (internet banking), inclusive tratar o cartão de débito (vulgo cartão-multicaixa), passando a levantar as pensões de reforma em qualquer aparelho ATM, sem necessidade de suportar longas filas e num determinado balcão, fazendo depois chegar os valores respectivos ao seu digno beneficiário.

Por: Jorge de Moura (Jurista)

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