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Segunda, 20 Janeiro 2020 17:38

Luanda Leaks. Procurador-Geral de Angola admite emitir mandado de captura de Isabel dos Santos

O procurador-geral de Angola, Hélder Pitta Gróis, admite avançar com um mandado de captura de Isabel dos Santos, se a investigação à gestão da empresária resultar em processo-crime.

A hipótese é levantada numa entrevista no âmbito dos Luanda Leaks, publicada esta segunda-feira pelo Expresso, em é também revelado que a empresária abandonou o país após ter sido notificada para depor num inquérito relacionado com a gestão da Sonangol, petrolífera estatal angolana.

As autoridades angolanas investigam a empresária por suspeitas de branqueamento de capitais e gestão danosa da petrolífera. Este processo foi aberto, curiosamente, a pedido de Isabel dos Santos. A empresária requereu a abertura de um inquérito à gestão do sucessor, Carlos Saturnino, mas as autoridades encontraram indícios criminais na gestão da filha do ex-presidente angolano, José Eduardo dos Santos.

“[Os factos apurados] têm a ver com má gestão, uma gestão danosa, uma gestão gravosa. Temos ali assim umas situações de branqueamento de capitais, algumas de negócios consigo própria”, detalha Hélder Pitta Grói.

O procurador-geral pensa que a empresária “tem feito a vida entre a Inglaterra e a Rússia. Hélder Pitta Gróis rejeita que as investigações à filha de José Eduardo dos Santos tenham motivações políticas, confirmando que as autoridades angolanas pediram a cooperação dos países onde a empresária tem actividade, com o objectivo de facilitar a quantificação do património detido por Isabel dos Santos.
Quanto ao ex-presidente, a lei confere uma protecção de cinco anos até que as autoridades consigam analisar a governação de José Eduardo dos Santos. Existirá uma investigação quando esse período expirar? “Se surgirem factos para isso, muito bem, mas não vamos forçar, nem vamos estar à procura de factos para poder apontar-lhe”, finaliza.

Corrupção era “prática entranhada na sociedade"

Questionado sobre a corrupção em Angola, Hélder Pitta Grói diz que a prática de corrupção “estava entranhada na sociedade”, realçando que as empresas demonstravam “sinais muito evidentes de corrupção” e que existia “um grande sentimento de impunidade” relativamente a algumas figuras. Em relação aos meios disponibilizados para o combate à corrupção, o procurador-geral de Angola diz que “nunca são suficientes”, pedindo aos angolanos que assumam o papel de cidadãos activos e denunciem os casos de que tiverem conhecimento.

Hélder Pitta Grói admite que a investigação ao filho de José Eduardo dos Santos, José Filimoeno dos Santos, foi algo que fugiu ao comum. O procurador chega mesmo a dizer que a decisão de iniciar este procedimento foi dificultada pelo facto de o pai ainda ser presidente do MPLA e ter vencido as eleições.

O que revelou a investigação?

Nesta investigação foram identificadas mais de 400 empresas (e respetivas subsidiárias) a que Isabel dos Santos esteve ligada nas últimas três décadas, incluindo 155 sociedades portuguesas e 99 angolanas.

As informações recolhidas detalham, por exemplo, um esquema de ocultação montado por Isabel dos Santos na petrolífera estatal angolana Sonangol, que lhe permitiu desviar mais de 100 milhões de dólares (90 milhões de euros) para o Dubai.

Revelam também que, em menos de 24 horas, a conta da Sonangol no Eurobic Lisboa, banco de que Isabel dos Santos é a principal acionista, foi esvaziada e ficou com saldo negativo no dia seguinte à demissão da empresária da petrolífera.

A investigação revela ainda que grandes empresas internacionais como a PwC e a Boston Consulting Group “ignoraram aparentemente todas as bandeiras vermelhas”, ajudando a filha de José Eduardo dos Santos a esconder propriedade pública.

Em comunicado, a PwC confirmou ter cessado os contratos de serviços a empresas controladas pela angolana Isabel dos Santos. A empresária foi ainda retirada da lista de participantes do Fórum Económico Mundial, na Suíça.

Os dados divulgados indicam também que há quatro portugueses alegadamente envolvidos diretamente nos esquemas financeiros: Paula Oliveira, administradora não-executiva da Nos e diretora de uma empresa off-shore no Dubai, Mário Leite da Silva, CEO da Fidequity, empresa com sede em Lisboa detida por Isabel dos Santos e o seu marido, o advogado Jorge Brito Pereira e Sarju Raikundalia, administrador financeiro da Sonangol.

Em dezembro de 2019, a justiça angolana congelou as contas bancárias e ativos de Isabel dos Santos com base na suspeita de desvio de fundos pela filha do ex-Presidente angolano e o marido, Sindika Dokolo, das empresas angolanas Sonangol e Ediama para a sua fortuna privada.

A filha de José Eduardo dos Santos afirma que nunca foi notificada de procedimentos judiciais em Angola, mas o procurador-geral de Angola, Helder Pita Gros, contradiz esta informação.

Sem especificar datas, o magistrado revela nesta entrevista à rádio angolana que Isabel dos Santos “recebeu a notificação da acusação num dia e na noite seguinte deixou o país”.

“As razões pelas quais não respondeu às nossas notificações são muito claras”, acrescentou o procurador.

“Ataque político”

Isabel dos Santos negou desde logo as acusações do Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), reiterando nas redes sociais que está a ser acusada de “mentiras” e que este é um ataque político com o atual Governo de Angola, liderado por João Lourenço desde 2017, após a saída de José Eduardo dos Santos.

"As notícias do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação) baseiam-se em muitos documentos falsos e falsa informação, é um ataque político coordenado em coordenação com o 'Governo Angolano' (sic). 715 mil documentos lidos? Quem acredita nisso?", reagiu a empresária, em inglês, através da sua conta do Twitter.

Isabel dos Santos afirmou ainda na rede social que a sua “fortuna” nasceu do seu “carácter, inteligência, educação, capacidade de trabalho, perseverança”.

Já em entrevista à BBC, Isabel dos Santos argumentou que as autoridades angolanas embarcaram numa caça às bruxas muito, muito seletiva, que serve o propósito de dizer que há duas ou três pessoas relacionadas com a família dos Santos".

No excerto que foi disponibilizado antes da transmissão da entrevista, que será divulgada da íntegra esta segunda-feira pela televisão britânica, Isabel dos Santos afirma: "Lamento que Angola tenha escolhido este caminho, penso que todos temos muito a perder".

"Olhando para o meu histórico, vê o trabalho que fiz e as empresas que construí, são certamente empresas comerciais", afirmou, acrescentando: "Há alguma coisa de errado numa pessoa angolana ter um negócio com uma companhia estatal? Penso que não há nada de errado, tem de perceber que não se pode dizer que por uma pessoa ser filho de alguém é imediatamente culpada, e é por isso que há muito preconceito", afirmou a empresária.

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