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Segunda, 18 Novembro 2013 19:42

A autonomia do MP e os inquéritos a altas figuras angolanas

É preciso que à autonomia formal se some a autonomia de carácter dos próprios magistrados do MP

No despacho de arquivamento, proferido pelo procurador do MP, num dos inquéritos instaurados a altas figuras de Estado angolano, consta um comentário onde se afirma esperar que o arquivamento possa contribuir “para o desanuviar o clima de tensão diplomática entre Portugal e Angola”.

Por Narciso Machado

O procurador do MP “espera que a sua decisão “venha contribuir para o desanuviar do clima de tensão diplomática que tem ensombrado com mal-entendidos a amizade entre os dois povos irmãos, permitindo, conforme decorre de requerimentos apresentados, a realização de encontros e cimeiras sem estigmas infundados, numa reciprocidade de “bom senso”.

Estas considerações à margem da matéria técnico-jurídica, além da violação dos rigorosos critérios de objectividade e legalidade, revelam uma preocupante falta de autonomia do MP, perante os referidos processos. 

No exercício da acção penal, como constitucionalmente se determina, o MP não poderá obedecer a outros comandos que não os que dimanam da própria lei e lhe sejam impostos pela sua consciência ética e profissional. Ao estruturar o MP, o legislador constitucional de 1976, assegurou-lhe as condições necessárias ao exercício autêntico e livre das funções que lhe cometeu: muniu-o da necessária autonomia face ao poder político e económico, como única garantia que sua missão, no âmbito da acção penal e representação do Estado, será cumprida com exactidão e objectividade, sem que os magistrados possam ser “tolhidos” por pressões directas ou indirectas ou solicitações dos que possam ter a tentação de fazer uso dessas pressões. Mas, para que o corpo do MP possa inspirar confiança à sociedade não basta a lei subtrair os magistrados do MP à influência do poder político e económico. É preciso que à autonomia formal se some a autonomia de carácter dos próprios magistrados do MP.

Há fortes razões para que os cidadãos, legitimamente, solicitem da justiça aquilo que incumbe à justiça, pois não sendo os magistrados os autores das leis, são eles que a aplicam. Mas, nada vale denunciar a crise das estruturas ou carência de meios, se não denunciarmos também a crise dos homens que servem a justiça e os que politicamente têm o dever de assegurar a independência dos magistrados, a sua isenção, a sua competência, a sua eficiência e a sua autoridade.

Juiz desembargador jubilado

Publico.pt

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