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Sexta, 17 Janeiro 2020 13:19

Tribunal rejeita ação cível de Isabel dos Santos contra Ana Gomes

A justiça portuguesa deu razão a Ana Gomes no processo movido por Isabel dos Santos por causa de comentários no Twitter nos quais a ex-eurodeputada socialista se indagava sobre a origem do dinheiro da filha do ex-presidente de Angola e o cumprimento das regras de prevenção do branqueamento de capitais — entre os quais estava uma publicação na qual Ana Gomes exclamava que Isabel dos Santos, ao pagar os empréstimos bancários, “‘lava’ que se farta!”.

A sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa-Oeste, no Juízo Local Cível de Sintra, a que o PÚBLICO teve acesso, conclui que “o direito à liberdade de expressão e de informação da requerida [Ana Gomes] deverá prevalecer sobre os direitos de personalidade (reputação e bom nome) da requerente [Isabel dos Santos], indeferindo-se por isso a providência requerida”.

Ao mover o processo contra a ex-eurodeputada do PS, a empresária apresentou uma acção com forma de um “processo especial de tutela da personalidade”, um instrumento jurídico de uso raro em Portugal, criado em 2013 para “evitar a consumação de ameaça ilícita e directa à personalidade física ou moral do ser humano ou a atenuar, ou a fazer cessar”. Alegava ofensa ao seu bom-nome e reputação, afirmando que seis tweets publicados em Outubro de 2019 “induzem o leitor” na “convicção errada e difamatória” de que é corrupta e usa o Banco Eurobic para “lavar dinheiro”, tendo pedido que os tweets fossem apagados.

O processo surgiu semanas antes de a empresária angolana ser alvo de um processo de arresto das suas contas bancárias e das suas participações em empresas angolanas por causa de um processo de condenação para pagamento de mais de 1,1 mil milhões dólares (mil milhões de euros) ao Estado, por prejuízos provocados nas empresas públicas de petróleo (Sonangol) e de diamantes (Sodiam).

Foi em reacção a uma entrevista da empresária angolana que Ana Gomes fez uma série de tweets sobre Isabel dos Santos. O primeiro era este: “Isabel dos Santos endivida-se mto porque, ao liquidar as dívidas, “lava” q se farta! E bancos querem ser ressarcidos, só em teoria cumprem #AMLD, de facto não querem saber a origem do dinheiro… E @bancodeportugal não quer ver… #Angola #Portugal”. Outro: “Que jeito dá à PEPíssima acionista Isabel dos Santos o @banco_eurobic! Está na rede swift e na Zona Euro, $ passa por lá p/liquidar dívidas jto de outros bancos. Sem “due diligences” pois já circulou por banco da zona Euro. @bancodeportugal e @ecb assobiam para ar! Angola #amld””.

O litígio que opôs em tribunal Isabel dos Santos e Ana Gomes consistiu justamente na avaliação da colisão de direitos, entre “o direito ao bom nome e reputação”, da parte da empresária, e “o direito à liberdade de expressão”, da parte da antiga eurodeputada socialista. E nesta confrontação, o tribunal entendeu que prevalecem neste caso os direitos do direito à liberdade de expressão e de informação, sem que isso queira dizer seja posta em causa a presunção da inocência da empresária.

O tribunal começa por lembrar que “a liberdade de informação e de expressão está inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias pessoais e tem por fim último garantir a plenitude da democracia, a pluralidade de opiniões e de pensamento”. Mas se tendencialmente a jurisprudência foi no sentido de “privilegiar, no caso de conflitos de direitos, os direitos fundamentais individuais à honra ao bom nome e reputação, ligados à própria dignidade da pessoa humana, sobre o exercício do direito de opinião e de expressão”, actualmente, “por serem ambos direitos fundamentais individuais”, há necessidade de compatibilizar e considerar não só a legislação portuguesa, mas também “as normas da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (também conhecida por Convenção Europeia dos Direitos do Homem) e a jurisprudência do TEDH, órgão que, nos termos da CEDH, está especificamente vocacionado para uma interpretação qualificada e controlo da aplicação dos preceitos de Direito Internacional convencional que a integram e que vinculam o Estado Português”, não sendo possível “conferir-se abstractamente precedência de um em relação ao outro, tornando-se necessário averiguar no caso concreto, qual deles deve ser sacrificado em relação ao outro”.

Pressionar os supervisores

Ao caso, o tribunal teve em conta que Ana Gomes é uma “pessoa informada e com competências na área de branqueamento de capitais e corrupção, deve-lhe ser reconhecido o direito de expor as situações que considera susceptíveis de lesar interesse público”, e conclui que a ex-eurodeputada fê-lo “apenas ao nível da conduta estritamente profissional e não deixa de fazer referência ao Banco de Portugal, CMVM e Ministério Público, sendo estes os alvos de censura dos tweets, por entender que não estão a cumprir com os respectivos deveres de investigação”. 

E ressalva que, com isto, o “tribunal não pretende dizer que concorda com o teor dos tweets e muito menos colocar em causa a presunção da inocência da requerente [Isabel dos Santos]”, mas tão só “dizer que atendendo às circunstâncias do caso em concreto, fundando a requerida a sua convicção em diverso material que tem recolhido, designadamente em artigos de jornalismo de investigação, a que acresce o seu conhecimento profissional e não lhe sendo exigível provar completamente a verdade dos factos, mas apenas a plausibilidade racional desses indícios, visando a requerida precisamente pressionar as entidades supervisão e de investigação a averiguarem a génese do património e dos investimentos da requerente nas empresas portuguesas, não deve ser limitado o seu direito de expressão”. Daí a conclusão de que prevalece o direito à liberdade de expressão.  PUBLICO

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