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Segunda, 09 Setembro 2019 19:39

O desastre da «Feira do Emprego»: essa juventude é apenas vítima ou é também idiota e gosta de sofrer?

A Feira de Oportunidades de Emprego, Estágio e Formação Profissional (FOEEFP, designação oficial), «realizada» na sexta-feira anterior, 6 de Setembro, sob batuta do Instituto Angolano da Juventude (IAJ, adstrito ao alegado Ministério da Juventude e Desportos) foi um desastre inenarrável e inadjectivável.

Constituiu mais uma evidência de que a governação trôpega, desorientada e pueril que tem sido levada a cabo em Angola indica que o País, em 1975, foi entregue – e continua entregue – à bicharada. Ao longo das décadas mudaram-se apenas as moscas, mas a merda (a má governação, ou melhor, a desgovernação, e suas terríveis consequências) continua.

A feira foi um insulto à juventude angolana e, como tal, um escárnio ao seu sofrimento. Os milhares de jovens presentes foram alvo de uma humilhação inqualificável, tendo sido tratados como gado.

Objectivando conseguir uma vaga de emprego numa ou noutra das empresas presentes no evento e, à mercê da desorganização do IAJ e da falta de segurança, os jovens envolveram-se num frenesim que resultou num quadro caótico marcado por quedas, pisoteamentos, ferimentos, choros, desmaios etc. O cenário evocou a corrida desenfreada que Angolanos famintos faziam aos pontos ou centros de distribuição do PAM (Programa Alimentar Mundial), na difícil década de 1990, quando o País estava a braços com a guerra civil.

Os incontáveis currículos entregues foram pouco depois descartados nos cantos e recantos da gigantesca tenda montada para a realização da feira, um facto que ilustra o grau de pilantragem tanto (dos funcionários dos guichés) das diversas empresas presentes na feira como do próprio IAJ e, como tal, do Governo.

Mas é aqui onde paro e inflicto para questionar o seguinte: os milhares de jovens – tratados como gado – não tinham conhecimento do longo histórico de um Estado cujas políticas sociais para a juventude sempre foram marcadas pelo nepotismo, cabritismo, oportunismo, compadrio, subversão, fingimento e improviso? Os jovens da «feira dos tumultos» esqueceram-se do fracasso rotundo dos diversos programas governamentais dirigidos à juventude – de nomes pomposos – criados e apresentados de forma megalómana? Os milhares de jovens humilhados como cães sarnentos não sabiam que os sucessivos governos do MPLA são (ou têm sido) essencialmente pilantras?

Não deve haver dúvidas de que o Governo deve ser responsabilizado politicamente pela tragédia em que se traduziu a Feira de Oportunidades de Emprego, Estágio e Formação Profissional. Todavia, os jovens tratados como gado naquele evento não são meras vítimas. Na realidade, eles são a amostra de uma juventude que não se cansa de dar evidências de falta de discernimento e argúcia ante ao extenso registo dos falhanços dos sucessivos governos dos biltres que controlam o País há 44 longos e dolorosos anos.

A juventude angolana é essencialmente composta pelos filhos e filhas dos indivíduos que, por altura da proclamação da Independência eram adultos ou entravam na idade adulta, a quem foi dito, no quadro do fervor revolucionário de então, que os seus descendentes – os seus filhos – seriam o «Homem Novo». A construção do «Homem Novo», dizia o governo marxista-leninista do MPLA, seria feita através da educação e do trabalho. Ademais, a educação era apresentada como a chave para a produção e, como tal, a chave para o desenvolvimento de Angola.

Aconteceu, porém, que não apenas a chave foi adulterada como, inclusive, as fechaduras foram trocadas. Explico: o sistema educativo nacional de má qualidade (do nível primário ao superior) transformou a vasta maioria dos cidadãos – os homens e mulheres novos – em incultos diplomados, indivíduos sem a preparação técnico-profissional necessária para promover o desenvolvimento económico, tecnológico, científico, cultural e social de Angola. A educação de má qualidade é a chave adulterada. Por outro lado, a igualdade de oportunidades, a igualdade perante a lei e os direitos ao bem-estar e à qualidade de vida deram rapidamente lugar a um sistema fechado, acessível apenas mediante a adesão ao partido-estado, o nepotismo, o compadrio, a corrupção e outros instrumentos que, em última instância, comprometem o desenvolvimento de qualquer sociedade. Sim, as fechaduras foram trocadas. Hoje, numa altura em que os responsáveis pela tragédia do País estão em fim de estação (envelhecimento), os seus filhos e netos (que beneficiaram de formação de qualidade superior no estrangeiro) são colocados nos cargos estratégicos do País para garantirem a manutenção da equação estrutural que configura e define as relações de poder entre os Angolanos e, assim, perpetuarem as desigualdades sociais, pois, ainda que, na versão lourenciana seja feito o alarde das reformas, o MPLA continua – como sempre fez – a dar primazia absoluta ao seu projecto de poder em detrimento do projecto de sociedade.

Angola e os Angolanos têm sido vítimas de uma governação sem projecto. Daí os fracassos das políticas públicas concebidas e elaboradas nos gabinetes dos sucessivos governos do partido delinquente.

A má qualidade do sistema de educação não justifica, porém, na totalidade a tremenda falta de discernimento e argúcia presentes num vasto número de jovens angolanos. O sofrimento é uma realidade física. Não requer que as pessoas tenham alta escolaridade para o sentirem e perceberem.

A falta de discernimento e argúcia tanto daqueles milhares de jovens tratados como gado na desastrada feira como de outros milhões que para lá não se dirigiram (por desconhecimento ou constrangimento geográfico) tem nome: idiotice.

Mais do que idiotice confrangedora, os muitos jovens angolanos que teimam em acreditar e confiar nos governos do MPLA, incluindo o actual, revelam um gosto pelo sofrimento e pelo algoz que só pode ser doentio. Trata-se de um problema muito pior que a Síndrome de Estocolmo.

Muitos dos jovens que foram tratados como gado são os mesmos que consideram desnecessário os cidadãos exigirem do Governo e do seu chefe o cumprimento da promessa de 500 000 empregos, feita durante a campanha eleitoral de 2017.

São os mesmos jovens que ao longo dos anos consideraram malucos, aventureiros e suicidas os jovens que, sem qualquer cobertura ou protecção, deram início a um amplo movimento de protestos e combate ao regime apodrecido de José Eduardo e seu MPLA. «Os jovens frustrados» e sem «sucesso nos estudos e no trabalho» continuaram, sozinhos, durante anos a fio, a fazer um percurso que as mordidas de cães, bastonadas, porretadas, bloqueios, demonizações, detenções, prisões, processos judiciais e condenações não conseguiram travar. O tempo, na sua qualidade de juiz supremo, encarregou-se de provar que a luta travada não foi em vão. Hoje, numa altura em que o País é assolado por uma grave crise económico-financeira, os factos revelam o que activistas, manifestantes e outros cidadãos engajados já alertavam no «tempo das vacas gordas»: Angola não é governada com projecto. É um país de brinquedo. Uma mentira civilizacional.

A deprimente realidade cívica da juventude angolana é esta: enquanto uns poucos contestam, protestam e empreendem caminhos solucionais, outros – uma vastidão de milhões – limitam-se a cair, a serem pisoteados, feridos, a chorar e a desmaiar.

Será que os jovens maltratados na fracassada feira e muitos outros aprenderam ou já conseguiram perceber que não devem continuar a ser idiotas úteis, masoquistas e cúmplices das desfaçatezes dos governos do partido delinquente? Apesar da dura experiência, os jovens ainda acreditam que com o MPLA no poder, Angola tem futuro?

Nos últimos dias, determinados observadores da realidade sociopolítica angolana e activistas têm feito afirmações que basicamente questionam a sanidade da generalidade dos Angolanos. Enquanto uns têm dito que «esse povo merece sofrer mais» ou que «esse povo só merece mesmo sofrer», outros, mais resignados, têm dito que «temos de nos perguntar se lutar por esse povo vale mesmo a pena».

Para mim, mais importante do que discordar ou concordar com tais asserções fortes, é compreender os sentimentos de revolta dos seus autores.

A minha posição é continuar(mos) a desenvolver as diversas lutas cívicas e políticas necessárias à mudança estrutural do quadro.

Projecto uma Angola de daqui a 25, 50 ou 100 anos. É uma luta de longo prazo, a ser continuada pelas próximas gerações. É preferível continuar a peleja a desistir por causa de uma franja considerável da juventude que se revela insistentemente idiota, masoquista e cúmplice da sua própria tragédia e da má governação.

Por Nuno Álvaro Dala

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