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Terça, 30 Junho 2020 14:35

Sindika Dokolo: Eduardo dos Santos está “triste” e tem recebido mais apoio da UNITA que do MPLA

Todo o processo judicial que o envolve é, para Sindika, uma “caça às bruxas”, que tem como único objetivo “sujar a imagem de José Eduardo dos Santos”.

Questionado sobre como está o sogro a reagir a este momento, o congolês garante que o ex-Presidente “está triste”, mas tem a certeza que ele não terá encetado esforços para tentar resolver o problema da filha e do genro. “Ele não quis começar a contactar muita gente para não dar a impressão de que estava a criar polémicas ou problemas — não é a maneira de ser dele”, assegurou.

“O próprio presidente de Angola, as casas que tem nos EUA, as empresas que tem, etc., não vêm do seu salário. Que eu saiba, eles são funcionários públicos há décadas"

Tal não significa que concorde com a estratégia política de combate à corrupção acima de tudo de João Lourenço. Sindika Dokolo atreve-se mesmo a especular sobre o que pensa o sogro. “Ao nível do MPLA, havia um consenso de promover uma ideia de soberania através dos grupos empresariais nacionais e dos recursos de Angola, como o petróleo.

Esta ideia de dizer que estes grupos são todos corruptos e ligados a marimbondos e não sei quê” é algo que crê que deixa José Eduardo dos Santos “triste e inquieto”: “Conhecendo bem o meu sogro, ele deve sofrer, ao ver o seu país com dificuldade em encontrar um rumo claro, uma visão clara, que possa consolidar o que ele já conquistou”.

E o genro do antigo Presidente angolano aproveita ainda o momento para atirar outra farpa a Lourenço e ao seu governo, dizendo que José Eduardo dos Santos tem encontrado mais apoio por parte de membros da UNITA do que MPLA: “Curiosamente, muitos sinais de solidariedade e de carinho vieram da oposição. O que me surpreendeu, mas na verdade ele é uma pessoa que tem feito muito pelo partidarismo e pela democracia”, afirmou. “Ao nível do próprio MPLA, não sentimos um grande apoio ou uma grande solidariedade”, justificando tais posições por medo de se cair nas más graças de Lourenço. 

Mas se o Presidente não arrepiar caminho e procurar a unidade dentro do partido, Sindika Dokolo prevê-lhe uma derrota eleitoral, perante um cenário de crise económica (agravada pela Covid-19) e uma perceção pública de combate à corrupção “seletivo”: “Vai ter de haver unidade para vencer as próximas eleições”, avisa, naquilo que, porém, pode ser interpretado como mais uma pressão para convencer João Lourenço a negociar com Isabel dos Santos.

Nós fomos vítimas de uma grande injustiça. Eu não sou chorão. O povo angolano está a passar mal, numa crise económica sem precedentes, é claro que não posso estar aí a dizer ‘coitado de mim’”, reconhece o empresário congolês. Mas Sindika Dokolo não desiste de enviar uma mensagem para o Presidente, destacando os empregos que o casal criou no país (“Não se pode dizer que a Isabel não é uma mulher trabalhadora”) e a corrupção endémica de Angola, que o empresário insinua ter sido também protagonizada pelo próprio Lourenço. “Mais cedo ou mais tarde, esta injustiça vai ser clara para toda a gente”, avisa.

A “agenda subjetiva” da justiça portuguesa, o “irritante” Manuel Vicente e a insinuação de corrupção sobre João Lourenço

Sindika Dokolo diz-se confiante de que irá vencer esse processo, por considerar que, ao contrário do que sucede na justiça portuguesa, na justiça holandesa “não há uma agenda subjetiva”. E dá um exemplo: “Quando entregámos na justiça portuguesa as provas de que houve documentos falsificados pelas autoridades angolanas, que permitiram ao juiz emitir um arresto, eles preferiram ignorar. Porque claramente que têm agora a sua própria dinâmica”, disse, referindo-se ao alegado passaporte falsificado de Isabel dos Santos que teria a assinatura de “Bruce Lee”.

O empresário congolês aproveitou, por isso, a entrevista à MFM para criticar vários poderes em Portugal, nunca os nomeando em concreto: “Claramente que há um núcleo muito poderoso em Portugal de pessoas ligadas à justiça, à política, aos media, aos negócios, que estão a fazer um aproveitamento desta guerra interna política ao nível angolano”.

Mas esse tiro pode sair pela culatra a João Lourenço, avisa Sindika, dando como exemplo concreto a Efacec: “Angola vai a Portugal tentar destruir uma empresa, que, quer queira quer não, é angolana, e que vai passar a ser portuguesa, com uma perda de valor”. E avisa que tal pode ter outro tipo de impacto na imagem externa de Angola, destacando que a entrada de Isabel dos Santos na Efacec ajudou a salvar “2.500 empregos portugueses”. “Não achem que isso não vai ter um impacto sobre a maneira como os angolanos vão ser vistos e acolhidos em Portugal. E Portugal é a porta de saída de Angola para o mundo”, afirma, acrescentando “a perceção em França, Inglaterra e Alemanha” face a Angola mudou com este processo contra Isabel dos Santos.

“Claramente que há um núcleo muito poderoso em Portugal de pessoas ligadas à justiça, à política, aos media, aos negócios, que estão a fazer um aproveitamento desta guerra interna política ao nível angolano” Sindika Dokolo

Não se pense, porém, que Sindika lamenta apenas a perda da maioria na Efacec apenas por efeitos externos para Angola. Isabel dos Santos, diz, foi “obrigada a vender e no pior momento, a preços baixíssimos” e destaca que “surgiram agora várias empresas de repente” para comprar a sua parte, muito embora “os bancos portugueses é que emprestaram dinheiro para quase 3/4 do investimento que lá foi feito”.

O investimento de Isabel dos Santos em Portugal durante o período da troika ajudou a salvar empregos, mas criou amargos de boca, na leitura de Sindika: “O facto de ter um grupo estrangeiro que vem de um país que é uma ex-colónia e que começa a dominar o mercado português… Há muita gente em Portugal que não gostou disso” — uma “frustração” que classifica como sendo “de longa data” na relação entre Portugal e Angola.

“Foi a tal ponto que em Portugal, nessa coisa do Luanda Leaks, nas máquinas multibanco aparecia uma fotografia de Isabel dos Santos com ‘Luanda Leaks’. Faziam publicidade!”, indignou-se durante a entrevista a João de Almeida. “Houve uma quantidade de meios e dinheiro investidos nessa campanha que deveriam alertar o sentido crítico do público. Então é só por justiça? É só por amor ao povo angolano? Mas, durante esse tempo, todos os que roubaram dinheiro da Sonangol, que têm casas em Cascais, que têm parcerias com testas de ferro portugueses… Isso não tem problema, desde que não seja um ‘irritante’.”

A referência está longe de ser inocente, já que o “irritante” foi a expressão com que António Costa se referiu ao processo de Manuel Vicente, ex-vice-Presidente de Angola, que acabou retirado da Operação Fizz, numa certidão enviada para Angola depois de pressão por parte de João Lourenço. O procurador Orlando Figueira foi condenado por ter feito desaparecer processos na sequência de subornos por parte de Manuel Vicente — mas Vicente não foi julgado em Portugal e o seu processo continua por avançar em Luanda. A mensagem de Sindika Dokolo é clara: ao acusar apenas Isabel dos Santos, a justiça angolana está a usar dois pesos e duas medidas.

Isso mesmo explicitou na entrevista, acabando por não negar os crimes de que está acusado em conjunto com a mulher, mas sublinhando que estão a ser perseguidos por ações que eram cometidas por todos: “Devia então aplicar-se a mesma forma a todos os políticos e dirigentes que têm património, cujas empresas assinaram contratos com um ex-camarada, governador, etc. e que receberam o dinheiro adiantado”, disse. “Têm de seguir a mesma norma e devolver ao povo o seu património”.

Concretamente, Dokolo aponta um nome em particular: João Lourenço. “O próprio presidente de Angola, as casas que tem nos EUA, as empresas que tem, etc., não vêm do seu salário. Que eu saiba, eles são funcionários públicos há décadas”, afirma, referindo-se possivelmente a Lourenço e à sua mulher, Ana Dias Lourenço, ex-ministra do Planeamento.

Prontos para negociar: Isabel dos Santos e Sindika Dokolo tentaram contactar autoridades “várias vezes, por vários canais”

A propósito das buscas a Isabel dos Santos, levadas a cabo pela Polícia Judiciária e pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), num processo que tem Carlos Alexandre como juiz de instrução, Sindika Dokolo aproveita a entrevista na MFM para desvalorizar as provas existentes, ao dizer que “soube pelas notícias” que era afinal proprietário duma casa no Algarve — que teria sido alvo de buscas e que, de acordo com o Jornal Económico, se suspeita que pertença à empresária angolana. 

“Estou a ver uma justiça portuguesa às ordens da política angolana”, declarou Dokolo para se referir às buscas efetuadas na sequência de uma carta rogatória vinda de Angola. “Nós não somos intimidados”, garantiu, usando o plural majestático e assumindo, assim, o discurso como seu e da sua mulher: “Vamos ser dignos da herança política que é a nossa e dignos de José Eduardo dos Santos. Vamos mostrar caráter”.

Essa mostra de “caráter” pode passar mais concretamente pela disponibilidade para negociar com as autoridades judiciais angolanas. “A lei prevê que haja negociações. E realmente não se percebe, porque seria do interesse de todos encontrar-se uma saída o mais rápida possível”, afirmou taxativamente Sindika Dokolo na entrevista a João de Almeida. De seguida, tentou explicar como tal seria igualmente bom para o Presidente João Lourenço, ao crer que “a sociedade civil” de Angola já está a sentir que há uma “seletividade”: “O alguns serem completamente impunes e outros serem alvo de todos os ataques”, resumiu.

E vai ainda mais longe nessa tática negocial: “A posição de um grupo como o de Isabel dos Santos estar mais nas primeiras páginas dos jornais a anunciar que vai criar mais uma empresa, vai abrir mais uma perspetiva, vai dinamizar o nosso tecido económico, [é melhor] do que estar a dizer que ela vai aparecer em tribunal, que isto se vai arrastar durante anos e que ela está acusada de ser uma ladra e etc. Acho que ninguém tem interesse nisso”.

Sindika reforça ainda que ele e Isabel não têm “interesse em começar polémicas e politiquices” e reforça que pretendem sim continuar a trabalhar como empresários em Angola, criando “valor” e “emprego”. Questionado sobre se o casal tentou alguma vez entrar em contacto com as autoridades angolanas, Dokolo é taxativo: “Claro. Várias vezes, por vários canais. Pessoalmente, através dos nossos advogados, através da procuradoria-geral da República, com contactos ao nível do partido e do governo, para dizer que estamos disponíveis para ultrapassar esta questão. Porque achamos que quem está a perder não somos só nós, é também Angola.”

"[Tentámos contactar autoridades angolanas] várias vezes, por vários canais. Pessoalmente, através dos nossos advogados, através da procuradoria-geral da República, com contactos ao nível do partido e do governo, para dizer que estamos disponíveis para ultrapassar esta questão. Porque achamos que quem está a perder não somos só nós, é também Angola"

Sindika Dokolo sobre a possibilidade de negociar com autoridades judiciais

Esta disponibilidade declarada ganha ainda mais peso se tivermos em conta as dúvidas que se mantêm até à data sobre se estariam a decorrer ou não negociações entre ambas as partes e até sequer sobre quem estaria disposto ou não a negociar. A 31 de janeiro, o jornal Expresso avançou que estaria a ser acordada entre ambas as partes a devolução do dinheiro exigido por Luanda ao Estado angolano, em troca da suspensão do arresto. Três dias mais tarde, essa negociação era desmentida pelo procurador-geral Hélder Pitta Grós — que tinha, contudo, falado ao Expresso num “sinal ténue” — e pelo próprio Presidente angolano, João Lourenço, que disse não só não estarem a decorrer negociações com Isabel dos Santos, como tal não viria a acontecer no futuro. Também o advogado Sérgio Raimundo, tido como o porta-voz angolano da estratégia de Isabel dos Santos, desmentiu dias depois quaisquer negociações ao Público.

A 17 de fevereiro, porém, o Observador noticiou que Isabel dos Santos se propôs de facto a negociar com o regime angolano, através de uma carta de página e meia enviada ao próprio Lourenço, onde se fazia “um pedido explícito de negociações nos parágrafos quarto e quinto”. Contactada pelo Observador, a assessoria de imprensa de Isabel dos Santos não enviou qualquer resposta sobre este tema.

Após a publicação do artigo, Isabel dos Santos viria a desmentir parte dele no Twitter, dizendo que não houve nenhum pedido explícito do seu pai para que reduzisse a sua presença nas redes sociais — que também era referido. Contudo, sobre o pedido de negociações, não fez qualquer comentário. Observador

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