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Sexta, 21 Fevereiro 2020 21:36

Crimes milionários, em nome do Estado

Duas mil e 390 famílias angolanas ganharam, quinta-feira última, a oportunidade de materializar o sonho da casa própria, a partir de Maio próximo, na centralidade do Zango 5, município de Viana, província de Luanda.

O feito resulta de um sorteio transmitido em directo, via televisão, para mais de 30 milhões de angolanos, espalhados pelo país e pela diáspora, numa altura em que o Governo trabalha, também, para materializar a sua promessa de 500 mil empregos.

O sorteio quase paralisou o país, principalmente Luanda, face à expectativa criada na população, em particular nos 157 mil 431 candidatos, preocupados com a transparência de um processo que, à partida, já se adivinhava difícil.

Curiosamente, o concurso decorreu dias depois de a Procuradoria-Geral da República (PGR) anunciar a apreensão de mil 132 edifícios habitacionais, dos quais 24 acabados, nas centralidades do Zango Zero (Vida Pacífica) e Kilamba, em Luanda.

Trata-se, segundo a PGR, de imóveis construídos com dinheiro público, mas que estavam na posse de uma entidade privada.

A ser verdade, esta entidade privada, que aparentemente era a que geria o projecto de construção das centralidades, tentou apoderar-se de não menos de 113 mil casas, a uma média de 100 apartamentos por edifício, erguidos à custa dos contribuintes.

É caso para se dizer que uma das particularidades da actual cruzada contra a corrupção e a impunidade, em Angola, conduzida pela PGR, é, sem dúvida, a estupefação geral, provocada pela natureza atípica e arrepiante dos números.

A veracidade de tais descobertas está ainda por confirmar, mas a inédita sequência de revelações espectaculares cria, cada dia, a sensação de que o que se sabia até ontem pode ser apenas a ponta de um “iceberg” (massa de gelo flutuante nos mares glaciares).

Cada dia que passa vêm à tona factos chocantes, que retratam a profundidade dos desfalques cometidos na Administração Pública, através da utilização ilícita de fundos públicos para fins privados, nas últimas décadas.

São revelações conseguidas graças a uma campanha que foi ganhando popularidade com o tempo, depois das dúvidas lançadas no início sobre a sua capacidade de resistir às estratégias e aos interesses dos grandes grupos económicos constituídos.

Quer isto dizer que, graças a esta campanha, por exemplo, o país ficou a saber que uma única pessoa espoliou para si, impunemente, milhares de apartamentos construídos com dinheiro de todos, deixando mais de 150 mil concidadãos seus, dos milhões que ainda sonham ter um tecto, numa desesperada disputa por pouco mais de duas mil casas.

Mesmo inconformada, esta mesma pessoa teria escondido 280 milhões de dólares americanos na conta bancária de um pacato oficial das Forças Armadas Angolanas (FAA), que acabaria por pôr fim à sua vida, depois de descoberta a transacção.

Com esta mesma campanha, o país ficou a saber igualmente que, afinal, tem filhos que esbanjam mensalmente “pelo menos” 12 milhões de kwanzas em futilidades, quando outros – a grande maioria – sobrevivem com um salário inferior a 40 mil kwanzas por mês, mesmo sendo todos agentes do Estado.

De igual modo, o país ficou a saber que existe uma unidade hoteleira do Estado ao serviço de um ente privado que cobra em média USD 500 dólares diários por quarto, mas paga aos seus servidores, enquanto chefes de família, 23 mil kwanzas por mês.

Também graças à actual cruzada contra a corrupção e a impunidade, o país ficou a saber que uma única pessoa conseguiu, criminosamente, zerar uma conta (bancária) milionária da maior empresa pública do país em apenas 24 horas, só para comprar casas de luxo na antiga metrópole e noutros cantos do Mundo.

O país ficou a saber ainda que, afinal, a sua maior “empresária” de todos os tempos, a quem era imputada uma fortuna superior a dois mil milhões de dólares americanos e a propriedade de mais de 400 empresas espalhadas pelo Mundo, deve aos seus compatriotas quase metade deste acervo.

Segundo algumas revelações, a outra metade desta fortuna resulta de dívidas contraídas a terceiros, nomeadamente instituições bancárias portuguesas, com o risco de a empresária vir a sobrar com zero se liquidar todas as dívidas.

Na verdade, não tem sido fácil para o mais comum dos angolanos entender e gerir tamanha imoralidade, mas continua acesa a chama de que, com mais ou menos dificuldade, as falcatruas que deixaram o povo na linha da pobreza sempre virão à tona.

A cruzada contra a corrupção e a impunidade afirma-se como um processo irreversível e deixa, claramente, sinais acalentadores, dando a certeza ao pacato cidadão de que, depois de quase 44 anos, finalmente a impunidade tem os dias contados. ANGOP

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