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Quinta, 16 Janeiro 2020 17:02

Processo contra Isabel dos Santos pode ser uma distração para esconder miséria - Alves da Rocha

O economista angolano Manuel Alves da Rocha considerou hoje que o processo de arresto de bens da empresária Isabel dos Santos pode ser uma distração, face à "situação de miséria" que Angola está a atravessar.

"Não sei até que ponto é que este processo de arresto dos bens de Isabel dos Santos não teve a intenção de, de certa maneira, ser um 'fait-divers' relativamente à grande crise económica e social que Angola vive", disse o diretor do Centro de Estudos e Investigação Científica, da Universidade Católica de Luanda, em declarações aos jornalistas, em Lisboa.

Questionado sobre o que está em causa no arresto de bens da empresária, do marido e de um seu colaborador, no valor de 1,1 mil milhões de dólares, Alves da Rocha disse: "Ninguém ainda conseguiu dizer o valor dos bens que saiu do país ou que foi retirado ilegalmente ao Estado, nem o Banco Nacional de Angola, nem o próprio Governo".

Ao falar-se de 1.100 milhões de dólares (987 milhões de euros), "que foi o valor que foi atribuído sem se perceber como, evidentemente que isso é uma gota de água nas necessidades de financiamento da economia angolana e nas necessidades de investimento na diversificação", defendeu o professor universitário.

"O arresto de bens na luta contra a corrupção é uma maneira relativamente enviesada, já me perguntei se haverá outras razões que levem o Presidente João Lourenço a focalizar-se na família, parental e política de José Eduardo dos Santos", afirmou o economista.

Instado a aprofundar a ideia, Alves da Rocha acrescentou: "Há razões políticas, ele pretende posicionar-se dentro do partido com força e já há análises feitas que dão conta de discrepância sobre o poder que João Lourenço tem no Governo e o poder que tem no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder), que são poderes desequilibrados, mas haverá seguramente outras razões, não estritamente políticas, mas pessoais, sobre situações que aconteceram entre os dois".

Comentando a atual situação política em Angola, Alves da Rocha defendeu que "o Presidente João Lourenço, de alguma maneira, tem vindo a perder algum apoio popular porque representou a mudança, uma nova organização da economia e da sociedade, só que os resultados não estão a aparecer”.

“As vozes de alguns ministros que dizem que as coisas não acontecem da noite para o dia, e que as reformas precisam de tempo, é verdade, mas será que as reformas vão no sentido correto?", questionou o académico.

Para Alves da Rocha, "o acordo com o Fundo Monetário Internacional não é o acordo de que Angola necessita para resolver os problemas económicos, promover a diversificação, atrair investimento estrangeiro e simultaneamente aliviar as tremendas carências sociais na saúde, na educação, nos rendimentos, no emprego, que a população tem".

Angola, lembrou, está em recessão desde 2015, "e isso tem reflexos profundos sobre a situação social do país e não vemos, para os próximos tempos, a possibilidade de se alterar este percurso decrescente da economia nacional, não só pela evolução do petróleo, mas sobretudo pela falta de reformas que Angola devia ter encetado com dinamismo e persistência" ainda durante a governação de José Eduardo dos Santos.

O anterior Presidente, acusou, "promoveu o facilitismo, promoveu a acumulação de riqueza e agora estamos aflitos sobre a maneira de reverter isto, e não é com o FMI que Angola reencontra o caminho de crescimento económico sustentável".

Além de Isabel do Santos, que foi alvo de um arresto provisório, também José Filomeno 'Zenu' dos Santos está a braços com a justiça, respondendo em tribunal por uma alegada transferência irregular de 500 milhões de dólares enquanto era presidente do Fundo Soberano de Angola.

Isabel dos Santos tem-se de queixado nas últimas semanas de estar a ser alvo de perseguição, uma queixa partilhada com outra das filhas do antigo presidente, ‘Tchizé’ dos Santos, que viu recentemente o MPLA suspender o seu mandato de deputada, uma decisão que foi entretanto impugnada junto do Tribunal Constitucional.

Situação social explosiva e manifestações são proibidas

O economista angolano Manuel Alves da Rocha disse que Angola vive uma "situação social explosiva" decorrente da crise económica e afirmou que as manifestações sobre esta situação "não têm sido permitidas" pelas autoridades.

"Angola vive uma situação de crise permanente, está em recessão desde 2015 e daí até agora tem sido recessão sobre recessão, o que originou um situação social explosiva", disse o presidente do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Luanda durante a apresentação do livro 'Angola, que futuro', em coautoria com Manuel Ennes Ferreira, esta tarde em Lisboa.

"A situação só não tem explodido porque ainda existem muitas amarras e dificuldade de as pessoas se manifestarem", apontou, explicando que "escrever reflexões [em jornais e livros] não é problema, mas relativamente à possibilidade de a sociedade civil se manifestar contra a presente situação social em Angola, onde a taxa de desemprego está nos 30,4% e o desemprego jovem está nos 56%, não tem sido permitido a ocorrência de manifestações para as pessoas dizerem de viva voz que estão descontentes com esta situação".

O livro, que reúne crónicas publicadas em Lisboa, no Semanário Económico e no Expresso, e em Luanda no Expansão, foi esta tarde apresentado em Lisboa, e tem na presidência de João Lourenço e na transparência e combate à corrupção um tema central.

 Projectos adjudicados sem concurso público

O director do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Luanda disse em Lisboa que há projectos públicos no país que estão a ser adjudicados pelo Governo sem contratos públicos.

“Têm vindo a público informações sobre contratos sem concurso público, de menor valor do que no tempo de José Eduardo dos Santos, é certo, mas não é uma boa informação sabermos que há adjudicação de projectos com base em listas”, disse Manuel Alves da Rocha em declarações aos jornalistas no final da apresentação do livro “Angola, Dois Olhares Cruzados”, em coautoria com Manuel Ennes Ferreira.

“O processo de luta contra a corrupção não é apenas uma intenção. João Lourenço fez do combate à corrupção um autêntico programa de Governo, o que não é correcto, porque nunca se vai conseguir erradicar completamente a corrupção, e já há ocorrências em que projectos públicos são adjudicados sem um concurso público, e a implementação de mais transparência era uma das principais tarefas” do Presidente, lamentou o académico.

“O meu cepticismo [relativamente a João Lourenço] decorre de ter sido secretário-geral do MPLA, membro de governos provinciais e ministro de vários pastas e de haver informações de que a luta dentro do partido está acesa, porque não é com facilidade que se podem destruir grupos de pressão que sempre beneficiaram deste tipo de abordagem ao dinheiro público”, disse Alves da Rocha. 

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