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Domingo, 27 Setembro 2015 14:42

Música angolana pode impor-se no estrangeiro - Yannick Afroman

Primeiro cantor angolano a encher o Estádio dos Coqueiros (2008). Autor do álbum "Mentalidade", Afroman arrasta multidões com a sua mensagem. O rapper voltou ao mercado com o recente "Terra a Terra", lançado a 21 de Dezembro 2014, na Praça da Independência em Luanda.

Afroman é hoje um dos músicos mais populares em AngolaAutor do disco Mentalidade considera-se crítico socialCantor reconhece crescimento, mas só na quantidade, pois a qualidade ainda é baixaMúsico considera natural que haja pouca qualidade, mas acredita que a tendência é melhorar cada vez maisYannick diz que fala alto o que o povo fala baixo

Eis a entrevista na íntegra:

Angop: Yannick, que análise faz da música angolana na actualidade?

Yannick Afroman (YA) - Cresceu bastante. Desde o alcance da paz, em 2002, a música angolana faz-se presente, mais presente ainda no quotidiano angolano. Lembro-me que quando comecei a dar os primeiros passos no mundo da música a família não concordava, pois achava que a música não era o melhor caminho a seguir para se afirmar na sociedade. Depois de uma batalha renhida na família, hoje sou um orgulho, pois consegui mostrar que estava certo. É verdade que há um crescimento, mas só em termos de quantidade, pois a qualidade ainda é baixa. É natural que haja pouca qualidade, mas a tendência é melhorar cada vez mais.

Angop: Diz que há pouca qualidade. O que se pode fazer para reverter esta tendência?

YA - É como em qualquer área de negócio. A tendência é melhorar-se cada vez mais e acho que uma aposta mais séria em termos de composição, muita prática e não se olhar para o imediatismo são as receitas para o salto qualitativo que se quer.

Angop: Há qualidade para se rivalizar com, por exemplo, a música cabo-verdiana no mercado dos falantes da língua portuguesa?

YA - Honestamente falando, estamos sim em condições para lutar de igual para igual, apesar de, volto a reforçar, ainda ser necessário aperfeiçoarmos mais em termos de qualidade. É verdade que em determinados momentos notamos que estamos lado a lado, mas depois se regista um certo distanciamento por parte deles. Tudo isto tem muito a ver com o facto de se registar no mercado musical angolano uma tendência para a imitação e não a criação de originais. É verdade que quem imita acaba sempre por criar algo novo, mas temos que olhar para o mercado e apostar mais na criação de coisas nossas, a partir do que é nosso, dando valor aos traços culturais angolanos. Somos pouco criativos. O artista não deve seguir a moda, mas sim fazer a moda. Quero com isto dizer que não nos devemos limitar a imitações, mas criarmos produtos nossos. Temos que ter a coragem de fazer coisas diferentes e que possam ficar registadas como produtos do fulano de tal ou criação de um angolano.

Angop: O que fazer para os artistas angolanos apostem mais na criação?

YA - Quando falo da pouca criatividade, estou a referir-me a nova onda que está a surgir no mercado. A tendência actual da grande maioria dos artistas, que vão surgindo, é imitar que já existe e se repararem bem a maioria desta nova geração canta igual, por exemplo, a um músico americano, cabo-verdiano ou alguém que já existe. São poucos que têm a originalidade, que têm uma identidade. Portanto, ficam limitados e fazem somente à base de imitações. Mas, como se diz, há sempre excepções e o mercado tem registado algumas e bastante agradáveis.

Estamos num bom caminho. A nossa música está mais forte do que nunca e o que nos falta, às vezes, é o apoio. Está mais do que visto que é fácil eu fazer parceria com artistas de um mercado mais avançado, como por exemplo o norte-americano. Mas, para que isto aconteça, tenho que ter apoios. O que está a acontecer com os músicos nigerianos, cabo-verdianos e tantos outros é devido à máquina forte de apoios que recebem dos empresários dos seus países, porque está mais do que provado que só talento não basta.

Os empresários angolanos têm que perder o complexo que têm de achar que a música não é opção para apoiar, pois já provamos que depois do basquetebol e do andebol está a música, uma área que tem proporcionado enormes alegrias aos angolanos, um orgulho para quem tem realmente Angola no coração. Com aposta e apoio financeiro, podemos invadir o mercado internacional. É difícil a música sobressair se não houver uma aposta séria na vertente apoio/patrocínios.

Angop: Mas apesar deste mar de dificuldades, na vertente apoios, o fruto do trabalho feito dá para promover outro salto à carreira no país e no estrangeiro?

YA - Ser músico em Angola é difícil, porque somos muitos. Mas existem alguns com sorte, como eu, que depois de muita luta conseguimos abrir determinadas portas. Não é fácil para um músico investir tanto na publicidade e na produção de um disco e levar ao Parque da Independência. Hoje o público consumidor já está a exigir qualidade e esta qualidade não fica abaixo dos 10 mil dólares. O músico não vive da venda de discos, o músico vive dos espectáculos e quando não tem espectáculos fica difícil e nem todos têm espectáculos regulares, apesar de colocarem discos no mercado com muita qualidade. No mercado musical angolano só consegue sobreviver, sublinho, só consegue sobreviver quem tem música realmente a bater nas rádios e televisões. Esta é uma das grandes razões que leva muitos artistas a apostarem em produtos descartáveis, porque são obrigados a cada fim-de-semana colocar no mercado uma música que fique na boca do povo. Desta forma já não é arte, mas sim comércio.

Angop: Mesmo assim, nota-se esforço para a internacionalização da música angolana. O que falta para o assalto final?

YA - Só apoios. O pouco que se faz hoje fora é o resultado de um esforço individual de cada um. Com mais esforço colectivo, e não estou a falar somente do apoio financeiro, mas também na divulgação, conseguimos atingir um patamar além-fronteira. A divulgação das acções dos músicos ou criadores angolanos é um tónico que pode ajudar na luta travada pelos artistas.

A internacionalização da música angolana não é só o resultado do talento deste ou daquele artista, pois é também fruto de uma acção conjugada entre vários actores nacionais, empresários, media, governo, entre outros. Já mostramos o que valemos. Portanto, as pessoas com alguma posse podem ajudar-nos nesta cruzada.

Angop: Yannick, a tendência do mercado mudou. Hoje a grande maioria de fãs já prefere gastar mil kwanzas para comprar o original em detrimento das cópias piratas. Na sua opinião, o que provocou tal mudança?

YA - É mesmo mudança de comportamento. Como disse numa música, o país está a crescer e paulatinamente a mudar as vontades dos angolanos. Ainda há uma certa resistência, mas se nota haver uma vontade de melhorar em todos os sectores. Tanto é que as pessoas já valorizam mais o nacional. Ainda há resistência, mas também já existem pessoas que estão conscientes de que o nacional tem qualidade e é bom. Os músicos também estão a fazer a sua parte, produzindo trabalhos com qualidade e o público está a valorizar. Estamos todos a crescer. Os músicos estão a crescer e os fãs também estão a crescer e a querer coisas originais e de qualidade.

Angop: Yannick é conhecido no mercado como o artista que publica músicas com letras educativas e apreciadas. Músicas cujas letras fazem crítica social. Qual é a fonte de inspiração?

YA - A minha fonte de inspiração é o público. Como tenho dito repetidamente: eu falo alto o que o povo fala baixo. Procuro não pintar a minha música em cor-de-rosa. A minha música retrata a vida em preto e branco, sem ofender ninguém e muito menos colocar quem quer que seja em cheque. Não procuro adoçar para chamar atenção. Falo do que vivemos, dos nossos problemas, apresento críticas e soluções. A nossa música é baseada na nossa convivência: os problemas, as reclamações e também as coisas boas que se registam na sociedade angolana. Simplesmente pego nestas situações e levo-as a minha música. De certa forma, a música torna-se numa pizza onde cada um encontra o seu pedaço. 

Angop: O que o rap tem em comum com Yannick Afroman?

YA - O rap é a minha vida, o rap é o Yannick. O rap tirou-me da escravidão mental, ensinou-me. Se fosse uma igreja, eu estaria lá. Falo do rap que foi produzido até, provavelmente, nos anos de 2005, e não o de hoje, cujas músicas só falam de bebidas, drogas, prostituição, ostentação. Falo do rap que era como um satélite, onde passávamos a nossa mensagem. Tento fazer isto ainda hoje, levando sempre mensagens positivas.

Angop: Como começou a inclinação pelo rap? Diz-se que era apaixonado por free-style...

YA - Foi o começo, pois o free-style tem tudo a ver com o rap.

Angop: Já se imaginou a fazer um outro estilo e não o rap?

YA - O que mais me atraiu a apostar no rap foi o mesmo que me levou a gostar do reggae: o ritmo, a mensagem. Rap é uma música que me permite falar mil coisas em três minutos. Consigo falar e desabafar em pouco tempo. Já em outros estilos, tu não tens a liberdade que o rap proporciona. Embora o de hoje é completamente diferente do que fizemos antes.

Angop: No princípio da sua carreira esteve acompanhado do Mumu. Como surgiu o Mumu nesse projecto?

YA - O Mumu surge no meu caminho entre 1994/95 em meetings promovidos pelos rappers na altura. Apesar de ter dificuldades na fala, pois se trata de um cidadão do Congo Brazzaville, tomei a iniciativa de trabalhar com ele. O Mumu foi o princípio, parte integrante e importante do “Império Afroman”. Foi a pessoa que me deu muita força. É uma pena que hoje não está aqui para colher e ver os frutos que esta árvore deu. Como homenagem, mantenho até hoje o nome Yannick Afroman, porque podia ser simplesmente Yannick Ngombo. Mantenho o nome em sua memória.

Angop: Qual era a estrutura e as linhas de força do grupo?

YA - Éramos mesmo rebeldes. É verdade que tínhamos uma linha que apontava mais as críticas. Felizmente as coisas mudaram e o Yannick não só critica como também apresenta soluções. A nossa linha não mudou, pois sempre foi criticar que está mal e elogiar o que está bom.

Angop: "Tá Calor" terá sido o vosso primeiro tema de grande explosão em Angola. Mas já cantavam na década de 90. O que lembra dessa época dos Festivais de Hip-Hop, em Luanda?

YA - Bons momentos. Éramos unidos, procurávamos os meetings. Conhecíamo-nos todos. Havia respeito. Foi uma época de ouro. Valeu muito aquela época, porque contribuiu para o surgimento de muitos rappers. Hoje as coisas são diferentes, próprio da dinâmica da vida. Olhando atrás, leva-me a dizer que valeu a pena a luta travada naquela época.

Angop: Ainda se lembra de alguns grupos que rivalizavam com o Afroman na década de 90 e começo do milénio 2000?

YA - De muitos, mas prefiro não mencionar só para não deixar nenhum de fora e ser acusado de pretensioso. Tenho amizades que surgiram naquela época. Tenho fotos e vídeos que retratam alguns dos melhores momentos vividos na altura.

Angop: Yannick, 2008 marcou a grande viragem na sua carreira. Foi nesta altura que surpreendeu o país com o CD "Mentalidade" e teve a proeza de lotar, pela primeira vez, o Estádio dos Coqueiros. Como define esse momento?

YA - Correcto. Até 2008 fui o único músico angolano que conseguiu lotar o estádio dos Coqueiros. Não é fácil ser rapper no país, onde o semba e o kizomba predominam. É uma satisfação e lembro-me que quando comecei éramos considerados marginais. O rapper era discriminado e diziam que nada tinha a ver com rap dos SSP, pois o público achava que o rap era o produzido pelo grupo SSP. Foi uma fase difícil, tendo em conta que fizéssemos o que fizéssemos as pessoas encontravam sempre um defeito: se não era igual a dos SSP, então nada tinha de rap. Éramos sempre comparados e o estilo deles dominava, factor que nos obrigou a fazer uma pausa até as pessoas entenderem o outro rap. Lembro-me que, quando fui à portaria do Cine Atlântico, ficamos completamente surpreendidos com uma venda “brutal” e que levou a suspensão da actividade, pois em menos de seis horas as 15 mil cópias tinham sido vendidas.

O Yannick Afroman começa a marcar recordes de venda em Angola, factor que levou a transferência do local de venda para a Praça da Independência. Foi o sinal de que o mercado estava conquistado e que deu forças para levar em frente o projecto do show no estádio dos Coqueiros, onde nenhum artista angolano tinha a coragem de se aventurar, muito menos um rapper. Devo agradecer ao meu grande mecenas, o senhor Eugénio, que não teve medo de apostar na minha carreira. Foi um dia memorável e histórico, que fica na memória de muita gente. Sinto-me feliz por ter sido a cobaia dos músicos angolanos.

Angop: Que mudanças trouxe para a sua vida?

YA - Foi uma reviravolta feliz. Sinto-me bem, porque consegui fazer alguma coisa positiva no mercado musical angolano. Foi um momento que será sempre lembrado. Este momento trouxe respeito, mudança para todos os músicos, credibilidade para os músicos e mudou a maneira de diversas personalidades angolanas sobre a opinião que tinham em relação a alguns músicos e muito particularmente ao estilo rap.

Angop: Nesse disco, surge com mais evidência, com uma linha de intervenção social, trazendo crítica social. Considera-se um crítico social?

YA - Sim. Faço música e escrevo letras que são factos que vejo. São preocupações, alegrias que gosto de partilhar com o meu público. Não sigo moda, faço moda. Falo o que sinto, porque sei que vou partilhar com outras pessoas.

Angop: Porquê canta tanto sobre o complexo de superioridade do angolano?. Será que em Angola há muitos complexados?

YA - É um problema que existe no país. E uns interpretam mal o tal sentimento. Procuro mostrar que, apesar das nossas diferenças, somos iguais, bem como mostrar como devemos encarar a vida apesar das nossas dificuldades.

Angop: Essas letras trazidas no CD Mentalidade e em outros trabalhos já lhe trouxeram algum dissabor?

YA - Já, em função da letra de uma música que fala sobre o preconceito, apesar de ser uma canção bem explícita. Devido às críticas, tive que me isolar durante algum tempo para poder reaparecer e encarar o facto de uma forma natural, sabendo que o sucesso, às vezes, gera inimizades. Felizmente, hoje as coisas são bem diferentes e fico satisfeito quando os fãs me abordam dizendo que gostam desta ou daquela música, porque fala muito sobre eles.

Angop: Acha salutar que os homens do rap se deixem vencer pela febre do mercado?. Ou não há como lutar contra essa interferência de outros ritmos no rap?

YA - O artista é livre de exprimir os seus sentimentos. As pessoas crescem. Como disse, é duro ser rapper. Portanto, cada um de nós procura se enquadrar da melhor forma. Se no rap não dá e acha que deve recorrer a outro estilo para marcar o seu espaço no mundo da música em Angola, então que se vá em frente. Felizmente, os exemplos são bastante agradáveis. O artista é livre e deve fazer o que acha que deve fazer.

Angop: Estar no "Team de Sonho", o que representa?

YA - De princípio, não era minha intenção entrar neste projecto, porque mais parecia um projecto de filhinhos de papai. Os meninos que não precisam de nada, mas ao longo do tempo vi que é bem diferente, por se tratar de team que dá valor aos músicos. Antes do meu mais recente disco andava sozinho, enfrentando batalhas em que precisava de alguém ao lado e quando olhava de lado as pessoas me viravam às costas.

Quando recebi o convite do Republicano, aceitei-o sem olhar atrás. Muitos pensaram que me levaria a mudar a minha forma de ser e estar perante a música, mas felizmente estou a mostrar que o Yannick não muda, é sempre o mesmo. Gosto de deixar as coisas bem definidas. Se me levaram para o campo é para marcar golos e não vou mudar a minha posição só para satisfazer vontades. Sinto-me bem por fazer parte deste projecto.

Angop: Uma palavra para aqueles que continuam a lutar pelo rap e no rap...

YA - A música é arte, a arte não tem preço. Embora cobremos para actuarmos (só o fazemos porque temos famílias a depender de nós), a arte não tem preço. Quem está no mundo da música deve gostar do que faz. Primeiro o trabalho e depois o salário, querendo com isto dizer que primeiro o amor à arte, sabendo que um dia o teu esforço será recompensado. Quem está na música deve saber que o seu produto pode influenciar a opinião dos seus seguidores, razão pela qual deve ter cuidado com as letras das músicas.

PERFIL

Yannick Manuel Ngombo “Yannick Afroman” começou a carreira em 1989, em Paris (França), fazendo free-style. Voltou para Angola em 1995, onde se juntou a Mumu e Kitess, dando origem ao grupo Afroman. Após a morte de Mumu e a emigração de Kitess, Yannick é agora o único membro integrante do grupo.

Em 1999, com a estreia da música promocional não comercializada "Ta Calor", o grupo rápido conquistou um espaço entre o público, pela primeira vez fora da comunidade Hip-Hop.

Daí, as portas abriram-se para Afroman que é hoje: um dos músicos mais populares em Angola. Bateu recordes: a 21 de Dezembro de 2008 de CD mais vendido até a data no país, com 15 mil cópias vendidas, e consequentemente com o concerto com mais assistência até então, com mais de 22 mil em 7 de Fevereiro no Estádio dos Coqueiros.

"Mentalidade", o álbum que qualquer angolano se identifica logo à primeira, retrata situações do dia-a-dia em Angola, apela também pela liberdade de expressão e serve como ferramenta de intervenção social, abordando a mentalidade da sociedade que precisa de uma mudança, para a reconstrução de uma Angola melhor.

Nome: Yannick Manuel Ngombo                       

Data de nascimento: 30 de Janeiro de 1982

Local de nascimento: Uíge

Prémios: Melhor Rap 2001/2003 e 2009 (Rádio Luanda)

1º rapper a alcançar o pódio do Top dos Mais Queridos,  2º classificado, em 2009

Discografia

Mentalidade, 2008

Terra a terra, 2013

ANGOP

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