Segundo a referida inferência, o sistema judicial angolano não é mais aquele anedótico e risível esquema de instituições cuja acção se resumia a serem fracas com os fortes (os membros do grupo hegemónico) e fortes com os fracos (os descamisados e descalços autóctones), isto é, julgava e condenava efectivamente os cidadãos comuns – os Zé Ruela –, e, em muitos dos casos, inocentes sofriam o que era reservado para os culpados, ao passo que fingia julgar e inocentava os cidadãos da elite do poder – o grupo delinquente que levou Angola ao marasmo.
Mas será verdade que agora já temos um sistema judicial credível? O caso CNC, liderado por Augusto Tomás, é evidência inelutável de que os Angolanos podem doravante exercer confiança no sistema judicial do País?
A procura de respostas a estas e demais questões passa por uma breve, mas objectiva análise do histórico recente do sistema judicial angolano e pelo recurso à ciência da Estatística.
Vejamos:
O CASO CHEROKEE: em 2004, o cidadão Arsénio Sebastião, mais conhecido pela alcunha de Cherokee, foi assassinado por afogamento por agentes da Unidade da Guarda Presidencial (UGP), por alegadamente ter cantado a célebre música ‘As Téknicas, as Kausas e as Konsequências’, da autoria de MCK (do álbum Trincheira de Ideias, 2002). Quaisquer diligências da família em matéria de constituição de processo para a penalização dos homicidas foram goradas. Os bloqueios simplesmente inviabilizaram qualquer iniciativa processual.
O CASO HILBERT GANGA: em 2015, o militar da Unidade de Segurança Presidencial (USP) que alvejou mortalmente o professor e militante da CASA-CE, Hilbert Ganga, foi absolvido no culminar de um longo e desgastante processo de julgamento no qual as evidências apontaram claramente para a penalização do referido militar. O recurso interposto pelo advogado da família de Hilbert Ganga não teve qualquer efeito até agora e tudo indica que não terá.
III. O CASO JORGE VALÉRIO: em 2016, Jéssica Coelho, a autora moral do assassinato brutal do jovem Jorge Valério, ocorrido em 2013, foi condenada a risíveis 6 anos de prisão. Do tribunal, a jovem, foi conduzida ao sector feminino do Estabelecimento Prisional de Viana, para cumprir a pena. Meses depois, porém, a cidadã foi libertada através de um processo altamente obscuro. Finalmente, no último trimestre do ano 2016, a jovem abandonou clandestinamente o País. As autoridades emitiram um mandado de detenção através da Polícia Internacional (Interpol), que não resultou em nada, pois, o pai de Jéssica conseguiu fazer a filha residir num país com o qual Angola não tem acordo de extradição, o que torna quase impossível a eficiência das autoridades em fazerem com que a homicida volte à prisão e cumpra a pena a que foi condenada.
Os casos em referência demonstram o carácter perverso do sistema judicial e, como tal, do sistema de justiça angolano. No primeiro caso, qualquer diligência semelhante desiderativa à constituição de um processo morreu pelo caminho (quando a sociedade clamava pela responsabilização dos autores do crime). No segundo, o julgamento resultou em absolvição (quando devia culminar na condenação do autor do crime). No terceiro caso, a autora do crime foi condenada a meros 6 anos, mas – como se a anedota não bastasse – meses depois, foi libertada e fugiu do País. Em todos os casos, a justiça não foi feita, porque os criminosos a serem responsabilizados eram membros do grupo hegemónico por inerência ou por associação.
O grupo hegemónico tem instrumentalizado o sistema judicial a seu bel-prazer. Inocentes têm sido condenados e criminosos têm sido inocentados. Deve também ser notado que, nos casos em que autores materiais e morais de crimes graves foram condenados, tal foi por necessidade de dar às instituições a aparência de decência e seriedade. Até mesmo países de brinquedo como Angola têm precisado de fingir que são sérios. Um exemplo foi o Caso Isaías Cassule e Alves Kamulingue (o escândalo assumiu contornos internacionais).
Certamente, o histórico do sistema judicial angolano demonstra que o mesmo não é credível.
O caso CNC não serve como evidência nem base para construir confiança no sistema judicial angolano. Um único caso não basta.
Em Estatística existem os conceitos de frequência e de moda. Neste sentido, uma ocorrência é incidente; duas ocorrências constituem tendência, e três ocorrências formam um padrão. A quarta ocorrência e as seguintes confirmam o padrão.
Igualmente, um caso de julgamento e condenação que envolve membros do grupo hegemónico é apenas incidental. É um facto positivo, mas é apenas incidental. Caso um segundo processo resulte em condenação, estaremos em presença de uma tendência. Um terceiro caso de julgamento e condenação formará um padrão, o qual permitirá prever e concluir que os próximos casos terão um desfecho que confirma que o sistema judicial angolano deixou de ser uma mentira e passou a ser credível.
Outro problema que aconselha-nos a ter cautela é o caso de Rui Ferreira, o Juiz-presidente do Tribunal Supremo e, por inerência, presidente do Conselho Superior da Magistratura. Ele está envolvido num denso escândalo de saque, corrupção, tráfico de influências e incompatibilidades. Apesar da pressão pública, Rui Ferreira nega-se a renunciar. Insiste em continuar numa posição para qual já não possui autoridade moral.
Por que acreditar no sistema judicial de um país cujo gestor máximo do seu tribunal superior e do seu conselho superior de magistrados é saqueador, corrupto e praticante de cabritismo?
Em Angola «não há ninguém tão pobre que não possa ser protegido e não há ninguém tão poderoso que não possa ser punido»?
O tempo é o melhor juiz.
Por ora, é demasiado cedo para que possamos acreditar que o sistema judicial angolano está regenerado e doravante se pautará em condenar os culpados e absolver os inocentes - sejam eles poderosos ou não.
Por Nuno Álvaro Dala