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Terça, 17 Março 2020 21:25

Incertezas sobre as reformas do governo de João Lourenço

A crise que assola o País desde 2014 está atingindo dimensões jamais vistas na história de Angola, as reformas feitas pelo governo até hoje não produziram nenhum resultado positivo na vida das famílias e dos cidadãos angolanos, o preço da cesta básica continua subindo, o desemprego é gritante, o que torna inviável o equilíbrio e a harmonia social. 

A dependência quase total no petróleo como principal fonte económica do País a muito que deveria ser ultrapassada, caso houvessem políticas públicas eficazes que colmassem essa dependência, e tudo indica que o governo angolano até ao momento não tem estratégias concretas de políticas econômico-financeiras racionalizadas, que tendem à diversificação da economia, sendo assim estamos perante a três complexidades ou problemas graves: problemas sociais, económicos e políticos.

a) Problemas Sociais: porque aos poucos o povo vai se cansando e se desesperando, e não havendo condições mínimas para se sobreviver muitos optarão por outras vias: criminalidade, prostituição, abandono às escolas e universidades e dedicação às actividades ilícitas (tráfico humano, tráfico de drogas). Assistimos a cada dia que passa, mortes e assaltos a mão armada em plena luz do dia tanto em Luanda como nas outras Províncias de Angola, por outra assistimos vários problemas familiares, traições, fuga à paternidade, abortos, separações e muitos suicídios, que têm como problemas de base a situação económico-social do País. A promessa dos 500 mil empregos estão infinitamente longe de serem cumpridos.

Émile Durkheim dizia que os suicídios (e questões à cima citados) são relacionados à problemas sociais, sobretudo quando uma sociedade ou País se encontra em crise económica, se activa aquilo que ele chama de ANOMIA (sem leis, sem normas, sem regras) ou seja o cidadão não tendo e não vendo alternativas para resolver os seus problemas procurará fazer as coisas usando meios e regras próprias, indo contra todas as normais sociais e públicas, e é isso que estamos a assistir no País. Todos os dias nos deparamos com notícias relacionadas à mortes, assaltos, traições e suicídios.

Esses problemas já existiam antes na nossa sociedade, mas a crise veio piorar ainda mais a situação do País. Os assaltos hoje à mão armada são feitos a luz do dia, os criminais já não têm medo das autoridades policiais, eles desafiam o próprio polícia, entram em combate com as autoridades, porque na prática muitos desses policiais vendem armas aos bandidos.

b) Problemas Económicos. Em teorias de administração do Estado a “economia é a base de toda a política pública”. Desde o momento em que a escassez do dólar e do euro se instalaram no mercado angolano, a inflação e a desvalorização da moeda nacional tomaram conta do cenário social do País, levando várias empresas e bancos a fecharem e outras a despedirem trabalhadores, deixando várias famílias e cidadãos mergulhados no desemprego, de consequência o custo de vida aumentou significativamente, os preços da cesta básica continuam disparando no mercado, complicando cada vez mais a vida do povo angolano, por exemplo: saco de arroz 25kg: 15.000 kz; saco de fuba 25kg: 9.000 kz; saco de feijão 25kg: 20.000 a 23.000 kz; balde de tomate 2.000kz; balde de cebola 3.000 kz; caixa de frango 9.000 kz; peixe: 18.000 a 30.000 kz.

O preço elevado da cesta básica se tornou numa “espécie de inimigo do povo” para além dos governantes. Está tudo cada vez mais caro. O salário mínimo nacional é de 21.454.00 kz, é desempregada a maioria parte da população, e nem que cada cidadão ganhasse 150 mil Kz por mês, não seria suficiente para cobrir todas as necessidades básicas, porque além da cesta básica existem outros gastos: saúde, água, luz, transporte, habitação, internet, gás botânico, recargas telefónicas, escola/universidade, vestuários, materiais eletrodomésticos, etc.

Por outra as famílias africanas são alargadas, muitas famílias em Angola têm 4 ou mais filhos, com esse salário de miséria e muitas famílias no desemprego, todos entram em desgraça e em desespero, essa é a grande realidade do País. O governo angolano precisa urgentemente fazer alguma coisa de concreto, para mudar esse quadro miserável e triste, fora disso não haverá harmonia social, e é direito de cada cidadão se beneficiar das riquezas do País, isso não é um favor, mas sim um dever do Estado.

c) Problemas Políticos. Na maioria dos casos o verdadeiro problema de um País é o problema económico, e se um País está em crise econômico-financeira, então o caso se transformará num problema político. Este é o caso actual de Angola, e a causa disto a oposição começou a ganhar forças e apoio a nível nacional e internacional, vários movimentos de activistas sociais dentro e fora do País começaram a manifestar-se pedindo mudanças e melhorias nas condições de vida dos angolanos. Com a eleição do Engenheiro Adalberto Costa Junior no dia 15 de novembro de 2019 à Presidência da UNITA (maior partido na oposição) a pressão parece ter aumentado. Este defende: a Revisão Constitucional da República; defende um sistema regulador Econômico-financeiro independente do Presidente da República; defende uma Comissão eleitoral independente.

E já temos um novo Presidente da CNE, uma eleição marcada por escândalos e abandono por parte de toda a oposição na Assembleia Nacional no dia da tomada de posse do mesmo. Na verdade, vários princípios jurídicos de base foram desrespeitados na eleição de Manuel Pereira da Silva “Manico”. O Juiz Presidente do Tribunal Supremo agiu de má fé, ao jogar por terra a legalidade, passou por cima de todos os princípios éticos e jurídicos, praticamente Joel Leonardo impôs o senhor Manico como Presidente da CNE.

A crise económica anunciada nos fins de 2014 pelo governo do Ex Presidente José Eduardo dos Santos e como tem sido dito e justificado muitas das vezes por membros do actual governo, no concreto não tem haver só com o baixo preço do petróleo no mercado internacional. Desde 2015 a 2017 o preço do petróleo oscilava em volta dos 30-50 dólares por barril, nos anos 2018-2019 o preço oscila entre os 50-70 dólares por barril. Este ano de 2020 o preço do petróleo voltou a baixar e poderá baixar ainda mais, caso não sejam resolvidas as controvérsias sobre a produção diária do petróleo entre os membros da OPEP, sobretudo entre a Rússia e a Arábia Saudita.

Apesar da enorme dependência de Angola no petróleo, na prática o verdadeiro motivo da crise econômico-financeira deve-se pela má gestão dos patrimónios públicos, ou seja, a causa da corrupção que implicitamente era institucionalizada, ninguém prestava contas a ninguém, os cargos públicos pareciam ser heranças ou patrimónios pessoais e familiares. Por décadas e décadas essa era a situação do País.

Durante o boom económico angolano, quando o preço do petróleo rondava em volta dos 100 a 110 dólares por barril, foram desviados (roubados) do País cerca de 600 bilhões de dólares. Dados recentes enviados a mim, demonstram que os roubos foram ainda maiores, foram cerca de 850 bilhões de dólares. Muitos se tornaram ricos, milionários, multimilionários e bilionários. E essa luta contra a corrupção levada a cabo pelo Presidente João Lourenço, apesar da sua boa vontade, força política e super poderes constitucionais não deu em nada e não dará dar em nada, porque vários dos seus colaboradores foram também membros do antigo governo. Devemos sim abraçar o combate à corrupção, é necessário combatê-lo, mas um combate à corrupção não se faz com mentes viciadas ou com pessoas que sempre estiveram envolvidas nas tais práticas de corrupção.

Diretamente ou indiretamente quase todos os dirigentes do executivo actual se beneficiaram do roubo dos 850 bilhões de dólares, explicitamente o que se verifica é que este combate está sendo feito de modo selectivo, alguns são chamados e outros não pela Procuradoria Geral da República (PGR), pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e pelos Tribunais ordinários, outros são soltos, certos casos são arquivados, outros casos ninguém sequer toca mais no assunto.

Esse combate à corrupção precisa ser feito com mais seriedade, todos aqueles que delapidaram o erário público precisam ser chamados e sentar na cadeira dos réus, completamente todos, não apenas alguns, ou se faz um combate sério e completo ou o Presidente da República deve tomar uma decisão radical ou seja deve: exonerar todos os seus colaboradores e conselheiros e substituí-los por membros sérios da oposição, membros independentes altamente competentes, e membros da sociedade civil “àqueles que pensam Angola”, fora disso esse combate a corrupção não dará fruto nenhum, porque o sistema está viciado, é hora de se optar por um governo mais inclusivo, onde não importa a cor partidária.

A triste situação socioeconômica e política de Angola atingiu o seu limite, o governo actual tudo que demonstrou até ao momento é a incapacidade de dar soluções aos problemas que o País atravessa, e essa política de individar cada vez mais o Estado é uma péssima estratégia, põe em perigo não somente o País mas também as gerações futuras. Em maio de 2018 João Lourenço deslocou-se à França e voltou com um financiamento (empréstimo) de

1 bilhão de euros, além dos montantes adicionais concedidos pela França que no geral totaliza um valor que vai muito além dos 1 bilhão de euros.

Antes da visita de João Lourenço à Alemanha nos dias 22-23 de agosto de 2018, foi concedido pelo banco privado alemão Commerzbank, um empréstimo de 500 milhões de dólares. Sucessivamente em outubro do mesmo ano João Lourenço foi a China e voltou com 2 bilhões de dólares, empréstimo feito pelo Banco de Desenvolvimento Chinês. Até o final de 2017 a dívida angolana à China girava em volta dos 20 bilhões de dólares, mas segundo dados da China África Resources Initiative fornecidos pela Universidade Johns Hopkins (USA), a dívida do Estado angolano à China na verdade ultrapassa os 42 bilhões de dólares.

No dia 30 de maio de 2019 João Lourenço afirmou que se estava a negociar com o Deutsche Bank da Alemanha um empréstimo de 1 bilhão de euros, e temos também a dívida do FMI dos 3.7 bilhões de dólares. Um empréstimo seguido por uma série de exigências, de reformas económicas, aplicação do IVA, etc. Até o momento com este novo governo

estima-se que cerca de 17 bilhões de dólares foram concedidos à Angola, empréstimos feitos principalmente pela China e Países europeus. Muitas dessas dívidas o Estado angolano o faz de forma anónima, o governo muitas das vezes não justifica essas dívidas, não dá a conhecer à Assembleia os verdadeiros motivos dessas dívidas, ao mesmo tempo não permite fiscalização nem o mínimo de controle de onde irão ser investidos esses mesmos valores, o País se individa e no fim das contas ninguém sabe onde foi parar o dinheiro, o dinheiro simplesmente desaparece e ninguém consegue justificar os gastos.

A verdadeira dívida externa de Angola está muito a cima dos 50 bilhões de dólares, a dívida pública atingiu os 100% do PIB e tende aumentar ainda mais. Gastamos avultadas somas de dinheiro em importação alimentar, enquanto temos um País com terras férteis e aráveis, deveríamos investir na produção alimentar interna, temos muitos rios, lagoas e mares, temos todo o tipo de recursos naturais e minerais, mas o nosso governo só olha no petróleo. Vários Países no Mundo não têm petróleo nem 10% das riquezas naturais que temos, mas têm uma economia equilibrada e desenvolvida.

O problema económico angolano não tem a ver com o baixo preço do petróleo, nem que o barril custasse 3 dólares, se houvesse boa gestão estatal teríamos uma economia em ascensão, o petróleo é um falso problema, o nosso verdadeiro problema é a corrupção, a má gestão do erário público, o nepotismo, o amiguíssimo, as comissões, o tráfico de influências, etc. Apesar da boa vontade do Presidente da República em combater a corrupção, a prática da corrupção está longe de terminar, e o próprio Presidente muitas das vezes é enganado pelos seus colaboradores, mesmo ele querendo fazer um bom trabalho isso será impossível, enquanto não se livrar dos incompetentes e dos falsos patriotas que ele mesmo mantém no seu próprio governo.

As políticas económicas só funcionam se aqueles que traçam as estratégias e aqueles que as executam sejam dotados de capacidades concretas, tais políticas exigem racionalização económica, exigem transparência, inteligência, deontologia e responsabilidade, fora disso é muito difícil dar solução aos problemas socioeconômicas e política que o País atravessa. Um País cresce e se desenvolve não somente a causa dos diamantes, cobres, ferro, madeira, petróleo e gás, coisa que temos até demais no nosso Território, mas também a causa dos seus recursos humanos, portanto o governo angolano precisa olhar no potencial dos seus cidadãos, porque gastamos rios de dinheiros contratando quadros estrangeiros, isso já não é totalmente necessário, já temos angolanos bem formados, capazes e prontos para tal, muitos deles estudaram fora do País e terminaram com mérito os seus estudos, chegou a hora de se colocar angolanos nos mais variados sectores de trabalhos dentro do País, é preciso priorizar o quadro angolano nos postos de trabalhos, temos tudo: médicos bem formados, bons engenheiros, bons pedagogos, bons economistas, bons cientistas políticos, bons juristas, bons agrónomos, bons eletrotécnicos, bons mecânicos, bons físicos e químicos, temos na verdade tudo, mas muitos não conseguem mostrar as suas capacidades e competências porque não lhes são dadas oportunidades, e nos concursos públicos tem sempre aquela coisa de nepotismo, ou compra de lugares.

Só o nosso governo não entende que os recursos humanos quando são bem aproveitados podem mudar completamente uma sociedade. 850 bilhões de dólares foram roubados do País e até hoje ninguém consegue dizer nem justificar como isso aconteceu. Uma boa Administração do Estado se faz conhecendo não apenas os princípios político-jurídicos, mas também tendo competências em estratégias econômico-financeiras de mercado, colocando pessoas certas nos lugares certos, mas num País como o nosso onde a mixa é mais importante que tudo o governante também é empresário, afundando desse jeito o Estado, por isso 850 bilhões de dólares foram roubados dos cofres do País. Isso já não surpreende o povo angolano porque temos no governo “políticos mixeiros”, políticos virados simplesmente para os seus negócios e empresas, para eles a principal prioridade é gerir os bens pessoais não os bens da Nação.

Enfim, esse projecto sobre a metro de superfície que poderá ser instalado em Luanda, é mais uma demonstração de incompetência por parte do nosso governo. A metro será construída pela multinacional alemã "Siemens", custará aos cofres do Estado 3 bilhões de dólares, um valor exorbitante que poderia ser usado pra erradicar a miséria, fome, epidemias e o desemprego. Esse projecto da metro em Luanda de momento está longe de ser prioridade, a cesta básica está cara demais, o desemprego é um problema grave no País, o nosso sistema sanitário funciona completamente mal, nem sequer medicamentos nos hospitais, não temos estradas em condições, o País carece de tudo, o nosso País importa praticamente tudo, não temos fábricas a não ser fábricas de bebidas e cervejas, não temos indústrias, não produzimos nada de relevante. Temos um País que tem tudo para dar certo, mas a incompetência dos nossos governantes não permite o crescimento e o desenvolvimento do País. 850 bilhões de dólares foram roubados do País e a corrupção até hoje continua.

Por Leonardo Quarenta

Doutorando em Direito Constitucional e Internacional

Mestrado em Direito Constitucional Comparado

Mestrado em Relações Internacionais e Diplomacia

Master em Direito Administrativo

Master em Direitos Humanos e Competências Internacionais

Master em Jurista Internacional de Empresas

Master em Management das Empresas Sociais

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