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Domingo, 26 Outubro 2014 00:03

Não há como nós para dar lições

A 16 de outubro, a Assembleia Geral da ONU escolheu cinco dos membros não permanentes do Conselho de Segurança para o biénio 2015-2016. Nada de muito especial, para quem conheça os rudimentos da composição daquele órgão das Nações Unidas e tenha algumas ideias sobre as competências que lhe estão cometidas.

No entanto, desta feita, há algumas coisas a assinalar. É que Angola foi eleita membro não permanente do Conselho de Segurança. E, em segundo lugar, foi eleita com uma votação impressionante.

O facto de Angola ter sido eleita para um dos lugares do grupo africano seria sempre notícia, por todas as razões. Traduz, antes do mais, a competência e o cada vez maior profissionalismo da diplomacia angolana, que tem evoluído à frente dos nossos olhos sem que a maioria disso se aperceba. Representa, em segundo lugar, o peso crescente do Estado angolano no contexto internacional (mais geral) e africano (mais em particular), onde vai exercendo influência de forma descomplexada.

Mas o segundo aspeto que merece nota nesta eleição é a sua amplitude. De entre todos os países candidatos, Angola foi aquele conseguiu o maior número de votos favoráveis: 190, de entre um universo eleitoral de 193 estados. Todos foram eleitos, com maior ou menor dificuldade (Espanha, por exemplo, teve de ir a "desempate" com a Turquia). Mas, não tenhamos dúvidas, 190 votos não teriam sido possíveis ainda há quatro ou cinco anos, o que reforça o seu valor fortemente simbólico.

A forma como olhamos Angola tem mudado nos últimos tempos, e é bom que mude ainda algo para que o resultado da observação não fique desfocado. Bem sei que Angola foi nossa colónia, e centenas de anos de domínio não se esquecem de um dia para o outro no subconsciente coletivo. Bem sei que, embora não o queiramos assumir, Angola foi sempre a nossa joia da coroa, roubando a designação com que os britânicos rotulavam o seu império na Índia.

Não ignoro, também, que todo esse passado comum em posição de superioridade inculcou em muitos, queiram reconhecê-lo ou não, um sentimento estranho de orfandade quando pressentiram que Angola tinha atingido a idade adulta e, essencialmente, desde há uns anos não precisa de nós para nada, precisando nós deles. Esse facto, creio, continua a influenciar o nosso juízo. Somos mais críticos em relação a Angola do que em relação a outros países relativamente aos quais teríamos, com certeza, de ser muito mais críticos, em matéria de organização económica como de direitos humanos.

Assumimos (alguns) uma posição algo paternalista relativamente aos assuntos angolanos, mais ou menos como aquela velha condessa arruinada que, sendo ajudada na dificuldade pelo antigo caseiro, estranha o facto de ele não se curvar, venerando, a cada observação que lhe faz.

Esquecemos (alguns) que Angola é independente há menos de quarenta anos e que no território houve guerra colonial e uma guerra civil das mais terríveis que conheceu o século XX e que aliás só terminou já estávamos entrados no século XXI. Falamos de cátedra de corrupção e nepotismo, invocamos a nossa antiguidade e a nossa democracia, e esquecemos que, vistos do lado de fora, os casos do BPN, do BES e quejandos não transmitem assim uma ideia muito brilhante a quem nos observa. Falamos de ausência de democracia, e esquecemos que ainda há dois anos houve eleições gerais que todos os observadores consideraram de excelente qualidade. Se esse facto for invocado, logo vem a resposta de que até pode ter sido assim, mas há isto, e há aquilo e aqueloutro.

Por vezes, pergunto-me se não nos custará estar na mó de baixo e ver investimento angolano a ajudar a que as (nossas) coisas aguentem. Pergunto-me se não estamos ainda marcados por um passado de que temos dificuldade em libertar-nos. Mas, aí, só posso exprimir uma opinião: é bom que nos libertemos, porque Angola, não tenho dúvidas, já se libertou.

Então, não podemos criticar? Podemos, para isso é que serve a liberdade de expressão e de opinião. Mas talvez não nos fique mal, por uma questão de equilíbrio, comparar o tempo que tivemos para construir o nosso destino coletivo com aquele de que dispôs Angola: desde a sua existência, tem mais ou menos 12 anos de paz no ativo. E nós, com centenas de anos nas costas, teremos feito assim tão melhor?

É por isso, por exemplo, que entendo que o investimento estrangeiro que venha será sempre bem-vindo, se vier por bem. Mas não levem a mal: a poder escolher, prefiro investimento angolano. São muitos anos juntos.

Por, Azeredo, Lopes, Professor, Universitário

JN

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