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Domingo, 11 Março 2018 14:09

A escolha entre o Estado de Direito e a “instituição” corrupção

Nunca o país se viu confrontado com tantas notícias, informações sucessivas e casos  aparentemente escandalosos de posses e supostos desvios de dinheiros públicos, que envolvem pessoas endinheiradas, maior parte delas politicamente expostas, e que tem levado as instituições a reagirem como deviam e podem.

Por Faustino Henrique

E grande parte da sociedade continua a questionar-se, por via de debates nas comunidades, conversas de café e inclusive confabulações nas viaturas de táxi, até aonde chegamos com todos estes casos, numa altura em que uma das grandes lições que todo o mundo espera é, obviamente, o papel das instituições do Estado.  Além da questão segundo a qual porque é que apenas agora algumas das instituições do Estado, nomeadamente a Procuradoria-Geral da República, parecem dispostas e comprometidas a fazer alguma coisa quando existiu sempre, em maior ou menos dimensão, grande parte das denúncias, informações ou casos  como os actuais ?

Afinal, quem é que não se lembra quando os órgãos de comunicação nacionais e estrangeiros faziam permanente alusão ao então denominado “Triângulo das Bermudas”, uma designação pejorativa que nos anos Noventa servia para descrever as gritantes e recorrentes discrepâncias entre as contas do trio formado pela Sonangol, BNA e o Tesouro ?

Provavelmente, não haverá tanto de novo nestes casos que envolvem possíveis desvios de fundos em que o principal lesado foi e tem sido o Estado, mas obviamente que as instituições têm de começar de algum lado, em algum momento. Não é segredo para ninguém que, hoje mais do que ontem, as condições e compromissos para combater males como a corrupção, o nepotismo, o tráfico de influência, cresceram a uma velocidade que torna praticamente insustentável governar acompanhado daqueles entes perniciosos.

A perda do medo de falar, a ajuda das redes sociais e a sensibilidade para com os casos de corrupção, ao lado do cerco cada vez mais apertado para escamoteá-los, tornaram tais casos como um mal a evitar obrigatoriamente. O combate à corrupção não é moda. Está a transformar-se, isso sim, numa necessidade  vital que os Estados, sobretudo aqueles em vias de desenvolvimento, experimentam para limparem a imagem, tornarem-se transparentes, continuarem a captar investimento e desenvolverem-se.  E não há muitas opções, nem as instituições podem fazer de conta porque, na verdade, nenhum Estado pode ser ao mesmo tempo de Direito Democrático e minado pelo cancro da corrupção. Pode-se dizer, sem exagero que em  Angola, sobretudo desde há seis meses, assiste-se a uma espécie de transição daquele último para a efectivação plena do primeiro. E o que ocorreu e ocorre nestes últimos dias, com cenas que levaram já instituições como a PGR a reagir, pode ser o prenúncio de dois cenários possíveis, que alimentam conversas, debates e reacções a vários níveis.

Obviamente que numa conjuntura como esta, ninguém pretende acreditar que o primeiro dos cenários tenha como substrato mero mise-en-scène institucional com a abertura de inquérito por parte da PGR, com a promessa de divulgação dos seus resultados nos próximos tempos. Nem o tempo é favorável a esse tipo de exercício cujo preço político pode ser demasiado oneroso. 

Outro cenário, o mais esperado e corolário de uma eventual fractura, ainda que embrionária, entre o Estado de Direito e a “instituição” chamada corrupção, passa pela firme e decidida responsabilização criminal e/ou civil de pessoas, não importa de quem se tratem, implicadas em actos que lesaram o Estado em milhões e milhões.

É muita fumaça para não haver fogo, desde ao inquérito instaurado em virtude das autoridades britânicas terem detectado tentativa de movimentação ilegal de 500 milhões de dólares da conta de uma empresa-fantasma, a Mais Financial Services, no Crédit Suisse de Londres e posterior transferência para conta de um privado, ao inquérito dos 38 milhões de dólares movimentados pelo demitido Conselho de Administração da Sonangol, passando pelo actual caso dos 50 mil milhões de dólares que envolve alegadamente altas patentes das forças armadas e a famigerada UTIP (a tal Unidade Técnica de Investimento Privado), que quase caucionou a burla ao Estado angolano. Curiosamente, alguns destes casos que envolvem entidades, singulares ou colectivas, angolanas e estrangeiras, quando descobertos e levados aos tribunais, aquelas últimas enfrentam as barras da justiça e aqui nada sucede à contraparte angolana.   

Além da questão que se levanta sobre se pretendemos que Angola continue a existir entre o desejado Estado de Direito e a "instituição" chamada corrupção, será essa a mensagem que pretendemos levar lá fora do país que temos ? A bola não está do lado da sociedade, dos activistas ou das ONG, mas das instituições, sobretudo do poder judicial, que não pode perder essa e outras oportunidades para fazer prova da razão de ser da sua existência. JA

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