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Terça, 03 Março 2020 23:58

Lukamba Gato e o lavar da roupa suja na UNITA

Paulo Lukamba Gato abre o livro para o “Angolense”, numa entrevista em que não se coibe de abordar a herança negativa deixada por Jonas Savimbi. Num tempo, aliás, em que a tónica no interior da organização parece ser cada vez mais a lavagem de roupa suja, Gato mostra-se suficientemente hábil para continuar a merecer o perfil de “pacficador” do Galo Negro.

“Assumimos todo o passivo deixado pelo Dr. Savimbi”

Não há certezas se ele dará o dito pelo não dito, apresentando-se como candidato à sucessão de Jonas Savimbi. A única certeza é que o último dos delfins de Savimbi é também um dos que mais procuram preservar a memória do “mais-velho”. Talvez porque tenha identificado que o seu capital político decorre de saber usar isso como trunfo. Um ano depois da morte do líder histórico da UNITA vale a pena, portanto, ouvir o pensamento do homem que herdou, ainda que provisoriamente, o seu testemunho.

Angolense (ANG) – A UNITA está em fase de lavagem de roupa suja? A última reunião da sua Comissão Política deu indicadores nesse sentido.

Paulo Lukamba Gato (PLG) – Sabe que o nosso partido tem agora quase 37 anos. O seu presidente-fundador [Jonas Savimbi] abriu a 16ª conferência, no dia 8 de Abril de 2001, com um discurso que surpreendeu toda a gente, fazendo uma espécie de mea culpa. Recomendou que identificássemos o nosso partido, considerando aquilo que foi e é a herança negativa que transportávamos há mais de 36 anos de luta. Nessa luta tivemos imensas dificuldades, certamente que surgiram problemas profundos que hoje nos separam e que afectaram as nossas relações. Sentimos que devíamos fazer um esforço para nos reconciliarmos e ultrapassarmos os nossos passivos.

ANG – E que passivos são esses?

PLG – O presidente-fundador foi claro, claríssimo, dizendo que não devíamos ter queimado as bruxas. É incrível. Só os grandes homens podem assumir, com tanta coragem e humildade, posições tão responsáveis. A intriga, com todas as suas consequências, também é um dos nossos passivos. Muitos camaradas que foram eliminados deveriam ter merecido um julgamento mais condescendente, em lugar da eliminação definitiva.

ANG – Estes camaradas não têm nomes?

PLG – Eu não gostaria de citar nomes, mas podemos incluir nesta lista toda a gente que nós quisermos identificar: Sangumba, Chindondo, Bock e outros deveriam ter merecido um julgamento mais frio e responsável. Nunca dissemos que foi um gesto de grandeza, mas o que é importante é o mea culpa iniciado pelo próprio mais-velho. O esbanjamento é outra nota negativa que acumulámos. Mas o presidente-fundador reconheceu que gerir uma organização político-militar como a nossa, em condições de luta armada intensa, coarta necessariamente o debate. Mas queremos agora assumir uma palavra diferente, mais democrática. O partido está empenhado nisso. Isto porque queremos efectivamente contribuir para o aprofundamento da democracia e das instituições democráticas da República.

ANG – E quanto a si? Não faz o seu mea culpa? Diz-se que esteve envolvido em muitos casos de intriga na UNITA...

PLG – Quer queiramos quer não, a história projectou-nos para uma posição em que temos de assumir todo o papel histórico da UNITA com o seu passivo e o seu activo. Com um olhar crítico e selectivo para dizer que isto aqui foi mal feito, por isso reconciliemos o partido. Isto foi bem feito, então, aperfeiçoemos.

ANG – Mas as mágoas podem ser ressarcidas apenas com discursos bonitos?

PLG – O único caminho é o aprofundamento do debate político-ideológico.

ANG – Um dos aspectos que achamos importante e que fariam com que a UNITA se democratizasse, rápida e completamente, seria permitir que houvesse um maior peso de dirigentes de outras etnias no seu Comité Permanente...

PLG – Ao constituirmos a actual Comissão Política tivemos em conta vários critérios. Houve o primeiro, que é o princípio da igualdade das províncias; depois tivemos em linha de conta a distribuição demográfica das províncias. Entraram critérios de raça, das confissões religiosas, do amplo movimento de massas que é o nosso partido. Portanto, entraram variadíssimos critérios que fazem com que encontremos um ponto de equilíbrio. Já estamos num ponto bastante importante em termos de equilíbrio, bem como em termos de critérios de selecção de membros ao nível do universo do nosso país. Mas estamos convencidos que é apenas o princípio do processo.

ANG – Mas continua a haver uma excessiva supremacia dos ovimbundu que já não é muito bem vista.

PLG – Nós não chamaríamos supremacia dos ovimbundu. Mas é verdade que uma análise sociológica mínima do nosso país leva qualquer político a pensar que, efectivamente, a UNITA deve ter a sua base social de apoio na área entre o Huambo, Bié, sul do Kwanza-Sul, Benguela, norte da Huíla, sul de Malanje. Esta é uma das áreas mais densamente povoadas e, evidentemente, não entra apenas em consideração o facto de serem ovimbundu os que aí habitam...

ANG – A composição do vosso Comité Permanente não poderia ser um bocado mais equilibrado do ponto de vista étnico?

PLG – Neste momento tem 38 membros, mas dizem que a grande maioria é ovimbundu e apenas quatro pessoas são do Norte. Mas Angola não tem só o Sul. Tem o Norte, o Este, o Oeste e tem o Centro. Portanto, toda a gente está mais ou menos representada, embora o Comité Permanente seja um órgão executivo do partido onde os critérios são mais de militância, competência, qualificação. Porque o Comité Permanente é constituído pelos titulares das distintas comissões do Secretariado da Comissão Política; portanto, o Comité Permanente é constituído essencialmente pelo “Governo-sombra” mais o executivo do secretariado-geral do partido. Deste modo, estamos representados por membros de todos os horizontes do país, de todas as confissões religiosas, de todas as raças.

ANG – Por que é que quando esta questão foi levantada, o senhor secretário-geral não se pronunciou sobre ela?

PLG – Eu não tenho que me pronunciar sobre todas as questões. Tenho que me pronunciar sobre as questões que considero candentes. Porque senão seria eu a pessoa que mais falaria numa reunião de cinco dias. É preciso permitir o diálogo, é preciso que as pessoas falem. Muitas vezes, a intervenção do chefe coarta um bocado o debate. Mas deixarmos andar também é uma forma de colher melhor as opiniões das outras pessoas, para no fim do dia fazermos a síntese. É esta a função do chefe. Não é dar as soluções, mas sim auscultar e encontrarmos consenso para fazermos a síntese.

ANG – A UNITA está preparada para a curto ou médio prazo vir a ter um kimbundu como presidente?

PLG – Os critérios de candidatura não têm nada a ver com as origens nem com o estado da pessoa. O que acontece é que num processo de candidatura, o presidente ou o candidato é encarregue de coordenar a actividade do partido. O programa é aprovado pela direcção do partido, mas o jeito de o aplicar – habilidade que não se pode emprestar ao candidato – é nato. Isto é dele, é a sua contribuição. Estamos à procura do cavalo mais poderoso que possa puxar o nosso partido, independentemente da sua origem. Estamos à procura daquele que é capaz de manter o partido unido; que possa emprestar ao partido maior prestígio dentro e fora do país; bem como de alguém que tenha carisma, personalidade, carácter e savoir-faire para levar o partido à vitória eleitoral. E que, sobretudo, inspire confiança aos outros. Portanto, não tem nada a ver com a origem regional ou rácica, muito menos com a fisionomia das pessoas. O que conta na verdade é qual será a figura capaz de trazer uma mais-valia para o partido, trazer mais prestígio de forma a podermos ter cada vez mais membros. Embora o programa seja do partido, a maneira de o executar, a habilidade são dele.

ANG – Mas acerca das competências parece haver no interior da UNITA um problema devido à fasquia elevada deixada por Savimbi. Por exemplo, há quem pense que seria descer de cavalo a burro se Savimbi, que era doutor, fosse sucedido por alguém sem os seus pergaminhos académicos e outras qualidades. Este é um verdadeiro problema?

PLG – Este problema não se tem colocado. A história recente e passada da humanidade demonstrou existirem grandes homens e líderes que aprenderam a experiência do terreno. Foi assim também na UNITA. Eu tenho agora 48 anos e a minha experiência é do terreno. Como muitos outros camaradas, não tive a oportunidade de ir para grandes universidades. Embora tivesse frequentado aqui e acolá, na Europa, várias experiências, não tenho formação superior. Mas este é um falso critério. É importante que se tenha uma qualificação académica, técnica ou profissional, mas o mais importante ainda é a profundidade das convicções e a maneira como somos ou não capazes de gerir o partido. Não queremos é que os dirigentes ponham ou não permanentemente em causa as suas competências. Neste momento há muitos doutores que estão muito aquém de poder assumir responsabilidades a qualquer nível.

ANG – Mas num governo-sombra, se calhar, o critério académico conta muito...

PLG – Por isso mesmo é que para o nosso Comité Permanente, mais do que o critério da representatividade, procuramos seleccionar aqueles que possuem maiores capacidades, que lhes permitam gerir assuntos de carácter público que exijam uma certa qualificação técnica.

ANG – A morte do vice-presidente António Dembo, pelos vistos, também cai no pacote da roupa suja. Há informações de que a versão oficial não corresponde à verdade. Quer comentar?

PLG – Sinto que está bem informado sobre o que se passou na nossa reunião. Fomos nós que enterrámos o vice-presidente. Mas não temos dúvidas que aqueles que conheceram o vice-presidente, bem como os problemas de saúde que ele tinha, sabiam que ele não sobreviveria numa situação de sanções, de isolamento. Logo, eu penso que está tudo em aberto. Vocês são jornalistas, têm o olhar indagador e curioso e o ouvido apurado. Nós não estamos preocupados com uma versão oficial. As pessoas que acompanharam os últimos momentos dele estão aí e podem ser contactadas.

ANG – O senhor está de consciência tranquila em relação a isso?

PLG – Perfeitamente. Quem conhece a geografia do país, quem faz o historial do lugar onde me encontrava e onde estavam o presidente e o vice-presidente só pode concluir isso. A última vez que nos vimos foi no dia 18 de Abril [2001] quando eles ficaram no Moxico e eu fui cumprir a minha missão na área de Kimbango, a sul de Malanje, donde fui chamado em Setembro e cheguei à área do Luvuei em Janeiro, praticamente um mês antes da morte do velho camarada. Assim, não há nenhuma possibilidade material de se fazer uma ligação causa-efeito entre nós e a morte do general Dembo.

ANG – Há alguma verdade quando se diz que a direcção da UNITA, transformada depois em Comissão de Gestão, teria sido aprisionada logo após a morte de Jonas Savimbi? .

PLG – Não. Posso muito bem dizer que não. Penso que vocês estão muito bem posicionados para poderem investigar que nunca fui preso. O primeiro contacto entre nós e o Governo foi no dia 18 de Março, quando uma delegação oficial chefiada pelo comandante da Polícia de Intervenção Rápida e o general Implacável mais o general Samy e o general Kalias tiveram o primeiro contacto. O segundo foi no dia seguinte, com uma delegação dirigida pelo vice-ministro Carlitos e [que também] integrava o general Nunda. Discutimos e encontrámos os caminhos conducentes a um processo negocial. “Nós viemos”, diziam eles, “porque tivemos a informação de que você assumiu a direcção do partido com o objectivo de continuar a ofensiva”, e eu disse: “é invariavelmente o agressor que determina a forma de luta. Se nós formos agredidos, vamos nos adaptar. Se vocês quiserem guerra vão tê-la, e se quiserem negociar, negociarão com homens livres”. Portanto, a partir daí impingimos uma nova dinâmica, uma nova filosofia negocial, com uma nova equipa que trabalhou até desembocar no actual Memorando de Entendimento. Mais verdade e transparência do que isso não podem encontrar.

ANG – Conduziria tudo da mesma forma ou teria de refazer tudo?

PLG – Nas circunstâncias em que nos encontramos e se eu tivesse que refazer esta caminhada teria passado exactamete pelo mesmo caminho. Poríamos exactamente as mesmas pedras. Não poderia fazer outra coisa.

ANG – Foi a paz ou a sobrevivência a determinar o vosso comportamento?

PLG – O que aconteceu é que o nosso Comité Permanente tinha nove membros, dos quais apenas quatro estavam juntos. Mas, de uma maneira ou doutra, fomos felizes porque tive imediatamente o aval dos meus camaradas. E estivemos a analisar durante dias. Examinámos a situação interna do partido sem o presidente-fundador. Examinámos a situação do país, da nossa região e do continente. Vimos as questões dos conflitos e a sua tendência. Vimos a questão internacional com uma agravante: tínhamos fortes sanções. Enfim, vimo-nos numa encruzilhada: o caminho da guerra que nós conhecémos e a guerra de guerrilhas, que podia arrastar-se eternamente, aproveitando um concurso feliz de circunstâncias internas e internacionais a um dado momento. Vejam o Kabila: esperou 30 anos e depois assumiu o poder. Porque as circunstâncias internacionais mudam. A questão que se coloca é o tal momento em que intervém um conjunto feliz de circunstâncias, em que há uma interacção de factores internos e externos. O falecido velho Jonas dizia: “mesmo que você não possa influenciar os acontecimentos, pelo menos esteja presente no Dia D”. Portanto, a guerra de guerrilha pode se eternizar e aproveitar circunstâncias. Mas escutando os discursos que temos escutado em Luanda, pensámos que passarmos por este caminho talvez fosse a melhor opção. Não era a única mas achámos que foi a melhor opção. Por isso, gostaríamos que aos poucos o processo fosse mais transparente e abrangente e menos cansativo.

ANG – Quais são estes pontos menos transparentes?

LPG – Eles estão na gestão e na conclusão da componente militar, nomeadamente a problemática da reinserção social dos ex-combatentes, da inteira responsabililidade do Governo. Depois do aquartelamento, desarmamento e desmobilização, deveria haver a fase da formação técnico-profissional dos ex-combatentes com vista à sua reinserção social digna ou a outorga de fundos e meios capazes de fazer com que cada um, individualmente ou colectivamente, se possa consagrar a uma actividade produtiva. Mas não temos visto nem formação nem meios. Os homens têm sido dispersos cada um à sua própria sorte. Por isso dizemos que seria de todo conveniente que o Governo reassumisse a sua responsabilidade no interesse da paz e da estabilidade.

ANG – E quais são as responsabilidades da UNITA?

LPG – As responsabilidades da UNITA foram imensas, aliás, históricas. Mobilizámos toda a gente, oficiais, generais, soldados, praças, povo para o aquartelamento e para desmilitarmos a nossa organização. E isso foi histórico. Quando fui visitar o aquartelamento da Chipeta, no Huambo, alguns oficiais e generais vieram perguntar-me: “Senhor secretário vai ter o mesmo entusiasmo de Março quando nos mobilizou para aqui?” Eu respondi: “Eu não mudei de opinião, continuo a pensar que fizemos a melhor escolha. Peço-vos serenidade. Peço-vos um pouco mais de sacrifício e coragem. Regresso a Luanda e vou ter com as autoridades”. É com muita pena que devo dizer que que desde Dezembro até hoje – estamos em Fevereiro – nunca mais encontrámos um interlocutor do Governo. É particularmente grave. Desde que o nosso interlocutior se tornou primeiro-ministro, não vimos mais inguém.

ANG – Sendo assim, o que é que se teme em concreto?

LPG – É grave! Isso quando o país e o processo atravessam um momento difícil, senão mesmo crucial. Estamos com a impressão de que só nós é que temos consciência da gravidade do momento. É que nas histórias dos países, momentos como estes não sugem sempre. Devíamos optimizar este momento, em que estamos a viver a fase do fim do conflito armado para nos sentarmos e resolver os nossos problemas. E mais: tenho a impressão que para os dirigentes do Governo bastou a eliminação física do velho Savimbi, bastou a desmilitarização da UNITA e já estão a declarar aos quatro ventos: “a paz definitiva chegou”. Penso que não. Estamos a viver só o fim do conflito armado . Precisamos transformar a paz civil em paz social. Precisamos, a partir de agora, de arregaçar as mangas e construir a paz, darmos um conteúdo à paz. Qual é afinal o conteúdo da paz? É a reconciliação nacional no plano político-institucional. Temos de fazer as nossas escolhas. Afinal, que mais queremos nós do ponto de vista político-institucional? Afinal, quais são as melhores escolhas do ponto de vista económico e social? Fizemos as melhores escolhas em 75? Talvez não. Talvez errámos.

ANG – Não acha que mesmo do seu lado, as visitas aos centros de acolhimento poderiam ser mais frequentes para moralizar as pessoas?

LPG – Temos este programa. Só o interrompémos porque fomos convidados a reduzir o potencial deles. Mas vamos retomar agora.

ANG – Mas a UNITA não pode fazer algo mais para a consolidação da paz em Angola?

LPG – Somos nós quem tem levado a mensagem da paz às províncias, porque o discurso que há nas províncias não é este que há aqui. E as pessoas deviam reconhecer os esforços que temos feito. Nós estamos a apagar o fogo. O discurso daqui é um, nas províncias é outro. Eu fui falar com as pessoas do Huambo e mostrei-lhes a edição do “Angolense” que traz a lista das 59 maiores fortunas deste país. E a resposta foi: “Este mano vai-nos fazer prender!” Eu disse-lhes que não era eu que estava a falar, mas que eram palavras do jornal.

ANG – A UNITA não está a tardar a assumir o seu verdadeiro papel como líder da oposição?

LPG – A UNITA é o maior partido da oposição. Mas a situação actual trouxe consequências sobre as quais precisamos de reflectir muito bem. Perdi o presidente, perdi, pela força do acordo, aquele que sempre foi o nosso suporte físico e moral e perdi capacidade financeira. Ora, perante isso tenho que saber como andar. É por isso que digo que terminou a lógica da confrontação. O boxe terminou, agora temos a lógica da competição. Em termos desportivos diríamos que saimos do boxe para o atletismo.

ANG – Daí a necessidade de pactos de regime?

LPG – Esta expressão está a ser mal interpretada. Há um ditado que diz que quando a corrente está muito forte deixe-se ir com a água e segure-se até um ponto qualquer onde possas encontrar árvores. A política, como se sabe, é a arte de saber andar e há que saber andar nela.

ANG – Mas não lhe parece que existe neste momento um vazio na política da UNITA? Vocês não correm o risco de alienar o vosso espaço para uma terceira vaga?

LPG – Não, não há. Eu prefiro fazer a minha política para poder ser útil do que criar uma associação que de facto não esteja preparada. Neste momento não é necessário criar uma associação de ratos. É preciso ganhar forças.

ANG – Será por essa razão que o Governo-sombra ainda não passou do papel?

LPG – O Governo-sombra vai começar a actuar logo depois desta reunião da Comissão Política que reconstituiu os órgãos e redimensionou toda a estratégia. Portanto, vai haver uma nova dinâmica. Vamos assistir brevemente ao fruto desta reunião da Comissão Política.

ANG – Com que então, vamos ter a memória de Jonas Savimbi perpetuada sob a forma de uma fundação?

LPG – Tudo o que nós quisermos: uma fundação, uma bolsa de estudos na melhor universidade do mundo para o melhor aluno de Angola e não somente da UNITA. Deixe-me lembrar que Savimbi sempre prestou atenção à formação dos jovens. Em 1979, ele pediu ao Marrocos um avião porque tínhamos de pôr fora o primeiro grupo de jovens que hoje são engenheiros, juristas e médicos. E aquela foi uma época em que tudo estava escuro para nós. Esta, segundo o nosso ponto de vista, é uma das matérias sobre as quais o pacto de regime tem de funcionar. Mas gostaria de esclarecer que o pacto de regime resulta da concertação das principais forças vivas da nação. Por exemplo, sendo o petróleo um produto não renovável, como é que estamos a gerir o dinheiro do petróleo? Devíamos investir no factor humano. Da maneira como estamos a gastar o dinheiro do petróleo, dentro de 30 ou 40 anos no máximo já não há mais petróleo e não teremos um quadro formado. Então, Angola será efectivamente um país pobre. Nós queremos a política das grandes escolas, as melhores escolas aqui. Do primeiro nível em diante. Que os melhores professores do mundo venham cá. É fundamental que se definam princípios para um pacto nacional que diga que o angolano tem de ser culto e saudável. Você não pode morrer por não ter dinheiro para uma operação.

ANG – Estas questões seriam melhor equacionadas com a realização de novas eleições. Quando é que a UNITA considera ser a época propícia para as eleições?

LPG – Mais do que o período ideal, pensamos que o importante seria termos noção das tarefas que temos de cumpriir e que façam com que as eleições sejam abrangentes, livres e justas. Onde está a administração? A administração é o esteio de todo o processo eleitoral. Quantos somos nós os angolanos? Vivemos de projecção em projecção há 30 anos, mas ninguém sabe nada. Se houver vontade política, trabalharmos de forma transparente e arregaçarmos as mangas em 2003 todo e fazermos o mesmo em 2004, no fim de 2004 ou no primeiro trimestre de 2005 podemos fazer as eleições. Mas se for eleição para legalizar ou legitimar o grupo que está alí à espera de ser eleito, então pode ser já amanhã. Para nós, eleições são um concurso público para escolhermos dentre vários o melhor construtor do edifício que, todos em conjunto, decidimos estabelecer. Mas tudo o que nós temos hoje é resultado do Comité Central do MPLA, Leiam o discurso de Agostinho Neto aquando da proclamação da independência. Ele proclamou a independência em nome do Comité Central do MPLA. Agora é preciso que faça tudo em nome dos angolanos.

ANG – Este não é o célebre discurso das “causas profundas”?

LPG – As causas profundas são estas três: exclusão, intolerância e injustiça social. Nos outros países, as causas dos conflitos podem ser outras, mas no nosso caso são estas. As regras do jogo agora estão estabelecidas, estão claras. E as regras do jogo só podem resultar desta mesa redonda em que os angolanos, pela primeira vez, deveriam sentar-se para resolver os problemas do país. Na verdade, nós nunca nos sentámos.

Metamorfose de Gato 

O ELIXIR DA JUVENTUDE

O homem a quem o “Angolense” entrevistou nada tem a ver com o “Robinson Crusoe” que os angolanos viram há um ano, durante as negociações que desembocaram no Memorando de Luena. Depois de tão radical metamorfose, Paulo Lukanmba Gato é um outro homem. Física e mentalmente fresco, como se tivesse tomado o tal elixir da juventude, neste trecho da entrevista, o político dá lugar ao homem. O secretário-geral da UNITA, afinal de contas, é um africano que se orgulha de ser bantu e, como tal, polígamo: três mulheres e sete filhos. O jango ficou para trás. Agora tem uma vivenda na Vila Alice.

ANG – Como está a sua vida pessoal e familiar?

LPG – A minha vida pessoal e familiar está equilibrada. Como bom africano que sou, tenho mais de uma mulher. Tenho sete filhos. Estão todos a estudar e penso que vamos evoluir o melhor possível.

ANG – Algumas pessoas não acreditam que o senhor seja o mesmo Lukamba Gato que até há bem pouco tempo estava nas matas. Está com um aspecto mais fresco, saudável e jovial. Tomou o elixir da juventude?

LPG – Tive sérios problemas de saúde, na última fase da guerra, a nível dos rins. Mas consegui ultrapassá-los e sinto-me agora em plena forma. Quando estava no Hotel Trópico beneficiava do ginásio, mas agora tenho uma casa e já comprei um aparelho para me ir exercitando.

ANG – E onde é que mora?

LPG – Vivo na Vila Alice. Partilho uma vivenda gémea com uma ONG.

ANG – Não está a caminhar para o repouso do milionário?

LPG – Não é o nosso caso. Não se fazem 27 anos de maqui para depois ter a mão estendida para receber dólares. Se eu pudesse fazer uma escolha, consagrar-me-ia ao desenvolvimento comunitário. É uma dimensão que me agrada imenso. Quero consagrar-me aos outros, os angolanos da camada mais baixa.

ANG – Define-se melhor como socialista ou capitalista?

LPG – A nossa escola nunca foi capitalista. Se eu fosse candidato à presidência da UNITA iria competir taco-a-taco com o MPLA na Internacional Socialista. Quem é dessa área, somos nós.

Por Severino Carlos

Semanário Angolense

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