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Quarta, 21 Novembro 2018 21:47

“João Lourenço vai mostrar o seu lado autoritário se as suas reformas falharem.” Entrevista a Alex Vines

Do primeiro ano de presidência de Angola resultam sobretudo medidas políticas. Mas que país se segue quando, perante uma economia em crise profunda, falta fazer tudo o resto? Entrevista a Alex Vines.

João Lourenço fará a sua primeira visita oficial a Portugal entre quinta-feira e sábado, 22 a 24 de novembro. A visita acontece pouco mais de um ano depois da sua subida ao poder, altura em que surpreendeu tudo e todos ao afastar uma grande parte do clã de José Eduardo dos Santos de posições estratégicas do Estado angolano. De promessa vaga, o combate à corrupção passou a ser a sua maior imagem de marca.

Mas e o resto? É essa a pergunta de Alex Vines, diretor de investigação para África da Royal Institute of International Affairs, o prestigiado think tank de política internacional mais conhecido como Chatham House. Em entrevista ao Observador, concedida depois de participar na conferência “Angola: que mudança?”, organizada pelo Clube de Lisboa e pela União das Cidades Capitais Luso-Afro-Américo-Asiáticas (UCCLA), Vines explica que o poder de João Lourenço está agora consolidado — mas que o futuro de Angola, com a economia numa profunda crise e a viver um momento de explosão demográfica, depende das reformas que o Presidente vier a implementar.

Como caracterizaria as mudanças que João Lourenço já levou para a frente: substanciais, tímidas ou cosméticas?

As reformas foram sérias, mas também políticas. João Lourenço começou pelas reformas mais fáceis. Por exemplo, atingindo a família de José Eduardo dos Santos e criando o respaldo legislativo para as reformas que ele está a planear. Ele nunca poderia ter um processo robusto de reformas sem antes consolidar o seu poder através da subida à liderança do MPLA, que já aconteceu. Agora que ele é o Presidente do país e do MPLA, está finalmente em posição para levar para a frente um conjunto mais sério de reformas.

Na apresentação que fez na conferência, apontou para uma grande concentração de poder em torno da figura de João Lourenço. Isto acaba por contradizer a ideia que alguns têm promovido, de agora haver uma Angola mais aberta e democrática após quase quatro décadas de José Eduardo dos Santos. Isto quer dizer que o poder apenas mudou de mãos?

Depois de conseguir a presidência do partido, João Lourenço passou a estar numa posição de força. O mais provável é que não tenha havido um Presidente de Angola com tanta força desde 2002 ou 2003, com José Eduardo dos Santos logo após a guerra. Nos próximos dois anos é que veremos se as reformas continuam, mas também vamos ver se João Lourenço promove a construção de instituições que possam servir de peso e contrapeso ao poder. Se as reformas resultarem, acredito que vai haver mais espaço para a democracia em Angola. Se as reformas falharem, João Lourenço vai mostrar o seu lado autoritário para responder a esse mesmo falhanço.

O que é que João Lourenço pretende exatamente com estas medidas? É uma maneira de puxar para si o poder, ao mesmo tempo que tenta agradar a alguns setores da população?

Nos últimos anos da administração de José Eduardo dos Santos, a família do ex-Presidente tornou-se demasiado predominante na economia angolana. Atingir alguns deles é uma reforma fácil, porque eles não têm apoio do MPLA e a classe média está muito desagradada com eles. Isto eram as reformas fáceis. João Lourenço foi tão político como foi pragmático, porque o que ele queria era ganhar apoio para o MPLA, especialmente entre a classe média, onde o MPLA não tem garantias de lealdade. Nas zonas rurais, é a política rural que impera — os sobas decidem como é a política e o MPLA não se preocupa mais. Mas nas zonas urbanas e periurbanas, o MPLA tem de voltar a criar laços.

Entre as reformas que considera necessárias para Angola, quais acredita serem viáveis e aplicáveis?

A economia é absolutamente incontornável, por isso é preciso, antes de tudo, criar confiança no meio empresarial. Atrair mais investimento para a indústria petrolífera, atrair mais investimento para as minas e para a agricultura. Duvido que o turismo venha a ser, tão cedo, uma grande fonte de rendimento para Angola. Mas trata-se de diversificar a economia para lá da dependência do petróleo.

E quem é que investe?

Os investidores estão a olhar para Angola e um dos sinais disso é que a emissão de dívida angolana em euros teve uma procura três vezes superior à oferta. Existem também grupos que querem fazer investimento diretamente no país e que estão à procura de oportunidades em Angola. Mudar o ambiente de negócios é muito importante. Facilitar o acesso a vistos foi uma boa ideia e será bom se houver mais transparência e facilidade no processo de registo de empresas. Tudo isto são bons primeiros passos. Mas João Lourenço vai ter de demonstrar consistência, caso contrário os investidores vão-se embora para outro lado qualquer.

É preocupante para os investidores ocidentais o facto de a China investir tanto em Angola?
A China tem sido a maior fonte de exportações angolanas, que consistem em petróleo. Também é o país que mais empresta dinheiro a Angola. A economia de Angola é muito dependente da China. A administração de João Lourenço está a tentar diversificar [o investimento] para lá da China de forma a minimizar essa dependência. E os próprios chineses provavelmente sentem que se colocaram numa posição de sobre-exposição a Angola. Daí que da viagem que João Lourenço fez recentemente à China não tenha resultado um empréstimo da amplitude que Angola queria. Dois mil milhões não era certamente o que eles queriam.

A China também já está a recuar, de certa forma.
Bom, os chineses disseram que os 2 mil milhões teriam de ser usados em parte para pagar as enormes dívidas de Angola a empresas chinesas. Além de agora haver condições para esses empréstimos, as condições são de tal forma que nunca tínhamos visto antes.

Algumas das reformas que têm sido propostas para Angola a partir do exterior são difíceis de vender à população, que por sua vez é cada vez mais jovem. Em Luanda, há um crescimento tremendo de uma juventude que é tendencialmente mais informada e que também pode revoltar-se até um certo ponto. Esta é uma das razões para o MPLA quase ter perdido Luanda nas eleições presidenciais. Como é que acha que estas reformas podem ir para a frente perante esta possibilidade de descontentamento?
É precisamente por isto que a Angola urbana é uma grande preocupação para o MPLA. A população vai aumentar de forma dramática nos próximos anos. Isto é um enorme problema. Ainda não sei se o MPLA tem estômago suficiente para as reformas a longo prazo que são verdadeiramente necessárias para transformar um Estado patrimonial num Estado mais competitivo. Mas essa é a única solução para Angola que, com o aumento da população, vai ter uma pressão cada vez maior para que haja emprego e melhores serviços. Como referiu, o MPLA quase perdeu Luanda. A Angola urbana está no centro de toda esta questão.

Mas como é que se fazem estas reformas quando mal se pode falar de uma economia de serviços em Angola?Com educação e com melhor prestação dos serviços. Tudo coisas que precisam de ser melhoradas gradualmente. E trata-se também de encontrar outras partes na economia que possam verdadeiramente crescer. Repare, nós estamos a viver num período de muitas incertezas, porque não é sequer certo qual é o papel de Angola na cadeia global de abastecimento. Uma coisa é garantida: o petróleo e o gás natural vão continuar a ser elementos-chave no consumo de energia até 2050. Essa conversa de que o petróleo está em decadência não é correta. O petróleo vai continuar ser uma grande parte da economia global, a não ser que surja uma inovação tecnológica da qual não temos qualquer conhecimento. Portanto, energias como a solar, eólica e outras renováveis vão entrar na equação, mas o que todas as projeções apontam é que o petróleo e o gás vão continuar a ser cruciais. Desta forma, acho que é correto a administração de João Lourenço procurar uma extensão do tempo de vida dessas indústrias para ao mesmo tempo usar os seus dividendos para investir na diversificação da economia, apostando em áreas como a agricultura, o turismo e outras indústrias.

Estamos a falar a longo prazo, portanto.
A longo prazo, sim. Mas a visão de João Lourenço tem em conta dois mandatos. Tudo isso depende de uma maioria genuína e forte do MPLA em 2022 [ano das próximas eleições gerais angolanas] — as questões mais antigas, que foram herdadas, ficam para esse segundo mandato. Observador

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