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Segunda, 04 Novembro 2019 19:49

À procura dos 160.000 novos postos de trabalho anunciados oficialmente pelo Governo

Perguntou-me alguém - muitíssimo bem colocado política e institucionalmente, mas não economista -, há uma semana, como é que uma economia em recessão consegue criar empregos.

Questão muitíssimo pertinente porquanto diariamente são apresentadas notícias de desactivação e falência de empresas, de despedimento de trabalhadores por razões de reajustamento de custos, de redução de actividade produtiva (até as condições macroeconómicas se reajustarem no sentido do crescimento, há empresas e empresários que até preferem manter os empregos, nomeadamente os de maior exigência e qualificação), de reclamações de empresários e trabalhadores, etc.

Na verdade, como é que um País em seca severa de crescimento económico (desde 2015 o PIB teve um acúmulo negativo de -4,8%, passe a redundância), pode registar aumento de emprego ou redução do desemprego? Nas economias não existem milagres, mas apenas factos, políticas e estratégias para se atacarem os fenómenos e recuperar equilíbrios. O crescimento económico é a única forma de criação de emprego, podendo, no entanto, não ser suficiente para tal desiderato. São conhecidos casos de aumento real da produção interna com incremento de desemprego. Com as revoluções tecnológicas a relação crescimento/ emprego deixou de ser tão amigável quanto o foi no passado.

Mas o que se sabe sobre o emprego/ desemprego em Angola, para além dos dados estatísticos o INE? Creio que muito pouco. Quais os tipos de desemprego típicos de um país com desequilíbrios estruturais profundos dos tecidos produtivos, dependente das exportações de recursos naturais não transformados internamente, capacidade de crescimento relativamente baixa e outras insuficiências macroeconómicas e microeconómicas? (1)

E quais as suas causas mais expressivas: de natureza estrutural ou de natureza conjuntural? E mesmo quanto ao emprego, quanto de emprego precário tem a taxa de emprego apresentada pelo INE? De resto, a própria definição de emprego utilizado (de acordo com as nomenclaturas internacionais) contém muito de precariedade: "Empregado: pessoa com idade mínima de 15 anos que, no período de referência (última semana), se tinha efectuado um trabalho de pelo menos uma hora, mediante o pagamento de uma remuneração ou com vista a um benefício ou ganho familiar em dinheiro ou em géneros".

No contexto do desemprego estrutural deve destacar-se o fenómeno da histeria do desemprego provocado por situações relacionadas com a debilidade do crescimento económico ou efeito da persistência do desemprego (quanto mais no passado, mais no futuro), que tem feito com que o desemprego aumente nas fases de recessão, mas não diminua, na mesma proporção, nas fases de expansão económica (2). Como se sabe, a permanência do desemprego por muito tempo leva à desvalorização de qualificações (por obsolescência de profissões), à desvalorização de experiências (por falta de prática) e à perda do hábito de trabalhar (subsídios de desemprego excessivos acentuam esta vertente das consequências do desemprego de longa duração). Também as empresas são relutantes em empregar desempregados de longa duração, pelas razões anteriores.

O desemprego representa um tremendo desperdício económico, medido pela perda de capacidade de crescimento actual e futuro. Depois, a marginalidade social, sendo, muitas vezes, os desempregados vistos como incapazes de conseguirem uma utilização concreta da sua força de trabalho. Finalmente, a perda de oportunidades de promover equilíbrios sociais afectados pela pobreza e deficiente distribuição do rendimento nacional.

Se, em Angola, existissem sindicatos independentes e fortes, dominando as minudências da economia e do emprego, a paz social existente seria seguramente abalada pelas reivindicações sobre as insuficiências e incapacidades de o sistema económico e as políticas governamentais serem competentes para dirimirem estas amarras e finalmente garantirem o necessário "(re) take-off".

Têm sido ousadas algumas declarações públicas, portanto oficiais - e ainda que hoje não seja tanto como no passado, mas, ainda assim, não muito diferentes - e, logo, verdades definitivas (evitando o termo absolutas, mais de acordo com a institucionalidade do anterior Governo) sobre o desemprego. O INE tem de passar a ser reconhecido como o único Labor Statistics do País - à semelhança das Contas Nacionais e os observatórios de Conjuntura -, dada a competência e experiência agregadas ao longo dos anos, mormente dos mais recentes. Para se falar de emprego/desemprego tem de se dialogar com as publicações do Instituto Nacional de Estatística sobre a dimensão e o comportamento deste fenómeno.

Para o presente texto de reflexão foram utilizados dois documentos do INE. O primeiro, publicado em Abril do corrente ano, denomina-se IDREA - Inquérito às Despesas e Receitas e ao Emprego em Angola 2018-2019 (3), e o segundo Indicadores de Emprego e Desemprego, Inquérito ao Emprego em Angola (4), de Agosto, também do ano civil em curso. A tabela anexa sintetiza os números e as diferenças ocorridas em apenas cinco meses.

Algumas observações, dúvidas e alguma discussão:

a) A que se deveu o aumento da população economicamente activa, num contexto de manutenção da sua definição? Em princípio a sua taxa de crescimento tem de ser de 3,1% e, consequentemente, o quantitativo de população económica activa em Agosto de 2019 deveria ser de 13.144.363; o valor oficial do INE corresponde a uma taxa de crescimento de 6,5%; e não é tão bizantina esta crítica, pois a base do denominador da fracção para o cálculo das taxas de emprego e desemprego é justamente a população economicamente activa.

b) As afirmações segundo as quais tinham sido criados 160.000 empregos requerem que se especifique o período. A tabela anexa compara duas taxas de desemprego: uma calculada no IDREA 2018/2019 (28,8%) e outra apresentada na publicação "Indicadores de Emprego, Agosto de 2019" de 29,3%. Como interpretar estes dois valores: como uma simples actualização de Abril para Agosto ou de uma taxa nova calculada na base de um inquérito por amostragem de carácter de conjuntura? Sendo esta a resposta, então de Abril para Agosto registou-se um desemprego incremental de 67.922.

c) Olhando novamente para a tabela, para a linha correspondente à população desempregada, conclui-se que entre Abril e Agosto a população desempregada aumentou 262.115 e a população empregada 573.088; somando algebricamente os dois valores fica-se com um saldo de 310 973, em princípio assimiláveis a emprego líquido criado entre Abril e Agosto. Onde estão, então, os 160.000 empregos? Alguém me consegue explicar como se chegou a 160.000 ou onde está o meu erro?

d) A taxa de desemprego jovem (15-24 anos) passou de 52,4% para 53,8% da população economicamente activa desta classe etária, enquanto a taxa de emprego diminuiu de 36,9% para 35,9% (5).

São taxas muito elevadas, e a sua diminuição exige uma preparação rigorosa dos jovens para os mercados de trabalho cada vez mais exigentes em disciplina, organização, capacidades e habilidades começada no ensino de base e na educação primária, e não quando certos vícios de trabalho já se entranharam. Entretanto, continuarei à procura dos 160.000 empregos criados.

Notas:

(1) No Relatório Económico 2018 encontram-se algumas abordagens sobre alguns destes temas. Valerá a pena a sua consulta.

(2) Já em Relatórios Económicos anteriores, o CEIC questionou os dados oficiais do emprego, porquanto o fenómeno da histeria estaria invertido: criação de emprego em situações de recessão económica (ou dinâmicas reduzidas de variação do PIB) e menores taxas de crescimento do emprego em fases de crescimento económico, até mesmo acentuado.

(3) Publicado em Abril de 2019.

(4) Publicado em Agosto de 2019.

(5) Para quem estiver interessado nesta problemática do emprego/ desemprego deve consultar as publicações do INE para perceber que tipo de emprego jovem existe no País..

Por Alves da RochaExpansão

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