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Quarta, 28 Março 2018 15:25

Ideal da independência de Cabinda nunca irá prescrever - Raul Tati

O deputado independente angolano Raul Tati considerou hoje à agência Lusa que o ideal da independência de Cabinda "nunca irá prescrever", defendendo haver "ambiente político" para avançar, por agora, para uma autonomia alargada.

Raul Tati, eleito como deputado independente pelo círculo provincial de Cabinda nas listas da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, oposição), falava à Lusa a propósito do lançamento, hoje, do livro "Cabinda -- Órfã da Descolonização do Ultramar Português", da sua autoria.

O antigo vigário-geral do enclave limitado a norte pelo Congo, a leste e sul pela RD Congo e a oeste pelo oceano Atlântico, apelou ao "envolvimento" e lembrou a "responsabilidade histórica" de Portugal na resolução de um conflito que perdura há 43 anos, salientando que Lisboa tem legitimidade para o fazer, tal como fez com os Acordos de Paz para Angola, assinados em Bicesse em 1991.

"Os cabindas entendem que têm um direito, o direito à autodeterminação, têm de dizer o que pretendem para o seu futuro, para o seu destino e há várias soluções à vista. Uma é aquela que deu razão a esta luta toda, que é o direito à independência reivindicada pelos cabindas", afirmou.

No entanto, explicou, hoje em dia, "há outros entendimentos, há soluções intermédias", como a de um estatuto de autonomia política e administrativa bem negociada" que pode ser um "passo importante para desanuviar o problema".

"Talvez não seja para resolver definitivamente, mas para desanuviar. E, neste caso, a diplomacia pode jogar um papel fundamental e decisivo, já que, em 1991, Portugal teve um papel importante, quando voltou à ribalta depois da tragédia de descolonização, para ajudar a mediar o conflito angolano. (...) Porque não utilizar esses mecanismos diplomáticos para persuadir o Governo de Angola a avançar?", questionou.

Raul Tati disse que, atualmente, há em Angola uma "abordagem dentro da sociedade angolana" para que Cabinda deixe de ser uma simples província e que se avance para a autonomia, ideia que envolve também partidos políticos como a UNITA e a CASA/CE.

"Há ambiente político para se avançar nisto", analisou, lembrando os 43 anos de uma luta, política e militar, por um estatuto diferente e em que Portugal, após a revolução de 25 de abril de 1974, "lavou as mãos" e nunca tomou qualquer iniciativa.

"Isso representa uma orfandade autêntica para Cabinda, tal como a luta que tem sido levada a cabo até agora sem grandes apoios da comunidade internacional. Podemos dizer que o conflito de Cabinda foi um daqueles que foram esquecidos. Daí a justificação do título" do livro, sublinhou.

A obra, explicou, é uma "reflexão em torno do que foi o processo de descolonização dos antigos territórios ultramarinos" portugueses em África", razão pela qual a responsabilidade de Portugal em Cabinda "também não prescreve".

"Fui no encalço das reivindicações políticas, que nessa altura eram expressivas em relação a Cabinda, que exigiam de Portugal uma identidade histórica e cultural própria e diferente da de Angola e exigia também então uma descolonização separada. Infelizmente, o que veio a acontecer foi precisamente o contrário disto", afirmou.

"Pese embora os cabindeses tenham tido mais pressão política nessa altura na FLEC (então Frente de Libertação do Enclave de Cabinda e, depois, Frente de Libertação do Estado de Cabinda), as autoridades portuguesas que lideraram a descolonização preferiram legitimar apenas três movimentos de libertação de Angola - UNITA, MPLA e FNLA -, com quem assinaram, depois, os Acordos de Alvor", notou.

Para Raul Tai, apesar do Tratado de Simulambuco (1885), a população de Cabinda "não foi tida nem achada" nas negociações da descolonização, muito por culpa das "forças da esquerda" portuguesas de então, "que se apoderaram do processo do movimento revolucionário do «25 de abril» e entregaram Cabinda ao MPLA", disse.

"Portugal tem ainda um papel a jogar. Sabemos que a descolonização foi concluída, não queremos ser anacrónicos. O processo está concluído. No entanto, a responsabilidade histórica de Portugal não prescreve. Portugal pode ajudar", defendeu.

Sobre a mudança de regime -- em agosto João Lourenço assumiu a Presidência de Angola, depois de 38 anos de poder de José Eduardo dos Santos -, Raul Tati mostrou-se esperançoso, vividos que foram 43 anos de um regime "que ensaiou uma gestão política do problema muito desastrosa, que só trouxe sofrimento, dor e luto".

"Já está a haver alguma mudança. Há sinais. João Lourenço foi a Cabinda, (...) constatou a realidade em Cabinda e fez declarações prometendo que iria envolver-se pessoalmente nas questões que têm a ver com Cabinda Ora, isso é um bom recado para quem tem os ouvidos para ouvir", sublinhou.

"Tomámos isso a sério e é nessa perspetiva que pretendemos, não à espera que ele faça, trabalhar para provocar que as coisas aconteçam em Cabinda (...), que haja um desanuviamento da tensão, que haja um certo alijamento daquele peso todo que se carrega daquilo que têm estado a chamar «FLECopatia», de considerar toda Cabinda como FLEC. Com esses epítetos, claro que não se olha para os cabindas como cidadãos, mas sim como inimigos. É preciso avançar", concluiu.

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