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Sexta, 06 Abril 2018 14:05

Teratópagos (gémeos siameses): poderão os cirurgiões pediátricos darem a solução para esse caso em Angola?

Seria um caso inédito, caso um cirurgião pediátrico ou cirurgião neonatologista angolano, fosse conseguir intervir, cirurgicamente, sobre teratópagos, dando – lhes, um destino de uma vida individual em cada um dos termos.

Por João Henrique Rodilson Hungulo

Seria, de facto, um caso por rever mediante a história da medicina em Angola, cujo feito, ficaria gravado nos anais da história para sempre.

Angola, não registou, sequer um caso único de teratópagos, que por aqui foram separados à luz da intervenção cirúrgica, e, hoje, se mantêm vivos, expressando a felicidade da vida no ritmo do seu desenvolver quotidiano.

  1. BREVE SÚMULA INTRODUTÓRIA

O presente artigo, é académico, concerne um artigo de revisão de literaturas já publicadas, neste artigo trataremos da gemelaridade monozigótica e das possibilidades ou não da cirurgia de gémeos monozigótico siameses.

Vinte e cinco anos antes da redescoberta dos trabalhos do pai da Genética (Gregor Johann Mendel (1822-1884), Francis Galton (1822-1911), que lançou as bases da Biometria, já participara à Anthropological Society of London que os gêmeos podem ser estudados com a finalidade de avaliar a contribuição do que ele chamou de natura e nurtura na determinação dos caracteres quantitativos.

A partir do trabalho inicial de Galton, o estudo de gêmeos cresceu muito e passou a constituir uma especialidade médica, geralmente denominada Gemelologia (do latim, gemellus = gêmeo; logus = estudo). Ela é, também, chamada de Didimologia por alguns autores de língua inglesa, mas esse termo tem pouca adesão, talvez porque, em grego, dídimos é usado, indiferentemente, com o significado de gêmeos e de testículos.

  1. DEFINIÇÃO DE TERATÓPAGOS

Os teratópagos, são chamados pelo mundo leigo de gémeos siameses, também chamados por outros de gémeos xifópagos ou gémeos conjugados, são gémeos monozigóticos, ou seja, formados a partir do mesmo zigoto.

  1. BIOLOGIA DA GEMELARIDADE MONOZIGÓTICA

Os pares monozigóticos, são formados, no período entre um e 14 dias depois da fertilização, quando um único zigoto sofre desenvolvimento irregular, dando origem a dois indivíduos que são considerados idênticos do ponto de vista genético, pois possuem o mesmo património genético, visto que são oriundos de uma única célula-ovo ou zigoto. Os gémeos monozigóticos são do mesmo sexo, isto é MM ou FF, e, frequentemente, são denominados gémeos idênticos, apesar dessa denominação não ser muito apropriada, visto que a identidade, aqui, se refere ao genótipo e não ao fenótipo, havendo casos em que os pares monozigóticos apresentam grandes diferenças fenotípicas.

Cerca de 30% dos pares monozigóticos se originam da separação dos blastômeros num período muito precoce, isto é, até o terceiro dia após a fecundação, quando o zigoto segmentado ainda está no estado de mórula. Em consequência disso, formam-se dois blastocistos e os gémeos resultantes mostrarão, ao nascer, dois córions, dois âmnios (diamnióticos dicoriônicos) e, dependendo da proximidade dos locais em que estavam implantados no útero, duas placentas bem separadas ou unidas. Os outros 70% de pares monozigóticos, são o resultado de alterações que ocorrem entre o quarto até o 14º dia após a fecundação do ovócito. Essas alterações podem provocar a divisão da massa celular interna, o que propicia o nascimento de gémeos com dois âmnios e um córion (diamnióticos monocoriônicos) e uma placenta. No caso de essas alterações serem mais tardias, elas provocam a divisão do disco embrionário, disso resultando o nascimento de gémeos com um único âmnio e um único córion (monoamnióticos monocoriônicos) e placenta única. Essas alterações tardias também podem provocar uma repartição desigual do material embrionário e, por conseguinte, a produção de maiores diferenças entre os pares monozigóticos.

  1. MECANISMO EMBRIOLÓGICO DA GÉNESE DOS TERATÓPAGOS

Se a separação do material embrionário for incompleta durante a formação de um par monozigótico, os gémeos resultantes poderão apresentar-se ligados por intermédio de uma estrutura comum, que permitirá a comunicação de seus sistemas circulatórios. Tais tipos de gémeos são denominados teratópagos, o que não é um termo muito apropriado pois, em grego, téras = monstro; pagos = unido, mas é a designação mais frequentemente utilizada no mundo académico ou cinetífico, para indicar a união física de gêmeos, que já foi notada inclusive em trigêmeos e em quadrigêmeos.

  1. FACTORES ASSOCIADOS A FORMAÇÃO DE TERATÓPAGOS

Dentre os factores associados à formação de teratópagos, destaca-se a história de tireoideopatia e de tratamento para infertilidade das gestantes. Na Hungria notou-se também uma associação entre o nascimento de teratópagos e o uso frequente de esteróides sexuais no início da gestação.

  1. PORQUÊ SÃO CHAMADOS PELO MUNDO LEIGO DE IRMÃOS SIAMESES E NÃO DE TERATÓPAGOS?

Na imprensa, e no mundo leigo, os teratópagos são, geralmente, chamados de irmãos siameses, em alusão a um caso que ganhou repercussão mundial no século dezanove, e que dizia respeito a um par de gémeos ligados entre si por uma ponte que ia da cartilagem ensiforme até o umbigo comum a ambos. Esses gémeos nasceram no Sião (atual Tailândia), em 1811, e faleceram nos Estados Unidos da América do Norte, em 1874, onde residiram a partir de 1829. O óbito de um desses gêmeos (Chang) foi consequência de pneumonia. O outro (Eng), de acordo com o relato de parentes, faleceu vítima de violento terror, algumas horas depois da morte do irmão, enquanto aguardava a vinda do médico que deveria proceder a separação cirúrgica dos corpos. A autópsia desses irmãos revelou que a ligação entre eles continha tecido hepático, que unia o fígado de Chang ao de Eng. 

  1. CLASSIFICAÇÃO DOS TERATÓPAGOS

Na literatura sobre gémeos que nascem unidos existem abundantes exemplos de pares ligados por outras partes do corpo, com duplicação total ou parcial dos órgãos. Tais gémeos são classificados em três grandes grupos, conforme a ligação entre eles seja feita pela parte inferior do corpo (teratópagos catadídimos, do grego, cata = para baixo), por uma parte superior (teratópagos anadídimos, do grego, ana = para cima), ou apenas por uma região mediana do corpo (teratópagos anacatadídimos). Nem sempre, porém, os gêmeos teratópagos constituem um par com o mesmo desenvolvimento, pois um dos gêmeos pode apresentar desenvolvimento rudimentar. Nesse caso, o menos desenvolvido recebe a denominação de parasitário. Cada um desses grupos admite subclassificações, de acordo com o tipo de união dos gémeos. Assim, dentre os teratópagos catadídimos, aqueles que apresentam duas faces em uma cabeça ligada a um único corpo são denominados diprósopos (do grego, prósopon = rosto) ou com cabeça de Janus, em alusão à divindade romana simbolizada em portões e arcos por uma cabeça com duas faces, uma das quais, geralmente, barbada e a outra glabra.

Os que apresentam duas cabeças ligadas a um único corpo são denominados dicéfalos (do grego, kefalé = cabeça). Actualmente, porém,, existe a tendência de não considerar os dicéfalos como resultantes de separação incompleta de gêmeos monozigóticos, mas de uma divisão da região que forma a cabeça do embrião, o que daria origem a dois pólos cefálicos em um único corpo. Os isquiópagos (do grego, ísquion = quadril), por sua vez, são os gêmeos ligados pelas margens inferiores da região sacrococcigeana, mantendo as colunas vertebrais em sentidos 22 opostos, segundo um mesmo eixo. Quando os gêmeos estão ligados pela superfície pósterolateral da região sacro-coccigeana, eles são denominados pigópagos (do grego, pigé = nádega).

Os teratópagos anadídimos congregam os craniópagos, que são ligados por uma região da abóbada craniana, os sincéfalos, ligados pela face, e os dípigos, que apresentam duas cinturas pélvicas e quatro membros inferiores ligados a um tronco e cabeça únicos. Finalmente, os teratópagos anacatadídimos incluem os gêmeos toracópagos, que apresentam parte da região torácica em comum, os onfalópagos (do grego, onfalós = umbigo) que, como os irmãos siameses Cheng e Eng, mencionados acima, são unidos por uma ponte de tecido que vai desde o umbigo até a cartilagem xifóide, e os raquípagos, que são unidos pela coluna vertebral em qualquer área acima da região sacro-coccigena. Os toracópagos e os onfalópagos são, também, frequentemente denominados de irmãos xifópagos em alusão ao esterno e apêndice xifóide (do grego, xífos = espada).

  1. ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS

As estatísticas internacionais a respeito dos teratópagos mostram que 51% desses gêmeos são do tipo anacatadídimo, a maioria (72%) toracópagos. Os teratópagos catadídimos correspondem a 32% e mostram maioria de dicéfalos (61%), enquanto os anadídimos constuem 12% dos casos, sendo os 5% restantes parasitários (International Clearinghouse for Birth Defects Monitoring Systems, 1991).

Esses levantamentos mostram, ainda, que a natimortalidade é bastante alta entre os teratópagos (47%), mas é importante assinalar, aqui, que a definição de natimorto é, infelizmente, muito variável, pois nem todos os países consideram como natimortos os óbitos de recém-nascidos com mais de 500g, o que corresponde a uma idade gestacional entre 20 e 22 semanas. Assim, por exemplo, na Noruega já são considerados como natimortos os conceptos cujo óbito ocorreu após a 16ª semana. Muitos desses óbitos, portanto, seriam classificados como abortos em Angola.

 

  1. A VIDA DE LUTA DOS TERATÓPAGOS

Esses indivíduos podem viver unidos por muitos anos e até mesmo gerar filhos. Embora poucos consigam chegar a vida adulta. Estima - se que dentre 40 gestações gemelares monozigóticas, uma resulta em gêmeos interligados por não separação completa.

  1. HISTÓRIA DA EXISTÊNCIA DA GEMELARIDADE SIAMESE NO MUNDO

O termo siameses se originou da primeira ocorrência registrada desse fenômeno no mundo: foi o caso dos gêmeos Chang e Eng, que nasceram no Sião, Tailândia, em 1811, ligados pelo ombro. Eles casaram, tiveram 22 filhos e permaneceram unidos até o fim de seus dias.

  1. DIAGNÓSTICO E PROGNÓSTICO

A gemelaridade conjugada incompleta trata-se de uma malformação congênita e resulta de uma divisão incompleta do eixo embrionário entre o 13.º e 15.º dias depois da fertilização. Esse facto, é único entre os gêmeos monocoriônicos e monoamnióticos. O diagnóstico é realizado pela ultrassonografia durante o pré-natal. Aproximadamente 70% dos gemelares conjugados são do sexo feminino; 35% dos gêmeos sobrevivem, mas morrem, geralmente, em 24 horas ou são natimortos devido às inúmeras anormalidades anatômicas. Na ausência de malformações cardíacas, pulmonares e intestinais, os gêmeos conjugados dicephalus podem alcançar a idade adulta.

  1. SERÁ OU NÃO POSSÍVEL SEPARAR CIRURGICAMENTE OS TERATÓPAGOS EXISTENTES NA MATERNIDADE AUGUSTO NGANGULA?

Tão difícil, é fazê – lo, caso coexistam gémeos dessa natureza que compartilham um mesmo órgão como o fígado, coração, rim ou pulmão, os ditos órgãos nobres, cuja vida passa a ser incompatível nesta magnitude.

A expressão de acto inédito, seria levantada aqui, caso milagrosamente, por efeito de uma experiência singular em cirurgia, um cirurgião angolano, fosse pela primeira vez mantidos separadamente bebés que compartilham os mesmos órgãos, e torná – los vivos por muitos anos, tal quanto, já é possível na USA, no Japão, e, na maior parte dos paises Europeus.

Esse acto, culminaria com a morte de um dos integrantes da gemelaridade, sacrificando a vida do menos desenvolvido manter – se – ia o mais desenvolvido.

Porém, a sorte, aqui morre solteira, porque Angola não tem condições técnicas, nem tão pouco científicas nos termos da medicina moderna, para separar dois bebés que partilham órgãos, seria possível, caso não partilhassem os mesmos órgão nobres, mas mantê – los vivos por muitos anos, estaria no segredo dos deuses, porque, mesmo separados, depois de o fazer, vêm os riscos inevitáves que colocam em termo a vida dos dois teratópagos, de então, o segredo não está apenas em separá – los, mas sim, em separá – los, e mantê – los vivos, porque, mesmo depois de separados, eles podem morrer por qualquer disfunção orgânica.

CONCLUSÃO

Salientamos a importância do exame pré-natal para a definição de anormalidades associadas, objectivando ao planejamento cirúrgico e à avaliação do prognóstico fetal. Entretanto, uma grande parte dos fetos dessa natureza evolui espontaneamente para óbito ou não sobrevivem às primeiras vinte e quatro horas. No caso dos existentes em Ngangula, é mais inteligente, não optar por alguma intervenção cirúrgica, fazendo – a, torna – se bastante arriscado, o que pode levar a morte dos dois, em virtude da ausência de tecnologia para tal, profissional com preparação para tal, material para tal, mesmo que se faça, o final não será auspicioso.  

BEM – HAJA!

João Hungulo: Médico, escritor, poeta, pesquisador.

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