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Sábado, 03 Março 2018 13:27

Aldemiro da Conceição: um peixe graúdo que mordeu o anzol de João Lourenço?

Há indicações de que terá sido o antigo porta-voz de JES quem solicitou o seu retorno ao palácio presidencial, no que está a ser interpretado como a rendição de um tubarão eduardense às hostes lourencistas

Personagem altamente discreta, mas de enorme influência, ao longo dos anos em que serviu como um dos “homens do Presidente” no consulado de José Eduardo dos Santos, a ninguém ocorreria que a Aldemiro Vaz da Conceição ainda restasse fôlego para assumir algum papel ou missão no Palácio da Cidade Alta, agora que a instituição tem um novo “dono”: João Lourenço. Mas, pelos vistos, Aldemiro da Conceição – o “Tininho” como é tratado nos círculos mais íntimos – acaba de reinventar-se e está novamente no “inner circle” presidencial.

De facto, a notícia de que João Lourenço nomeou Aldemiro da Conceição para um cargo de direcção na Casa de Segurança da Presidência da República – na qual dirigirá o Gabinete de Acção Psicológica e Informação, GAPI – deixou muita gente à beira da apoplexia. Poucos esperavam que tal sucedesse, quanto mais não seja pelo facto do mesmo Aldemiro ter protagonizado, ainda recentemente, um gesto que foi no mínimo revelador de que estaria de malas aviadas para enveredar por um outro modo de vida que não a política: sua renúncia do cargo de deputado à Assembleia Nacional pelo MPLA.

Observe-se que Aldemiro da Conceição não suspendeu simplesmente o mandato parlamentar, como o fazem muitos, sobretudo figuras com expectativas de ocupar um cargo no Governo, ou ainda como fazia a antiga primeira-dama Ana Paula dos Santos. O ex-secretário para os quadros da presidência angolana – última função de Aldemiro no palácio – renunciou mesmo, o que significa à partida que abdicava em definitivo da possibilidade de retornar ao Parlamento, ou até de manter simplesmente os benefícios de imunidade conferidos pelo cargo de deputado, mesmo quando não esteja a ser exercido.

No extremo, muitos conjecturaram que Tininho, à semelhança da opção tomada pelo chefe da guarda, general Alfredo Chaunda, também tencionava manter-se ao serviço de José Eduardo dos Santos, noutra esfera de actividade que não a partidária – afinal JES tem uma fundação e por certo outros empreendimentos para cuidar no pós-poder.

Neste momento, a poeira causada por este “affaire” ainda está por assentar, alimentando várias especulações a respeito de quais teriam sido as motivações que levaram João Lourenço a chamar para a sua equipa alguém “tão improvável” como Aldemiro da Conceição, que foi um dos elementos mais próximos do seu predecessor, de uma fidelidade por José Eduardo dos Santos que quase se pode classificar por canina.

Realmente, são muitas as conjecturas que são agora expendidas em torno do assunto. Mas o Correio Angolense soube entretanto, de fontes ligadas ao próprio “regime”, que a iniciativa de trazer o antigo “porte-parole” de JES novamente para o interior do palácio presidencial não partiu exactamente do seu actual inquilino, João Lourenço, mas do próprio Aldemiro da Conceição. Ou seja, foi Tininho quem pediu a João Lourenço para retornar à Cidade Alta; só não se sabe se terá sido ele também a sugerir o cargo de director do GAPI, que vai ocupar na sua “rentrée” entre os quadros da Presidência da República – ele que pela longevidade do seu percurso ao lado de JES foi considerado o “decano” dos assessores presidenciais.

Certo é que o dado segundo o qual terá sido o próprio Aldemiro da Conceição a tomar a iniciativa de retornar ao palácio presidencial está, entretanto, a trazer à tona uma tese que atribui a João Lourenço uma estratégia que consiste em ir esvaziando gradualmente as hostes de José Eduardo dos Santos, cooptando-lhe as figuras que outrora lhe foram fiéis. De sorte que João Lourenço não terá hesitado nem um pouco ao deparar-se com o pedido de regresso formulado por um velho aliado de JES do quilate de Aldemiro da Conceição. A inesperada “rendição” de Tininho significava ouro sobre azul para essa hipotética estratégia de minar o adversário por dentro.

De resto, da antiga estrutura de JES permaneceram no Palácio da Cidade Alta figuras como Edeltrudes Costa, bem como Avelina dos Santos, a sobrinha de JES casada com Bento Kangamba, que é a coadjuvante do chefe de gabinete de João Lourenço. Há ainda o eterno chefe do Protocolo, José Filipe, que também se tornou numa “mobília” do palácio pelos longos anos que leva nesse pelouro, como se já não existisse ninguém que entenda do ofício e com capacidade para o substituir. E entra igualmente nas contas José Mena Abrantes, o antigo “writer” dos discursos de JES, que foi reintegrado na equipa de comunicação institucional e marketing da presidência angolana, agora dirigida pelo jornalista Luís Fernando.

Ainda em abono da estratégia de “desovar” as hostes eduardinas juntar-se-ia o facto de João Lourenço ter chamado, entre os seus consultores, várias outras figuras que sempre foram aliadas do antigo Presidente da República, entre as quais pontificam Albina Assis, Assunção dos Anjos, José Maria Botelho de Vasconcelos e Santana André Pitra “Petroff”.

Com idênticos propósitos se enquadram as nomeações de “pesos pesados” como Lopo do Nascimento e Marcolino Moco para os cargos de administradores não-executivos da Sonangol, estes que ao serem “fisgados” por João Lourenço estariam, em tese, fora do alcance de JES e mais propensos a apoiar o novo Chefe de Estado.

Seja como for, se João Lourenço conseguiu “apanhar” um peixarrão da dimensão de Aldemiro Vaz da Conceição – e isto admite-se como estratégia política –, o que ainda está por perceber são as razões por detrás do ressurgimento do cargo que lhe foi atribuído, um autêntico anacronismo à luz da conjuntura política vigente no país. Afinal, ao que se tem conhecimento, o Gabinete de Acção Psicológica e Informação, GAPI, foi um órgão da presidência angolana que teve sentido no contexto de conflito armado, ao ser usado como instrumento para disseminação de propaganda governamental e contrainformação no seio das tropas da UNITA.

Aldemiro da Conceição estará como peixe na água nessa função que conhece como ninguém, pois dirigiu o GAPI durante os anos de chumbo. Mas, ainda assim, é difícil engolir a ideia de se estar a ressuscitar esse instrumento repressivo, hoje completamente desalinhado do conceito de sociedade aberta que Angola deve ser chamada a trilhar. Ademais, já não há guerra em Angola há 16 anos. CA

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