Sábado, 20 de Abril de 2024
Follow Us

Quinta, 06 Setembro 2018 21:44

José Eduardo dos Santos e as “virgens arrependidas”

José Eduardo dos Santos, que passa no sábado a presidência do MPLA a João Lourenço, como já o havia feito em relação à do país, é um homem, com defeitos e virtudes, como qualquer ser humano.

Por Luciano Rocha

Ainda é demasiado cedo para se  fazer o balanço da vida política de José Eduardo dos Santos, que começou, manda a verdade recordar, muito cedo, ainda a vestir calções, feitos em alfaiate de bairro, que era o que a maioria dos adolescentes e jovens daquele tempo usava.

Em jeito de aviso, esclareço que não sou, nunca fui, amigo pessoal do ex-Chefe de Estado, quase ex-presidente do MPLA. Sequer frequentámos alguma vez os mesmos estabelecimentos de ensino, embora tivéssemos tido amigos comuns, entre os quais ressalto Mário Santiago, com quem partilhei turmas e carteiras na Escola Industrial, mas igualmente fugas às aulas. Que trocávamos por fimbas nas águas transparentes da Baía de Luanda em praia, entretanto, desaparecida, onde disputávamos também nossos trumunos de “vira aos cinco, termina aos dez” , com balizas feitas com conchas ou cocos caídos dos paus e secávamos os corpos com a brisa do fim de tarde e o quente bom do sol da mesma hora, nosso relógio despertador, de nos avisar a hora de regressar a casa sem chegar nem muito tarde, nem muito cedo, para nossas mães não desconfiarem.

Mário Santiago foi o único amigo comum? Não! Menciono-o porque ele e José Eduardo dos Santos um dia trocaram as “aventuras” próprias da juventude, pela ventura máxima de contribuir de forma efectiva para o fim das segregações próprias de um regime colonialista reforçado, como se preciso fosse, pelo cunho fascista.

Ambos deixaram para trás, como tantos outros compatriotas,  o “conforto” das reprimendas, mas também os conselhos, a ternura, o beijo materno, irmãos, amigos, farras de fim-de-semana, sons, cheiros, cores, sabores do dia-a-dia, corações apertados pela dor indescritível da saudade que, sabia-se lá, podia não terminar.

Tudo isto, afinal, para dizer o que todos sabem, José Eduardo dos Santos é um homem, com defeitos e virtudes, não o santo que alguns quiseram, querem, fazer dele. Que, se não tivesse tomado a opção de sair de Angola para lutar pela libertação da Pátria sonhada, como homem inteligente, com a formação académica que, na altura, já possuía, tinha sido, se quisesse, funcionário público, com hipótese de ascensão na carreira, trabalhador da banca, do ramo dos seguros, de uma cervejeira, dos primeiros sectores a “abrir portas” ao angolanos, no cumprimento da chamada psico-social, artimanha do regime ocupante na tentativa de atenuar os efeitos da onda nacionalista crescente. Muitos foram os que, por circunstâncias várias, ficaram por cá, levaram vida aparentemente cómoda.  Desde que não tivessem ousado conspirar contra a ditadura que impedia os angolanos de serem donos do seu próprio destino.

José Eduardo dos Santos, aos 37 anos, viu-se Presidente de um país em guerra, dividido, a seguir a uma tentativa de golpe Estado que pôs a nu divergências antigas e recentes do partido a que pertence. Com consequências trágicas, entre as quais a perda de alguns dos melhores dos poucos quadros que o país tinha. Ainda por cima, a substituir das figuras mais carismáticas da nossa História, Agostinho Neto. O fardo era demasiado pesado. Quem o escolheu soube, certamente, por que o fez. Não foi quem se ofereceu.

José Eduardo dos Santos cometeu erros. Quem os não cometia em tantos anos de Presidência? Tantos porquê? Incentivado por quem? Os Governos que liderou eram constituídos por incapazes mentais? Quem beneficiou com todo este estado de coisas? Certo é que alguns deles surgem agora, em bicos de pés, como “virgens arrependidas”, “donzelas enganadas” prontas a saltar para novos braços salvadores. JA

Rate this item
(0 votes)