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Quinta, 09 Julho 2020 00:43

Caso IURD: A igreja nasceu da raiz do mal

O grupo de pastores da Igreja Universal do Reino de Deus que deu o grito de independência fê-lo trazendo à rua denúncias de práticas contrárias ao princípio divino da procriação, nomeadamente, a vasectomia e o aborto.

A ser verdade, “mostra que a igreja nasceu da raiz do mal, é uma igreja com princípios errados, é uma igreja que, de facto, tem frutos maus”, na opinião do reverendo Alberto Cambuembue, da Igreja Evangélica Universal de Luanda. Conquanto reconheça que não se deve “julgar ninguém”, Cambuembue sublinha que não se pode escamotear a verdade, uma vez que “as revelações saem de dentro da própria Igreja”.

Ivone Teixeira, do Gabinete de Comunicação Institucional da IURD, assegura que “o aborto é uma prática que a Igreja não incentiva, nem aprova”.Já a vasectomia “não é um crime. É um método contraceptivo de escolha individual de cada casal”, dando como exemplo o seu marido, um pastor angolano, que fez o procedimento cirúrgico há dois anos, depois de terem dois filhos.

Jimi Inácio, porta-voz do grupo de pastores que avançou para a cisão da IURD e partiu para o controlo dos templos, revela que foi quando a Igreja começou a tornar-se próspera, quanto ao número de seguidores e aos bens materiais,que a vasectomia passou a ser um meio de coacção para o pastor que quisesse casar ou ascender no seu ministério, uma vez que “a Igreja tem níveis ou escalões de pastores. A Igreja condicionava a vida do pastor se não se submetesse à vasectomia”.

O pastor Agostinho Feijó, da Igreja Assembleia de Deus Pentecostal, conta que um primo seu, um renomado pastor, teve de abandonar a IURD por ter casado.“Ele nem sequer conseguia revelar as razões. Agora é que sabemos o porquê. Ele fez filhos. Tão logo casou desligou-se da Igreja. E era um pastor da Universal que tinha nome, tinha projecção até para ser bispo”.

Recorrendo aos números, na sua qualidade de também economista, Agostinho Feijó presume que a necessidade de se evitar o rombo nos cofres da IURD com uma elevada despesa com agregados familiares extensos, pode ter motivado a medida de travar “o propósito divino” que tem que ver com a multiplicação, através da procriação, uma vez que “é mais fácil mover um casal do que uma família com filhos”, considerando o trabalho missionário dos pastores da congregação religiosa.

A conclusão do pastor Jimi Inácio é que tenha sido, realmente, uma medida “para cortar despesas”. Uma medida que, para o pastor Agostinho Feijó, é uma manifesta luta contra Deus, “é amputar a natureza do homem” adulterar o que saiu da mão do Criador. Agostinho Feijó insurge-se igualmente contra as práticas abortivas, buscando fundamentação em Deuteronómio 28,4 (“Bendito é o fruto do teu ventre”), ou ainda em Salmo 123,3 (“Os filhos são uma bênção do Senhor; os frutos das entranhas uma verdadeira bênção”). Para ele, a Igreja ao seguir este caminho acaba por cometer muitos pecados.

Ao tirar o véu da IURD, o pastor Jimi Inácio conta que quando as esposas de pastores engravidassem, havia uma certa pressão psicológica que resultava em abortos.“Imagine uma mulher grávida sofrer pressão psicológica, mudar de casa constantemente, ter que sair de Luanda para outra província, numa situação de risco!

Então, tivemos muitos abortos fruto dessa pressão, que era propositada”, porque isso atrapalhava, aparentemente, a missão da Igreja.

Ir com a esposa numa mão e a mala na outra é o que escreveu Edir Macedo, o fundador da IURD, na sua obra “Nada a Perder”, a propósito da transferência de pastores e bispos.

Direitos “confiscados”

Sem casa, sem carro, sem salário, sem as mordomias da vida de pastor dedicado, única e exclusivamente, à Igreja, porque a instituição proíbe o exercício de qualquer outra actividade, a decisão pela cisão, de forma abrupta, rasgando o véu que escondia o secreto, mostra pastores que quase viviam agonizando, apesar de, na sua missão, passarem uma mensagem de esperança aos fiéis através do slogan “Pare de Sofrer”, que, a par de “Jesus Cristo é o Senhor” conformam a doutrina da IURD.

“Ainda que o pastor cometa algum pecado não lhe podem retirar as benesses. Não podemos pegar no homem porque pecou e pô-lo na rua. Isso é matar o cidadão, é matar a pessoa”, argumenta o pastor Agostinho Feijó.

A propósito, o pastor Jimi Inácio refere a existência de pessoas que foram pastores da Igreja Universal durante muitos anos, não fizeram outra coisa senão pregar que “Jesus Cristo é o Senhor” e hoje “se parecem a marginais”, devido ao modus operandi da Igreja.

“Um belo dia, por conta de um problema, uma injustiça, mandam o pastor embora. Ele não tem onde morar, não tem carro, isso frustra”. No entendimento do pastor Feijó, “aqui faltou formação aos pastores, assim como erraram ao aceitarem uma doutrina sem respaldo bíblico e sem nenhum contrato jurídico”.

Ivone Teixeira ressalta que a IURD não discrimina ninguém, “todos são iguais e têm os mesmos direitos”, e que quando o objectivo do pastor “deixa de ser o de ganhar almas e passa a ser o de olhar para si mesmo acontece o que estamos a verificar”. A responsável apresenta a ala reformadora como “um grupo que almeja ter o controlo da Igreja com propósitos escusos”.

De acordo com Ivone Teixeira “na vida tudo passa, hoje as pessoas lutam para conquista de bens, para satisfazer o seu ego, esquecendo-se, porém, que quando morrerem nada levam. A salvação é a principal conquista de um cristão e são estes princípios que a IURD ensina aos seus fiéis”.

O reverendo Alberto Cambuembue olha “com muita tristeza” para o que está a acontecer na Igreja Universal do Reino de Deus, que fica manchada pela actual convulsão, sugerindo que a sociedade ajude “a preservar o que ainda dela resta” e para que não desemboque num conflito com sangue. Já o sociólogo Vidal Machado acredita que esse estado de coisas pode ter um impacto negativo nos membros da IURD, pois vai aumentar o nível de desconfiança entre as famílias e a instituição religiosa.  Ivone Teixeira acredita, porém, que os fiéis “continuam firmes e fortes, acompanhando as programações da IURD nas redes sociais, os programas televisivos”.

Para a porta-voz da IURD “a ovelha reconhece a voz do seu pastor e consegue discernir o certo do errado”. O pastor Agostinho Feijó realça que o problema da IURD afecta todas as religiões, quer sejam pentecostais, quer sejam metodistas, todos os que professam o nome de Jesus Cristo“estão a ser abalados com essa situação”.

Pastores sem formação

Não foi a fé que fez muitos dos pastores abraçar o ministério, no entender do pentecostal Agostinho Feijó. Foi a necessidade de emprego. Era tempo de guerra quando a IURD chegou a Angola com a mensagem da prosperidade. Marginais foram, felizmente, reabilitados, transformados, e, “sem nenhuma formação bíblica tornaram-se pastores. É só falar abrasileirado”, afirma Agostinho Feijó.

Para o pastor Feijó, o que acontece na IURD é contrário à sua doutrina que tem que ver com o nascer de novo. “A pessoa fica três meses, um ano a morar na Igreja e depois é pastor. Esse cidadão levou toda a sua vida lá, mas faltou-lhe o novo nascimento, quando a pessoa aceita Jesus como seu Deus e salvador. Quem começa esse trabalho é o Espírito Santo, mas o homem tem que ceder”.

Ainda de acordo com o também professor, as famílias angolanas devem começar a entender que não devem acreditar em qualquer palavra que venha de qualquer pessoa. O pastor Jimi Inácio diz ter feito um bacharelato em Teologia, adicionando depois mais um ano à formação, completando assim a licenciatura. Mas a formação, segundo revela, não é uma prioridade da Igreja.

“O pastor é formado mesmo no dia-a-dia com a comunidade, com as ovelhas, no trabalho missionário”. É a chamada formação prática da vida, através da qual se adquire “conhecimento prático da própria vida cristã em si, e no envolvimento com as escrituras”.

Aliás, a história da IURD mostra que o seu fundador, Edir Macedo, decidiu pôr fim a uma Faculdade Teológica por entender que reduzia o fervor dos estudantes, criticando o que considerava “cristianismo de muita teoria e pouca prática; muita teologia e pouco poder, muitos argumentos, pouca manifestação, muitas palavras, pouca fé”, isto na sua obra “A Libertação da Teologia”.

Um problema antigo

Os problemas que já se vinham acumulando no seio da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola e que se tornaram públicos com o “Manifesto Pastoral” de 28 de Novembro de 2019, ganharam contornos mais nítidos no dia 22 de Junho, quando um grupo de bispos e pastores tomou de assalto 30 templos em seis províncias, designadamente Benguela, Cuanza-Sul, Huambo, Malanje e Namibe.

Liderados pelo bispo Valente Bizerra, os pastores angolanos decidiram romper com a representação brasileira em Angola, encabeçada pelo bispo Honorilton Gonçalves, a quem acusam de uma série de irregularidades.

Em declarações ao Jornal de Angola, o pastor Agostinho Martins da Silva, porta-voz da denominada “Comissão Instaladora da Igreja Universal do Reino de Deus Reformada em Angola”, disse que os angolanos continuam a testemunhar actos de discriminação racial, castração, abortos forçados às esposas dos pastores e usurpação das competências da assembleia geral de pastores.

O presidente da Comissão de Cultura, Assuntos Religiosos, Comunicação Social, Juventude e Desporto, da Assembleia Nacional, Boaventura Cardoso, lamentou a situação e disse tratar-se de um problema cuja solução deve ser encontrada pelos próprios membros das igrejas.

“São cisões que acontecem, de forma recorrente, nas denominações religiosas”, acentuou. A Procuradoria Geral da República (PGR) exortou, no dia 24 de Junho, as alas brasileira e angolana da IURD a chegarem a acordo, sem precisar entrar em vias de facto.

O porta-voz da Procuradoria Geral da República, Álvaro João, disse que a PGR não pode tomar alguma decisão sobre o processo de reforma em curso na Igreja, por ser um problema interno, cuja solução compete apenas aos contendores. “Agora, se no decurso deste processo se cometer algum crime, a parte lesada deve apresentar queixa”, frisou Álvaro João, ressaltando que a solução para o referido problema passa por as partes sentarem à mesma mesa para conversações.

O porta-voz salientou que os problemas têm de ser resolvidos sem a necessidade de se fazer recurso à força.“Devem chegar a um entendimento e sem violência”, realçou.

O meio escolhido pelas partes, para chegar a acordo, prosseguiu, deve evitar a violência, pois, dessa forma, alertou, descambará em crime.

Em relação à luta pelo património da Igreja, Álvaro João disse tratar-se de um assunto que as partes devem resolver em Tribunal.Ambas as partes recorreram às autoridades judiciais.

Lições a tirar

No entender do sociólogo Vidal Machado, da crise da Igreja Universal do Reino de Deus podem ser tiradas diversas lições, como a de “uma religião que se implante num país não deve impor os seus valores aos autóctones, mas adaptar-se aos valores encontrados, para que a cultura e a autoctonia se revejam nela”.

Outra lição, segundo o especialista, “ é a ideia de que ser cristão é um projecto sério, servir o Evangelho deve ser por vocação e não por emoção desmedida e materialista. Não basta apenas falar bem para se ser pastor, não basta apenas pensar que ser carismático também é passaporte para a vida pastoral. Ser pastor é mais do que isso, deve ser um chamado e um projecto de lealdade e fidelidade a Deus e à obra”.

Vidal Machado acredita ainda que depois do caos acaba por vir a ordem, “seguramente, se todas as partes convergirem através do diálogo firme, sincero e honesto”. Poder-se-á observar uma retomada da normalidade. “Pois, o principal factor de desmembramento é o material, a ascensão desmedida ao luxo e ao prazer”.

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