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Quarta, 04 Fevereiro 2015 07:49

MPLA não foi autor de 4 de Fevereiro de 1961

Desde a segunda metade da década de 1990, na sequência de alguns trabalhos publicados por Carlos Pacheco, não só foi reposta a verdade sobre o ano da fundação do MPLA (1960 e não 1956), como foi definitivamente classificada como falsa a narrativa que atribuía àquele movimento a preparação e a execução do “4 de Fevereiro”.

Sabendo-se que não coube ao MPLA preparar e executar o “4 de Fevereiro”, tal não significa que seja possível identificar e caracterizar com clareza uma estrutura ou uma organização política responsável pelos acontecimentos. Aliás, o mais provável foi que a autoria e a execução do “4 de Fevereiro” tenha cabido, do ponto de vista “colectivo”, a uma constelação de pequenas organizações sem perfil ou estrutura política muito vincadas e nas quais militavam exclusivamente angolanos negros e (muito poucos) mulatos.

angola 4 fev 61a

Este conjunto de indivíduos e de organizações que contestava a natureza do status quo prevalecente em Angola e, especialmente, em Luanda, preparou e executou uma acção de guerrilha urbana com o objectivo de libertar cerca de uma centena de presos políticos detidos em vários estabelecimentos prisionais da capital. Ao mesmo tempo, desejavam dar nota da existência de um entranhado sentimento nacionalista através do recurso ao uso da força. Mas se apesar de tudo não é fácil identificar quais foram e o que eram, ou pretendiam ser, as organizações por trás do “4 de Fevereiro”, é possível identificar aquele que foi o seu mais que provável cabecilha. Tratou-se do cónego angolano Manuel Mendes das Neves. Um sacerdote com ligações a figuras da UPA, do MPLA e de outras organizações anticolonialistas e/ou nacionalistas posteriormente desaparecidas e remetidas ao esquecimento.

Ora o facto de o “4 Fevereiro” não ter sido da responsabilidade directa ou indirecta do MPLA, como também não foi da UPA, permite uma primeira conclusão: o MPLA não tinha no início de 1961 qualquer capacidade – e justamente por esse facto reivindicou a responsabilidade pelo “4 de Fevereiro” – para preparar e executar na capital de Angola, ou em qualquer outro ponto desta então província ultramarina portuguesa, uma iniciativa política violenta, com proporções significativas, contra as estruturas do estado colonial. Desta realidade decorre uma outra. Não tendo tido o MPLA quaisquer responsabilidades no “4 de Fevereiro”, é óbvio que este não se tratou de um acontecimento arquitectado pela sua liderança com o intuito de se constituir no momento fundador de uma estratégia político-militar de fustigação sistemática das estruturas do estado colonial.

Em primeiro lugar, aqueles acontecimentos provaram aos dirigentes do MPLA, mesmo que (ainda) não o desejassem, ou (ainda) não estivessem preparados, que o início da luta armada contra a soberania portuguesa deveria ter início rapidamente. Caso contrário, aquele movimento perderia qualquer possibilidade de se tornar numa força política representativa do anticolonialismo e do (proto)nacionalismo que se encontrava disseminado entre vários sectores, ou estratos, da sociedade angolana. Da mesma forma, perderia muita da legitimidade política externa que recentemente adquirira ao apresentar-se como partido protagonista da luta por uma Angola independente num continente africano em que a soberania europeia se ia rarefazendo cada vez mais intensamente a partir de 1960.

Daqui se pode, pois, concluir que no início de 1961, quer pelas dificuldades e divisões políticas internas, quer como consequência da sua fundação recente, quer ainda pela acção de prevenção e repressão conduzidas por forças policiais e militares portuguesas, o MPLA não estava minimamente preparado ou habilitado a dar início a uma guerra de insurgência contra o colonialismo português. No entanto, mostrou sentido de oportunidade política não só ao reivindicar a autoria dos ataques lançados em Luanda em Fevereiro de 1961, como ao conseguir tornar verosímil, ao longo de décadas, a responsabilidade por um acontecimento cujas origens ou propósitos desconhecia em absoluto.

Portanto, o início, de facto, das acções militares levadas a cabo por aquele movimento resultou não de uma estratégia de combate ao colonialismo em que o “4 de Fevereiro” seria o acontecimento fundador, mas da circunstância de o “4 de Fevereiro” e, também, o “15 de Março” terem forçado o MPLA a sair do imobilismo em que vivia mergulhado desde a sua fundação. Ou seja, em 1961 o MPLA não deu início à luta armada contra o colonialismo português. Mas em 1961, um conjunto de acontecimentos e de circunstâncias que se desenvolveram absolutamente à margem do MPLA forçaram-no a pegar em armas contra o colonialismo, o que começou a acontecer, timidamente, em 1962.

Em Fevereiro como em Março de 1961, MPLA e UPA estavam longe de se encontrarem preparados para fazerem uma guerra de insurgência contra o estado colonial português, acabando por a ela terem sido forçados como consequência de episódios de violência anticolonial e colonial cuja concepção, deflagração e desenvolvimento lhes escapou total ou parcialmente

No entanto, as direcções daqueles dois movimentos perceberam que podiam e deviam aproveitar acontecimentos que, em primeiro lugar, tinham conseguido grande e muito favorável repercussão internacional, e, em segundo lugar, gerado uma resposta em que se fez um uso sistemático e, sobretudo, desproporcionado da violência, quer por parte dos colonos, quer das forças policiais e militares. A violência da resposta colonial, mesmo que usada com o argumento da legítima defesa, não permitia uma proclamação, mesmo que implícita, sobre o fim da luta armada ou que o MPLA e UPA a não desejavam porque para tal não estavam preparados.

Angola - Capa do livro 'ANGOLA 1961', de Amândio César (Edição Verbo - Lisboa 1961) 1.ª edição (02)

Observador | AO24

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