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Segunda, 01 Junho 2020 11:00

Angola: A falsificação da Democracia num Estado Banditizado

Na data em que escrevo o presente texto, 31 de Maio de 2020, assinalam-se 29 anos desde que os Acordos de Bicesse foram assinados pelas duas partes da guerra civil (Governo-UNITA) que irrompeu com a fundação do Estado angolano. Uma guerra tão antiga quanto o Estado.

Os Acordos, rubricados na localidade de Bicesse (Conselho de Cascais), foram o instrumento político-jurídico que estabeleceu o armistício e a institucionalização da democracia. A República Popular de Angola (de inspiração comunista) deu lugar à República de Angola (de inspiração democrática). Com o descalabro eleitoral de Setembro-Outubro de 1992, seguiram-se o Protocolo de Lusaka de 1994 e os Acordos de Luena de 2002.

Transcorridos 29 anos sobre o Bicesse, 25 anos sobre o Lusaka e 18 anos sobre o Luena, o Estado Democrático e o Estado de Direito em Angola são uma miragem, ou seja, no plano formal, Angola é um Estado democrático de direito, mas, no plano factual, da realidade, a democracia angolana anda falsificada e o Estado foi banditizado.

O MPLA, no poder desde 11 de Novembro de 1975, é um partido que sofre de um execrável Complexo de Messias, pelo qual passou a ver-se como salvador e proprietário de Angola. Entranhou-se nela e, assim, Angola é refém do MPLA. Tornou-se o Partido-estado.

Faz-se, assaz, necessário compreender que o MPLA é na verdade a máquina através da qual o grupo hegemónico controla o País e o gere em função dos seus interesses e desejos. Dito de outro modo, a velocidade com que Angola se move depende da vontade do grupo hegemónico. É um grupo, e não apenas um indivíduo.

O MPLA, por natureza, não é compatível com a democracia nem com uma governação baseada na lei. Isto deve-se ao facto de ser uma agremiação cuja génese política é comunista. A História do século XX deixa claro que, sempre que um partido comunista assumiu o poder, tiveram lugar nos instantes seguintes ocorrências como estas: (1) instauração de um regime comunista; (2) proscrição de todos os outros partidos e associações civis; (3) planificação da economia; (4) identificação, perseguição, detenção, tortura e assassinato de indivíduos que se posicionem contra o regime e o sistema ou de que se presuma oposição, incluindo membros do partido no poder, e as vítimas mortais podem chegar a dezenas ou milhões. Assim procederam o Partido Bolchevique (na Rússia), o Partido Comunista da Coreia do Norte, o Partido Comunista da China, o Partido Comunista do Vietname, o Partido Comunista de Cuba etc.

Deve ser notado que, em Angola, a tragédia do 27 de Maio de 1977 foi um exemplo de como a chegada ao poder de um partido comunista é sempre perniciosa. É nefária.

Os partidos comunistas, por serem antidemocráticos, acabaram todos por desaparecer com o advento da democracia, com excepção daqueles que se adaptaram ao novo contexto, mas sem realmente deixarem de ser comunistas. É o caso do MPLA, que, perante um mundo em mudança onde o comunismo estava a ser varrido em dezenas de antigos países comunistas, não teve opção senão aceitar a abertura de Angola nos termos dos Acordos de Bicesse.

  1. A subversão da democracia

A democracia em Angola não teve o seu curso normal. Ou seja, foi sequestrada e falsificada pelo MPLA. Mal foi instituída, em sede dos Acordos de Bicesse de 1991, e consagrada em sede da Lei Constitucional de 1992 (que entrou em vigor antes das eleições daquele ano), José Eduardo dos Santos (JES) passou a governar Angola tendo a guerra como uma vantagem estratégica através da qual foi bem-sucedido em inculcar na mente de grande parte da população a noção de que a guerra, obstáculo ao bem-estar geral, era também o grande empecilho ao desenvolvimento da democracia, e que tal realidade era alheia à vontade do MPLA.

Terminada a guerra civil, José Eduardo dos Santos recorreu a uma série de manobras através das quais atrelou o desenvolvimento da democracia à sua agenda de manutenção do poder e do MPLA. A realização de eleições, um imperativo constitucional, exigia que fossem criadas condições para a normalização democrática. O Governo, porém, em meio a manobras dilatórias, criou a CIPE (Comissão Interministerial para o Processo Eleitoral), que procedeu ao registo eleitoral e aos outros processos preparatórios das eleições, sempre a uma velocidade sincronizada com à da agenda do MPLA. JES anunciou em Dezembro de 2007 que as primeiras eleições gerais do período pós-guerra seriam realizadas em 2008 (eleições legislativas) e 2009 (eleições presidenciais). Chegou 2008 e as eleições legislativas foram realizadas. Na fase derradeira, a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) foi, porém, substituída pela Casa Militar do Presidente da República. A gigantesca fraude realizada traduziu-se na humilhação eleitoral da UNITA. Todavia, enquanto a UNITA digeria a sua derrota e os analistas de algibeira tentavam envenenar a opinião pública com a noção de que a UNITA estava reduzida a um partido residual, JES e seu MPLA realizavam diligências de bastidor que visavam dar proeminência e aceleração ao processo de elaboração da nova constituição. O ano 2009 chegou e não houve as prometidas e esperadas eleições presidenciais. Quase que magicamente, as atenções dos cidadãos passaram a estar viradas à criação da nova constituição. O País ficou empolado (e distraído) no debate da Proposta A (do MPLA), e da Proposta B (da UNITA). Nesta altura, 2009, estavam igualmente acelerados os trabalhos para a conclusão e entrega dos 4 estádios de futebol que iriam acolher os jogos do CAN 2010, que teve lugar em Janeiro. Foi na mesma altura que o próprio MPLA foi surpreendido, em cima do joelho, com a Proposta C, ou seja, o projecto de constituição de JES. Foi a proposta aprovada pela Assembleia Constituinte. Daí, JES a promulgou. Ele conseguira realizar três objectivos essenciais: livrar-se da obrigação de realizar eleições presidenciais directas ao abrigo da Lei Constitucional de 1992, inviabilizar candidaturas independentes, extinguir a eleição directa do Presidente da República e tornar-se um superpresidente com poderes constitucionais absolutos. As eleições de 2012 foram, tais como as 2008, uma fraude. O mesmo aconteceu em 2017.

O grupo hegemónico nunca deixou a democracia seguir livre e perene. Sequestrou-a e cerceou-a. Na verdade, falsificou-a. Constitucionalmente, Angola é um país democrático, mas, materialmente, é um Estado ditatorial com aparência democrática.

Os milhentos casos de repressão de manifestações, os processos judiciais contra activistas, a destruição da imprensa privada e subversão da sociedade civil são algumas das muitas evidências que apontam para uma conclusão desoladora: enquanto o MPLA estiver no poder, Angola não será um país democrático de facto.

Ii. A banditização do estado

A banditização de um Estado é um processo que ocorre quando quem detém poder é um grupo que reúne as características de bandidagem ou máfia. Mais do que isto, o sistema político é materializado de modo a reflectir a agenda do grupo. Por outro lado, o direito é concebido e elaborado para favorecer o grupo hegemónico. As leis (da constitucional às ordinárias) visam proteger os bandidos que governam, bem como seus interesses.

Deve ser notado que Angola não foi ou não está a ser desbanditizada. JES partiu para um auto-exílio humilhante, mas deixou o legado de um Estado banditizado.

Que fique claro: Angola é um Estado banditizado. O grupo que controla o País através do MPLA é composto por bandidos, sim, delinquentes. O MPLA é a maior organização criminosa de Angola.

Não são apenas o saque, a corrupção, a lavagem de dinheiro, o nepotismo e o tráfico de influências os únicos mecanismos através dos quais o Estado foi banditizado.

A banditização de Angola também se deveu a mecanismos político-judiciais através dos quais as instituições de administração da justiça (Procuradoria-Geral da República, PGR, e os tribunais) pautaram-se pela postura de transformar inocentes em criminosos e criminosos em inocentes.

Evidentemente, décadas de gestão banditesca levaram Angola ao marasmo, criando um gigantesco buraco negro social e político que, mais do que engolir os milhões de descamisados vítimas da má governação, obrigou o MPLA a regenerar-se.

Acontece, porém, que, como já bastas vezes alertei, a regeneração não é genuína nem total. A estratégia é regenerar-se à medida das necessidades de o grupo delinquente manter-se no poder. Ou seja, tendo chegado a um ponto em que acabaria engolido pelos resultados trágicos da sua própria má governação, o partido delinquente viu-se obrigado a implementar a estratégia da regeneração útil. As mudanças operadas no interior do MPLA e do Estado angolano não passam de correcções que visam manter o partido delinquente no poder nas próximas décadas, independentemente da vontade do Povo Angolano.

O MPLA, além de estar ciente de uma conjuntura que lhe é desfavorável, não é regenerável na totalidade, ou seja, não se regenera para ser realmente uma força positiva, e como tal, um factor de desenvolvimento da democracia e do Estado de Direito em Angola.

O MPLA sabe que, se a sua regeneração for genuína e total, Angola vai avançar, mas, visto que não admite sequer a possibilidade de deixar o poder, não promove uma genuína governação de reformas. Isto tem implicações sérias que se traduzem na manutenção de mecanismos político-jurídicos através dos quais a fraude será executada.

A CNE e o Tribunal Constitucional estão já alinhados para garantir que, seja nas eleições autárquicas como nas gerais, a fraude seja consumada.

Paradoxalmente, porém, a subversão da democracia e do Estado de Direito em Angola tem tido a conivência e o beneplácito dos partidos na oposição. A UNITA e demais partidos, ao fazerem os seus «eleitos» tomarem posse na Assembleia Nacional, acabam por legitimar a fraude e a ditadura. Foi assim em 2008, em 2012 e em 2017.

À medida que o novo rei dos bandidos se revela um ditador com mãos de ferro em luvas de veludo, a seguinte questão faz-se imperiosa na mente dos Angolanos e Angolanas lúcidos: é sensato esperar que o MPLA seja removido do poder pela via eleitoral?

Por Nuno Álvaro Dala

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