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Sábado, 25 Janeiro 2020 16:53

Luanda Leaks. Retorno de capitais por Isabel dos Santos pode ser atenuante - PGR

De acordo com a lei angolana, um retorno de capitais voluntário por parte de Isabel dos Santos poderá servir como circunstância atenuante num eventual julgamento. Quem o explica é Hélder Pitta Gróz, procurador-geral da República de Angola, que em entrevista à RTP contou ainda o que foi discutido durante o seu encontro com a homóloga portuguesa na quinta-feira.

“Não poderá ser o Estado angolano a dar o primeiro passo. Deverá ser ela [Isabel dos Santos] a dar o primeiro passo e depois, dentro do processo penal, teremos isso em consideração como circunstância atenuante”, explicou Hélder Pitta Gróz.

A empresária angolana terá, ainda assim, de sofrer as consequências jurídicas de um eventual processo em tribunal, uma vez que em 2019 “foi aprovada uma lei sobre repatriamento do coercivo e perda alargada dos ativos” e desde então os retornos voluntários não permitem aos envolvidos contornar tais consequências.

Hélder Pitta Gróz contou ainda à RTP o que foi discutido durante o seu encontro com a homóloga portuguesa na quinta-feira. Entre os assuntos em cima da mesa esteve, inevitavelmente, o caso Luanda Leaks.

“Angola pensa que o dinheiro que foi utilizado para alguns negócios aqui [em Portugal] da senhora Isabel dos Santos tenha uma proveniência ilícita, e portanto se foi tirado de Angola de uma forma ilícita e usado em Portugal, aí já existe uma questão comum” aos dois países, explicou à RTP o PGR angolano.

Por essa razão, Hélder Pitta Gróz pediu à Procuradoria-Geral da República que Portugal cumpra as cartas rogatórias, instrumento jurídico de cooperação entre os dois países, “com a maior brevidade possível”, uma vez que algumas das pessoas constituídas arguidas pela PGR de Angola são portuguesas, sendo necessário que sejam notificadas do despacho que as constitui como arguidas para que possam vir a ser interrogadas.

Quanto a dados concretos trazidos pelo PGR angolano à homóloga portuguesa, Pitta Gróz disse ter entregue a carta rogatória, cabendo a Portugal decidir se esse elemento é suficiente para espoletar uma eventual ação contra Isabel dos Santos no país.

Os próximos passos em Angola

Em Angola, os próximos passos vão depender da resposta da engenheira às ações tomadas até ao momento. “Nós agora vamos ver qual é a melhor forma de agir”, explicou Hélder Pitta Gróz.

“Neste momento queremos notificá-la da qualidade de arguida neste processo. Posteriormente vamos notificá-la para que seja interrogada como arguida”, elucidou, acrescentando que só depois disso será possível aferir a necessidade de um mandado de detenção internacional.

Quanto a um possível arresto dos bens da empresária, o procurador-geral angolano não descartou a possibilidade. “Não vou dizer agora que isso seja uma realidade, mas as equipas que começarem a trabalhar” no caso poderão concluir que tal é necessário, argumentou.

Questionado sobre se uma eventual acusação estará para breve, o PGR esclareceu que “é difícil dar um prazo” pois podem surgir ainda “várias questões” que possam alterar o rumo do processo em curso.

Disse, porém, que Angola está a trabalhar para que o processo não seja demorado. “Queremos que os processos sejam céleres, porque assim também a justiça é feita de uma forma célere e resulta”, sublinhou.

“Nós temos provas que, neste momento, permitiriam que o processo fosse introduzido ao tribunal. Mas entretanto, com as notícias que foram divulgadas recentemente, vimos que temos mais matérias para explorar”.

Notícias essas que deram conta dos documentos envolvidos no Luanda Leaks que, de acordo com o responsável angolano, não se sabe ainda se poderão ser utilizados neste processo da justiça angolana.

“Primeiro temos de saber a forma como foram obtidos” para saber quais poderão ser utilizados, explicou. “Vimos que há conexões e operações que não tínhamos ainda a certeza de que existiam, e uma ou outra que não sabíamos”.

O alegado desvio de 38 milhões de dólares da Sonangol para uma conta de Isabel dos Santos no Dubai, por exemplo, já constava no processo de inquérito angolano, mas alguns dos documentos revelados no Luanda Leaks tornaram possível uma comprovação mais segura da movimentação de capitais.

Envolvimento Eduardo dos Santos no processo

Pitta Gróz pronunciou-se ainda sobre a decisão de Isabel dos Santos de se desfazer das participações em empresas portuguesas, como o Eurobic ou a Efacec.

“Eu acho que isso é uma forma de proteção dessas empresas. A senhora Isabel dos Santos, neste momento, penso que poderá ser uma má companhia para as empresas portuguesas e acredito que elas queiram proteger-se e tenham chegado a esse acordo”, afirmou.

Quanto à possibilidade de José Eduardo dos santos, cuja imunidade termina dentro de aproximadamente dois anos, poder vir a ter de prestar contas à justiça angolana, o procurador-geral disse esperar que tal não venha a acontecer.

“Não é nossa intenção que isso aconteça, e eu particularmente não gostaria que isso acontecesse”, declarou Pitta Gróz, acrescentando que o pai de Isabel dos Santos foi Presidente numa fase muito difícil e teve um papel “que não podemos esquecer” para Angola e para a consolidação da independência desse país.

“Mas também refiro que ele é um cidadão e tem as suas obrigações, tem os seus direitos e os seus deveres”, defendeu.

O PGR respondeu ainda às dúvidas levantadas por Isabel dos Santos, numa entrevista à RTP na passada semana, sobre a independência da justiça angolana e a possibilidade de esta estar ao serviço do poder político.

“Seria bom que ela pudesse ser mais clara” sobre “desde quando é que achou que não há independência dos órgãos de justiça. No meu entender, acredito que na atuação desses órgãos tem havido independência do legislativo, do executivo e do judicial”, afirmou.

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