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Segunda, 03 Fevereiro 2020 11:42

Processo contra Isabel dos Santos só vai entrar em tribunal em março

Março afigura-se decisivo para a efectivação da acção principal que o Estado angolano prevê interpor contra a antiga presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Isabel dos Santos, no Tribunal Provincial de Luanda, tendo em vista a recuperação de activos desviados.

A razão dessa expectativa está no facto de o despacho-sentença (resultado de um requerimento de providência cautelar intentado pelo Estado), que decretou o arresto de contas bancárias e participações sociais da empresária, estar datado de 23 de Dezembro de 2019.

A data torna-se relevante a partir da altura em que o Tribunal de Luanda estabeleceu até 30 dias, contados de 23 de Dezembro, para o Estado dar seguimento à acção principal.

Rigorosamente falando, esse prazo terminaria a 30 de Janeiro transacto, ou seja, no exacto período em que se efectivam as férias judiciais.

Assim, o decurso das férias judiciais implica uma "suspensão" do prazo até à abertura do novo ano judicial no país, entre a primeira e a segunda semana de Março.

Dito de outra forma, só a partir de Março próximo o Tribunal Provincial de Luanda pode começar a tomar contacto com a acção principal do Estado angolano, contra Isabel dos Santos, e apreciar os fundamentos para efectivar ou levantar o arresto.

No processo que corre no Tribunal de Luanda, o Estado angolano solicita o pagamento de USD 1.136.996.825,56 (mil milhões, cento e trinta e seis milhões, novecentos e noventa e seis mil, oitocentos e vinte e cinco dólares e cinquenta cêntimos).

Com esse dinheiro, resultante de vários negócios entre empresas do Estado e os requeridos, o país poderia, por exemplo, construir e apetrechar cinco unidades de tratamento de queimados, com custos estimados em USD 225 milhões.

Agora, com a "febre" das centralidades, USD 1.136.996. 825, 56 daria para comprar dez mil e 140 apartamentos no Zango 5, levando em conta o preço de 11 milhões de Kwanzas por apartamento (um dólar equivale a 470 kwanzas).

Enquadramento legal

A questão do arresto dos bens de Isabel dos Santos tem dado muito "pano para mangas", levando, inclusive, a interpretações díspares entre alguns "agentes da Lei".

Contrariamente a algumas especulações, a acção judicial contra Isabel dos Santos não é um "acto isolado", dirigido a alguém em particular.

Como disse o ministro angolano das Relações Exteriores, Manuel Augusto, numa das suas deslocações a Portugal, a referida acção "está inserida" na Lei sobre Repatriamento Coercivo de Capitais, em vigor em Angola.

O processo de validação do diploma começou a 26 de Junho de 2018, com os deputados a aprovarem, sem votos contra, a Lei sobre Repatriamento de Capitais.

A lei dava um prazo de seis meses, até 26 de Dezembro do mesmo ano, para estes fazerem regressar, sem penalizações, as verbas investidas ilegalmente fora de Angola.

Após o prazo de seis meses, o Parlamento aprovou, em 21 de Novembro de 2018, a Lei sobre o Repatriamento Coercivo de Capitais, que acabou por estender-se à Perda Alargada de Bens, processo que começou a contar a partir de 26 de Dezembro.

Com os novos instrumentos legais, o Governo angolano muniu-se de uma legislação mais alargada, ao mesmo tempo que pode fazer recurso à Lei da Prevenção e Combate ao Terrorismo, além de outros mecanismos.

Foi nesse quadro que o Tribunal decretou o "arresto preventivo" dos saldos existentes em contas bancárias tituladas Isabel dos Santos, de Sindika Dokolo e de Mário Filipe Moreira Leite da Silva, domiciliadas nos bancos Internacional de Crédito (BIC), Fomento de Angola (BFA), Angolano de Investimento (BAI) e Económico (BE).

Foram ainda arrestadas as participações sociais que a requerida Isabel dos Santos detém no BCI (42%), por intermédio da SAR – Sociedade de Participações Financeiras (25%) e da Finisantoro Holding Limited (17%), BFA (51%), UNITEL (25%), ZAP MIDIA (99,9%) e na FINSTAR (100%).

Arrestadas estão também as participações sociais que detém na CONDIS – Sociedade de Distribuição de Angola (90%) e as que possui na Continente Angola, na Sodiba - Sociedade de Distribuição de Bebidas de Angola e na Sociedade Sodiaba Participações.

O Tribunal de Luanda determinou, igualmente, o arresto preventivo das participações que Isabel dos Santos e Sindika Dokolo detêm na Cimangola e os 7% pertencentes ao segundo junto da CONDIS.

Gestão na Sonangol

O caso do arresto preventivo dos bens de Isabel dos Santos, de Sindika Dokolo (esposo) e de Mário Filipe Moreira Leite da Silva, ex-presidente do Conselho de Administração do Banco de Fomento de Angola, não é o único que a antiga presidente da Sonangol tem na justiça angolana.

Em Agosto de 2018, a Procuradoria-Geral da República (PGR) reafirmou ter notificado Isabel dos Santos para prestar esclarecimentos sobre a sua gestão, enquanto antiga presidente do Conselho de Administração da Sonangol, empresa que no mesmo ano arrecadou receitas estimadas em 17,7 mil milhões de dólares.

A gestora seria ouvida no quadro de um inquérito instaurado pela PGR, a 2 de Março de 2018, para apurar denúncias de uma "transferência" de mais de 38 milhões de dólares, supostamente por si orientada, depois de exonerada do cargo.

Dias depois, em comunicado, Isabel dos Santos negou as acusações e considerou-as "infundadas", afirmando-se "confortável" com o inquérito aberto pela PGR.

O certo é que, até ao momento, a empresária ainda não foi ouvida pela PGR.

Luanda Leaks

Não sendo ainda um caso judicial, o nome de Isabel dos Santos volta aos meios de comunicações internacionais, desta vez, por via do "Luanda Leaks".

Trata-se de um conjunto de investigações relacionadas com a actividade empresarial de Isabel dos Santos, que possui mais de 400 empresas e subsidiárias em 41 países, incluindo em Malta, Ilhas Maurícias e Hong Kong.

A investigação foi feita por um Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), em que participaram profissionais de 36 meios de comunicação social.

Sobre o assunto, o jurista angolano Albano Pedro considerou que a divulgação do "Luanda Leaks" vai permitir ao Estado angolano ter uma dimensão clara da extensão dos negócios da empresária angolana à escala internacional.

Alerta para o facto de até ao momento o Estado ver a empresária apenas como uma devedora, "daí que ainda não questionou sobre a legalidade dos seus negócios".

Trata-se, na verdade, segundo analistas, de um caso que promete um desfecho imprevisível e uma batalha judicial com vários protagonistas.

A propósito, a empresária Isabel dos Santos já revelou que pretende avançar com acções em tribunal contra o consórcio que divulgou o "Luanda Leaks", reafirmando a origem lícita dos investimentos que fez em Portugal.

A empresária angolana lamenta o que considera "acções irresponsáveis de alguns jornalistas que desencadearam uma tragédia humana e negligenciaram o respeito pelo direito à privacidade", situações que deve ser rigorosamente avaliadas em tribunal.

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