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Quinta, 23 Agosto 2018 17:06

João Lourenço diz que em 11 meses foi feito "mais do que era esperado"

Em entrevista exclusiva à rádio Deutsche Welle (DW) África, o Presidente angolano, João Lourenço, reafirma que o Governo vai continuar imparável no combate à corrupção, e que, em 11 meses de governação, fez mais do que era esperado, com um "conjunto de medidas corajosas".

Senhor Presidente, muito obrigado pelo tempo que disponibilizou para a Deutsche Welle (DW). Começava por lhe perguntar, depois desta visita aqui na Alemanha, o Senhor Presidente como pensa que Angola e Alemanha vão reforçar essa cooperação?

Depois desta visita de dois dias à República Federal da Alemanha, ambos os países pensam reforçar os níveis de cooperação económica, aumentando o investimento privado alemão em Angola, aumentando o financiamento alemão para o Estado angolano, para poder realizar investimentos, sobretudo, na área de infra-estrutura. E é desta forma que nós pensamos dar continuidade à nossa boa cooperação.

Que acordos foram assinados nesta visita?

Acordos, propriamente ditos, não foram assinados nenhum. Foram assinados alguns memorandos de entendimento. Mas o que devo dizer é que do encontro que mantive com a chanceler federal Angela Merkel, ontem, e do encontro demorado que mantive esta manhã com o Presidente Frank- Walter Steinmeier, em qualquer um deles recebemos garantias de todo o apoio do Governo alemão às empresas alemãs. Quer aquelas que já lá estão, quer aquelas que participaram no Fórum Empresarial que teve lugar ontem e que tive a oportunidade de fazer abertura, manifestaram o interesse de ir para Angola.

Sai da Alemanha com perspectivas de negócios entre Angola e a Alemanha?

Sim. Saímos com coisas muito concretas, palpáveis. De referir que, para além do Fórum Empresarial que eu ontem me limitei a abrir - deixei os ministros a trabalhar o dia todo com os empresários alemães - à noite fomos obsequiados com um jantar de trabalho, que reuniu 20 das maiores empresas alemães, não só das que já estão a operar em Angola, quer de algumas que manifestam a intenção de o fazer. Portanto, neste jantar de trabalho vimos com algum pormenor projectos nas áreas de energia, transportes sobretudo, agricultura e outras.

Pediu também, esta quarta-feira, aos investidores alemães para ajudarem a proteger a costa angolana, nomeadamente para o fornecimento de embarcações de guerra e meios electrónicos. Acha que Alemanha vai ajudar neste sentido, tendo em conta as críticas face à proposta de venda, em 2011, de barcos-patrulhas?

Estive aqui, em 2014, na condição de ministro da Defesa e, nessa altura, procuramos conseguir a aquisição destas embarcações a partir daqui da Alemanha. Bom, por razões de diversa ordem, sobretudo, aquando da conjuntura interna alemã e da própria União Europeia, não foi possível naquela altura, mas estamos absolutamente convencidos de que os constrangimentos que existiam naquela altura foram ultrapassados. A própria chanceler federal, Angela Merkel, ontem, na conferência de imprensa depois do almoço de trabalho que tivemos, fez referência a isso sem receio absolutamente nenhum das reacções que a imprensa pudesse ter. Significa que os constrangimentos do passado estão ultrapassados e o Estado alemão vai apoiar os estaleiros navais que eles vão oferecer a Angola.

Falando do ambiente de negócio em Angola, muito se falou disso também nesta visita e a empresária Isabel dos Santos disse recentemente que Angola é pouco atractiva para os investimentos estrangeiros e citou a falta de divisas. O que pensa sobre essa crítica?

Eu não queria entrar em mesquinhices deste tipo para uma cidadã que, sendo nacional, desencoraja o investimento para o seu próprio país. É o único comentário que tenho a fazer. Muito obrigado.

Senhor Presidente, disse no Parlamento Europeu, em Julho, que Angola estava numa cruzada contra a corrupção e a impunidade. Quais serão os próximos passos nesta cruzada?

Os próximos passos é seguir a mesma trajectória que já foi delineada, traçada. Sabe que nesta luta há acções que dependem não apenas do poder político. O poder político está a fazer a sua parte. Há outra parte que depende dos cidadãos que devem denunciar, e há uma parte muito importante em qualquer democracia que depende da Justiça. E aí não posso interferir e dizer exactamente o que a Justiça vai fazer. Só sei dizer que alguns casos já estão com a Justiça. Sobre qual será o desfecho daqui para frente só eles poderão dizer.

Prometeu também no Parlamento Europeu que em breve se iriam sentir os resultados positivos desta cruzada contra a corrupção. Para quando estes resultados?

Já começamos a sentir. Como consequência das orientações que nós demos, enfim da coragem que demonstramos em levar a cabo esta luta que não é fácil - porque sabemos que do outro lado há quem esteja interessado a desencorajar-nos em querer levar-nos a desistir, o que não vai acontecer -, mas, pelo facto de a comunidade internacional ter constatado já que o que nós dissemos é para levar a sério, não é brincadeira nenhuma, começamos já a receber os sinais positivos disso, a tal ponto que nós só conseguimos a emissão dos eurobonds; como conseguimos mais recentemente - pelo menos está anunciado e houve a reacção positiva do outro lado - o acordo de financiamento do Fundo Monetário Internacional a Angola. Portanto, isso só acontece quando há o reconhecimento de que há um progresso real num conjunto de medidas e não apenas no combate à corrupção, mas outras medidas que levam estas instituições internacionais a acreditar em Angola.

Falou do apoio do FMI, por que agora o apoio é financeiro e não apenas a assistência técnica como estava previsto?

Angola é membro destas instituições, as chamadas de “Breton Woods”. Nós pagamos quota quer ao FMI, quer ao Banco Mundial e, portanto, é absolutamente justo que também possamos beneficiar dos financiamentos em condições boas que o Fundo oferece aos Estados que a ele recorrem. Portanto, vamos beneficiar deste financiamento em condições que são melhores do que o crédito de outros bancos comerciais. Vamos ganhar com isso. Não temos receio. Sabemos que, quando se fala do Fundo Monetário Internacional, tem-se a ideia de que é um bicho papão, que é preciso ter cuidado. Depende. Os programas do Fundo Monetário Internacional não são todos iguais. Nós não estamos a falar de um resgate a exemplo do que se passou com alguns países europeus nomeadamente Portugal e Grécia. Não é disso que se trata. É um outro tipo de ajuda financeira que não tem a gravidade de um programa de resgate.

O que espera das negociações com o FMI marcadas para Outubro?

O que esperamos é a consolidação deste casamento, se assim posso dizer, desta nova Angola e essa instituição financeira internacional, o FMI. Aliás, acrescentar que não só teremos essas conversações em Outubro, como conto receber a presidente do Fundo Monetário Internacional, em Luanda, no próximo mês de Dezembro.

Em Março, uma consultora aplaudia as reformas que tem feito, por exemplo as mudanças nas nomeações de alto nível. Mas fazia ao mesmo tempo um alerta: dizia que a capacidade do Governo implementar com sucesso as medidas que se propõe é incerta. Por isso pergunto: o governo conseguirá implementar as reformas?

Está a se a referir a que tipo de reformas? Políticas, económicas…? Qual delas? Todas no Geral? Sim vamos conseguir. Estamos convencidos que sim, porque senão já teríamos desistido. Se não o fizemos é porque acreditamos no sucesso destas medidas. É evidente que se costuma a dizer que não há parto sem dor. Estamos dispostos a sentir a dor até que o bebé nasça.

O repatriamento de capitais já começou?

Não e nem podia ter começado porque a lei estabeleceu um prazo que só vence no final do ano, em Dezembro. Antes deste período, não é de se esperar que comece.

Estão previstas reformas mais abrangentes, profundas nos sectores que já falamos, por exemplo, na facilitação do ambiente de negócios?

Vamos descobrindo cada vez mais a necessidade de mexer aqui, mexer ali. Mais recentemente tomamos uma medida que consideramos profunda que é a criação da Agência de Petróleo e Gás, que vai separar a Sonangol em duas cabeças. A Sonangol vai deixar de ser, como se costuma dizer, árbitro e jogador. Há uma que vai ter uma missão específica de se preocupar com a produção quer do petróleo, quer do gás, quer da refinação, e outra que terá a função de agência. Esta foi a medida mais recente que tomamos, mas acredito que outras virão.

O FMI disse em Junho na sua avaliação anual que o dinheiro para a educação não chega. Disse também que é preciso uma fatia maior do orçamento para combater as desigualdades sociais em Angola, e muita gente espera mudanças neste domínio. O que está a ser feito para combater a pobreza no país?

Para combater a pobreza no país é necessário um conjunto de medidas e não apenas uma. Uma delas é a aposta na educação e nós estamos atentos a isso. Queremos melhorar a qualidade de ensino. Foram abertos concursos de admissão de professores para Educação. O mesmo se passa na saúde. Portanto, estamos a prestar uma atenção particular ao sector social: educação e saúde. Precisamos investir mais em infraestruturas para que elas cubram a totalidade do país. Investir mais no homem, no professor, no enfermeiro, no médico. Isso vai sendo feito. Nós estamos em véspera de aprovar, ou preparar para logo a seguir ser aprovado o OGE para o próximo ano, e acreditamos que este orçamento vai reflectir um pouco a importância que damos a estes sectores. Para além disso, combater a pobreza, combate-se com mais produção de bens essenciais à população. Estamos preocupados em capacitar o sector empresarial privado, não só para aumentar a oferta de bens e serviços, mas sobretudo também para garantir maior oferta de emprego para a nossa população, os jovens em particular.

No próximo orçamento vai haver mais dinheiro para a Educação, mais dinheiro para a saúde?

Sim com certeza.

Houve recentemente um caso descrito como a execução sumária de um cidadão que foi filmado a ser atingido por um agente dos Serviços de Investigação Criminal. O Ministério do Interior decidiu responsabilizar este agente criminal. Há novidade deste caso? O que é que o Governo está a fazer para evitar que casos como estes não se repitam?

Este caso em concreto está entregue à Justiça. Há outros casos. Já há um caso recente de um agente do SIC que foi condenado. Não me refiro a este. É um caso mais antigo. Em relação a este, o processo está a decorrer os seus trâmites junto das instâncias competentes. Portanto, vamos aguardar. Não tenho outros comentários a fazer.

Em Janeiro deste ano, a FLEC lamentava da falta de mudança em Cabinda com o novo Governo angolano. Como vê a situação de Cabinda?

Vejo a situação de Cabinda com tranquilidade. Às vezes há… ou procura-se fazer muita tempestade num copo de água. De que nos acusam não sei. A gente para responder tem que responder a questões muito concretas. O que se passa em Cabinda? Que mal o Governo fez em Cabinda e contra o povo que reside em Cabinda? Que me digam. Estou disposto a responder. Agora falar assim no ar o caso Cabinda, o caso Cabinda, não é nada.

Ainda em Agosto, a FLEC falava em intimidação, repressão, prisões arbitrárias…

As pessoas têm nomes. Prisões arbitrárias? Citem nomes de pessoas. As acusações são feitas contra pessoas. Se há esses casos citem-me. Houve no passado o caso de um padre, creio, de Cabinda que esteve detido e depois foi solto, hoje até meteu-se na política, acabou por ser eleito deputado, está no Parlamento, e é alguém que tem nome. É um caso concreto. Agora falar no ar, eu também não posso responder.

Falando sobre a situação no Congo, neste momento, foi também um ponto que abordou com a chanceler Alemã. O Presidente anunciou que não vai concorrer nas próximas eleições de Dezembro. Espera mudanças na República Democrática do Congo?

Nós esperamos. Vamos ser optimistas, temos de ser optmistas. Em princípio há garantia de que a 23 de Dezembro do corrente ano vai haver as tão esperadas eleições que deviam ter sido realizadas já há algum tempo. Costuma-se dizer “antes tarde do que nunca”. Vão acontecer com novos actores políticos. O Presidente Kabila cumpriu com a Constituição, com os acordos de S. Silvestre assinados com a oposição e com a mediação da Igreja Católica. Agora só temos que desejar que o processo corra dentro da maior tranquilidade. Um dos factores que podia concorrer para a falta de tranquilidade já foi removido. Seria o caso do Presidente Kabila candidatar-se. Ele foi suficientemente inteligente para não afrontar a Constituição, a Lei e o povo congolês. Nós só temos que aplaudir. Mas falando da RDC, a sua situação não se resume à realização das eleições. A RDC vive uma situação de instabilidade séria, sobretudo nas províncias do leste do país, nos Kivu Norte e Sul, no Ituri e que ameaça não só o próprio povo congolês, como cria uma situação de instabilidade nas fronteiras, porque gera um número elevado de refugiados que acabam por encontrar apoio, guarita nos países vizinhos nomeadamente no Ruanda, Uganda, e de alguma forma em Angola. E isso ao longo dos anos tem vindo a preocupar os países vizinhos e com razão. É uma situação que não se vai resolver de um dia para o outro, se tivermos em conta que temos uma missão das Nações Unidas no Congo Democrático que é das mais antigas do planeta, que já lá está umas quantas décadas. Há uma brigada internacional de forças de três países da SADC, nomeadamente da África do Sul, Tanzânia e Malawi que ajudam esta missão das Nações Unidas e o exército congolês a combater os rebeldes. Até aqui não temos tido sinais. Embora haja alguma melhoria, a situação de instabilidade continua.

Neste aspecto, o que falou com a chanceler alemã Angela Merkel?

O que falamos é precisamente desta preocupação que persiste da parte dos países vizinhos e da comunidade internacional. O mais grave é que, no meio destes movimentos rebeldes que operam no leste da RDC, surgiu um novo, com características mais preocupantes. Pelos nossos dados, é um movimento que está ligado ao fundamentalismo islâmico. Por outras palavras, está ligado ao terrorismo e isso com certeza é um factor de preocupação.

Uma última pergunta, faz um ano esta quinta-feira que o MPLA venceu as eleições e que foi eleito como Presidente. Conseguiu fazer tudo o que queria fazer até aqui?

Em 11 meses - tomei posse em Setembro, um mês depois das eleições -, não é possível fazer o que deve ser feito num mandato de cinco anos. Considero, modéstia à parte, que em 11 meses muito foi feito. Pode mesmo dizer-se, mais do que era esperado. Há um conjunto de medidas corajosas que uma boa parte das pessoas pensava não ser possível fazer neste período inicial de arranque do meu mandato. Talvez esperassem que acontecessem no terceiro ano de mandato. Felizmente, consegui fazer com sucesso nestes 11 meses.

Senhor Presidente, muito obrigado pelo seu tempo.

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