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Sábado, 07 Dezembro 2019 23:26

Onde está o Massano?, ou a PGR e os seus processos obscuros

Mais um processo da Procuradoria-Geral da República (PGR), mais um amontoado de incertezas e dúvidas.

Com data de 30 de Agosto de 2019, o procurador-geral adjunto na Câmara Criminal do Tribunal Supremo entregou a acusação contra António Manuel Ramos da Cruz (actual vice-presidente do Banco Económico), Manuel António e Valter Filipe Silva, pela prática de crimes de: abuso de poder, previsto e punível pelo artigo 39.º da Lei da Probidade Pública; recebimento indevido de vantagens económicas, artigos 36.º e 40.º da Lei sobre a Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capital; e, em relação aos dois primeiros indivíduos, ainda pelo crime de concussão, artigo 314.º do Código Penal.

Os factos imputados aos acusados remontam a 2011, quando o Conselho de Administração do Banco Nacional de Angola (BNA) deliberou entregar a terceiros os serviços de estiva, contagem e recontagem de dinheiro, bem como a sua arrumação nas casas-fortes do banco.

Nessa sequência, o mesmo Conselho de Administração convidou os funcionários reformados José Augusto, António Gaspar e Luís Almeida para constituírem uma empresa para o efeito e acolherem os trabalhadores eventuais que colaboravam nessas tarefas anteriormente, sem vínculo permanente com o banco. Assim, em Maio de 2012, o BNA, representado pelo então governador José de Lima Massano, realizou um contrato de prestação de serviços com a recém-formada sociedade JGLA Serviços, Lda. Esse contrato teria a duração de três anos, prorrogáveis, e o valor mensal de aproximadamente 22 milhões de kwanzas. A JGLA começou a desempenhar as funções para que tinha sido contratada e integrou nos seus quadros 76 funcionários que, no passado, prestavam o serviço ao banco.

Como os sócios da nova empresa não sabiam nada sobre a matéria, foram os administradores do BNA (agora acusados) António Ramos da Cruz e Manuel António quem elaborou o estudo de viabilidade económica, os mapas salariais e o controlo dos trabalhadores. Foram também eles que determinaram o valor do contrato.

Alega a PGR que, desde o início, os dois, Ramos da Cruz e Manuel António, exigiram aos sócios da empresa uma comissão de 500 mil kwanzas mensais. Mais tarde, o valor do contrato subiu, e a comissão aumentou.

Já em 2017, estando os acusados a finalizar os mandatos no BNA, foi criada uma outra empresa, denominada Wizaneser, Lda. Nesta, os sócios eram António Domingos, meio-irmão de Ramos da Cruz, Marcos Matias e Rosa Nganga João, neta da mulher de Manuel António.

Em Agosto desse ano, Ramos da Cruz obtém a concordância do governador que substituiu Massano, Valter Filipe, para revogar o acordo com a JGLA por justa causa, e estabelecer novo contrato com a Wizaneser, Lda. Este procedimento efectivou-se em Setembro de 2017. Nas palavras da acusação, após esta transformação contratual, Ramos da Cruz e Manuel António continuaram a receber comissões da nova empresa, no valor de vários milhões de kwanzas.

Quanto a Valter Filipe, é-lhe imputado o facto de, entre Novembro de 2017 e Janeiro de 2018, ter usado a empresa Wizaneser e através desta ter transferido para Délcio Castanheira dos Santos, sobrinho do presidente José Eduardo dos Santos, a quantia de um milhão e 699 kwanzas. Mais à frente afirma-se, sem enunciar factos, que, além de Ramos da Cruz e Manuel António, também Valter Filipe geria a empresa Wizaneser.

Este é o sumário da acusação do Ministério Público. A regra do Maka Angola em relação a este tipo de casos, que envolvem antigos dirigentes de alto gabarito, é não nos pronunciarmos sobre as questões específicas da defesa, deixando obviamente tal tarefa aos advogados dos arguidos, que sabem mais e conhecem o processo.

O nosso papel é alertar para os temas genéricos de interesse público ligados ao que entendemos ser a correcta aplicação da justiça.

A leitura desta acusação levanta-nos algumas perplexidades e dúvidas.

Em primeiro lugar, a opção pelo crime de concussão. Lê-se, no artigo 314.º, do Código Penal angolano: “Todo o empregado público que extorquir de alguma pessoa, por si ou por outrem, dinheiro, serviços, ou qualquer outra coisa que lhe não seja devida, empregando violências ou ameaças, será punido a pena de prisão maior de dezasseis a vinte anos.” O curioso é que, numa primeira abordagem, a PGR tinha considerado que estava perante um caso de corrupção, mas tal implicava punir quer os sócios das empresas, quer os administradores do BNA. Esta mudança de qualificação do crime exime os sócios e só punirá os administradores.

O problema é que, nos factos elencados, não se vê uma única mostra de violência. E também não é enunciado nenhum facto concreto que demonstre a existência de ameaças. Nem um. Ora, seriam estas as condições necessárias para uma acusação de concussão. Portanto, trata-se de uma qualificação jurídica no mínimo estranha. E levanta a questão que se tem colocado em algumas investigações da PGR nesta fase de combate à corrupção: não abrange todos os eventuais prevaricadores, mas apenas alguns. Neste caso, José Augusto, que constituiu a sociedade JGLA, é familiar directo do governador do BNA, Lima Massano, e foi designado para a empresa por sua indicação expressa, segundo alegam fontes do processo.

É isto mesmo que nos leva ao segundo ponto de dúvida que esta acusação levanta: o papel de Lima Massano. Afinal, foi sob a sua égide que o esquema foi criado. Foi debaixo da sua orientação que a empresa JGLA foi formada, com familiares seus, e agora nem declarante é? É bizarro que Lima Massano não seja interpelado, e que o governador seguinte seja acusado, quando no fim de contas o responsável pela mecânica foi Massano e não Valter Filipe.

Valter Filipe tem sido o “bombo da festa” dos processos contra corrupção. Parece ser o patarata de serviço a quem tudo é imputado. Na questão da transferência dos 500 milhões de dólares, o seu papel parece ter sido de bajulador excessivo de José Eduardo dos Santos e não de principal autor moral do esquema. Aqui, neste caso, nem se percebe bem o papel de Valter, até porque lhe são atribuídos comportamentos entre Novembro de 2017 e Janeiro de 2018, quando foi exonerado do cargo de governador em Outubro de 2017, e portanto, nessas datas, já não tinha nada a ver com o BNA.

O único facto que lhe é imputado é uma transferência para o sobrinho de José Eduardo dos Santos nestas datas. Mas onde está o crime, se nem sequer era já governador do BNA? Mais adiante diz-se que Valter Filipe geria de facto a Wizaneser, mas nem um só facto é apontado para comprovar essa afirmação. Mais uma vez, nada. Não se percebe exactamente a sanha que a PGR tem contra Valter Filipe, que de resto parece um alvo fácil, pois não tem ligações fortes, apenas esteve no local errado no momento errado e não teve o discernimento para dizer não a José Eduardo dos Santos. Mas quem teria coragem de o fazer?

Finalmente, uma ironia. António Ramos da Cruz foi o homem-de-mão de Lima Massano, do general Leopoldino Fragoso do Nascimento e dos outros que estiveram envolvidos na tomada ilegal de poder no BESA, presidindo à Assembleia Geral onde tudo ocorreu ().

Agora, vê-se a braços com a justiça num processo menor, e pelos vistos a cumplicidade com os grandes em 2014 não está a valer-lhe de nada agora. Talvez fosse altura de contar o que sabe sobre o tema BESA e ajudar a justiça a encontrar o seu rumo. MAKA Angola

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