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Sexta, 17 Dezembro 2021 11:12

“Não fui educado a desviar dinheiro público” - Dino Matrosse

Dino Matross é das figuras históricas do MPLA com maior notoriedade, tendo, entre vários cargos, ocupado a função de secretário-geral do partido e comissario político das Forças Armadas Angolanas (FAA). Agora, acomodado no “Conselho de Honra” do partido e Consta do conjunto de figuras acomodadas no conselho de honra do seu partido, na sequência dos ajustes feitos ao Comité Central.

Saiu pelos próprios pés ou foi notificado a deixar o lugar que vem ocupando desde 1977?

Pedi para sair. Dizes bem, estou no Comité Central do MPLA desde o primeiro congresso do partido em 1977. Ao longo desse tempo tive vários cargos. Então achei por bem que, neste momento, em que o partido precisa renovar as suas estruturas, deixar o lugar para os mais novos.

É um regresso à base?

Sim, aonde nós, saímos estamos agora a regressar para assegura o partido. Mas, com isso, não quer dizer que o novo Comité Central não haja mais velhos. Tem sim e vários.

Sai com o sentimento do dever cumprido?

Naturalmente. Penso que a nossa geração já fez a sua parte. Agora é o momento dos mais novos. É tudo uma questão de processos. Quando, ontem, deixamos as nossas casas para aderir a luta de libertação nacional, não fomos a pensar em cargos. Pensamos apenas em libertar o país. E isso custou a vida de muitos angolanos que, apesar de terem lutado muito, nunca atingiram ou chegaram a ocupar algum cargo no partido ou no governo

Consideram-se, por isso, um privilegiado?

Não sei se seria esse o termo.

Mas, como resultado da nossa entrega, alguém decidiu nos confiar cargos e ocupamos até certa altura. Agora, é hora de voltar a trabalhar na base

Considera ter deixado um bom legado aos mais novos?

O nosso partido apostou sempre na renovação em todos os congressos. E este último não foi diferente. E aos que entraram, ao longo desses anos, deixamos sempre a nossa contribuição, em tudo, quer no partido como no Estado

As vossas contribuições para o país vos permite ter um sono tranquilo na certeza que deixaram uma boa Angola para os angolanos viverem?

Nós quando deixamos as nossas casas para libertar o país tivemos ainda na vigência do poder colonial. E, depois da independência, infelizmente, tivemos um processo de guerra entre nós que teve as suas consequências. Mas, felizmente, hoje, esse tempo passou deixamos de ter mortes, sangues e outras atrocidades que a guerra proporciona. Hoje, a nossa luta é a económica e trabalhar para a melhoria de vida das populações, apostando na construção de escolas e hospitais que venham a servir a população. O país hoje cresceu, lembro-me de, em 1975, quando o colono deixou Angola, a população estava aí na cifra dos cinco a seis milhões de habitantes. Hoje devemos estar perto dos trinta milhões. Face a esse número, temos de trabalhar muito para que consigamos dar melhores condições a todos. E são os jovens, sobretudo os que estão em cargos públicos, que devem fazer isso

Está a atirar os fracassos da vossa geração à juventude?

Claramente que não. Todas as gerações têm o seu tempo. E o nosso está a passar. Estou, com isso, dizer que é chegado o vosso momento. São os jovens que devem ajudar na criação de empregos, riqueza e transformar o país

É uma geração falhada, a vossa?

É gravíssimo que se pense assim. Nós fizemos a nossa parte. Bem ou mal mas fizemos. O problema do nosso país é que há muita gente que só critica. Pessoas que julgam os outros que estão no poder, mas quando lá chegam fazem o pior.

Está dizer o quê com isso?

Estou a dizer que há gente na bancada que não tem a percepção do poder e do que é governar

Mas considera assim tão difícil governar um país como Angola que tem até terras férteis, recursos mineiras em abundante e uma infinidade de petróleo?

Esse é que é o nosso problema. Andamos a nos enganar que é com dinheiro do petróleo que vamos desenvolver Angola, é um erro

E não é verdade?

Claro que não. Só o petróleo não é capaz de desenvolver Angola. Nem todo o dinheiro que sai do petróleo fica somente em Angola. Nós temos no sector de exploração empresas que trazem tecnologias e que é preciso que sejam pagas. E com os descontos feitos o dinheiro do petróleo não fica tudo para o Estado angolano. E Angola é grande. Logo, a distribuição não será suficiente. As pessoas não têm a dimensão do que é Angola. Esse país é enorme. E, repito, com o dinheiro do petróleo não se consegue fazer muita coisa

Pior ainda a meio a tanta pilhagem feita por gente da vossa geração, como acusam, actualmente, os mais variados relatórios de combate a corrupção...?

Em Portugal como noutras partes do mundo eu não tenho dinheiro escondido ”

Não, não. Eu não sou disso nem vou por aí. Reconheço que houve delapidação, roubos e outros males. Mas também com o dinheiro que foi roubado não se conseguia desenvolver o país todo. Com o dinheiro roubado resolveria, sim, alguns problemas, mas não todos

Está a justificar a sangria financeira que a sua geração causou ao país? Jamais, longe disso. Eu não estou a defender a depredação que se fez ao país, pelo contrário, sou a favor do combate

Então está quer dizer o quê?

Estou a falar da dimensão que é Angola em termos de necessidades que tem. Olhando para as necessidades que as pessoas têm, nem com o dinheiro roubado conseguíamos resolver todos os problemas do país

Mas foi com o dinheiro roubado de Angola que a vossa geração e descendentes ajudaram a construir outras economias como a de Portugal, que, durante algum tempo, sobreviveu da injeção financeira proveniente de desvios dos cofres públicos angolanos. Isso não é vergonhoso?

Portugal construiu a sua história há quase 500 anos. Então, se fizermos as contas, quando os portugueses deixaram Angola, em 1975, como já disse, a nossa população girava em torno dos cinco a seis milhões. Mas, mesmo com esse número pouco da população, Portugal não construiu Angola de verdade nem resolveu os problemas que afectam, até hoje, as populações. Basta olhar para quantas escolas e hospitais foram feitos no tempo colonial

Apesar de poucas, mas a qualidade distancia-se daquilo que a vossa geração fez, pelo menos na visão de especialistas, não?

Mas a maior parte das escolas que haviam, quase 90 porcento, eram frequentadas por portugueses. Os angolanos eram poucos.

O seu partido, que suporta o Estado, está numa abordagem séria de combate a corrupção e repatriamento voluntário e coercivo de capitais. E, o senhor, recentemente, saiu numa lista de dirigentes e figuras angolanas que têm avultadas somas de dinheiro em Portugal. Já pensou em repatriar todo o valor que tem para Angola?

Vão em Portugal, façam todo inventário e outras coisas, não vão encontrar nada meu. Se eu tivesse tanto dinheiro assim investia ca em Angola. Tanto em Portugal como noutras partes Na questão da saúde, quantos médicos angolanos deixaram ao longo dos quinhentos anos que cá estiveram? Portanto, faça a totalidade, Angola, com 45 anos de independência, embora que, para mim, conta mais do dia 4 de Abril de 2002, o que já fizemos, em termos de formação de quadros, ultrapassa a fasquia que os portugueses deixaram. Durante muito tempo só olhamos para a quantidade, agora estamos a nos focar na qualidade, especialização e é com esses quadros que estamos a reerguer o país, apesar do pouco tempo. Portanto devemos reconhece o que está a ser feito, as mudanças em curso, apesar de, há certa altura da nossa história tivermos pessoas que propositadamente mexeram nos cofres públicos para benéficio pessoal, mas não são todos

Foi o seu caso?

Essa pergunta é difícil responder...

Porquê?

Porque não fui educado a desviar dinheiro público. Meu caro, eu estive no governo até 1985. De lá para cá nunca voltei a assumir cargos públicos. Durante esse período fiquei nas forças Armadas, mas como comissário política. De que forma mexeria em dinheiro público?

Então a acusação de que terá sido uma das figuras perfiladas que faliram o banco Espirito Santo com empréstimos descontrolados e fora da ética bancária?

Tudo informações falsas. Eu conheci o Banco Espírito Santos Portugal nos anos 80, tempo do partido único. Fui para uma missão trocar dinheiro porque precisava pagar despesas com hotel e outras coisas. De la para ca nunca voltei a entrar em nenhuma outra unidade deste banco. do mundo eu não tenho dinheiro escondido.

E essa lista?

É uma lista produzida por pessoas cuja principal função é queimar os outros. E eu não fui educado a isso. O Problema é que se criam muitas calúnias para atingir as outras pessoas. Eu, particularmente, estou sempre na mira dos caluniadores. Inclusive já fui acusado, no MPLA, de ser mais Eduardista e menos Lourencista, termos que usam para queimar os outros

E não é verdade que seja mais Eduardista?

Eu, no MPLA, não faço parte de nenhuma ala. Eu sou militante do MPLA. Respeito todos os líderes que passaram na direção do partido. Já trabalhei com o camarada Agostinho Neto, Eduardo dos Santos e hoje estou a trabalhar com o camarada João Lourenço. E tenho o mesmo respeito por todos eles porque eu não sou de grupos. Aliás, não há grupos no MPLA.

Ao longo da nossa conversa tocou muito na questão da calúnia.

Então como recebeu os 300 milhões de dólares que se diga ter recebido deste banco em Angola, num esquema facilitado por ter sido, na altura, secretário-geral do MPLA?

Mas quem sou eu para receber 300 milhões de dólares? Para fazer o quê? Para meter aonde? Vão lá ver a lista e não vão encontrar nome nenhum de Dino Matrosse que terá emprestado dinheiro ao banco de 300 milhões. Nunca, jamais. O problema é que as pessoas falam atoa

“O tempo de partido único não permitia que as pessoas brincassem com dinheiro”

Também é falácia a acusação de que, no início da luta contra a corrupção, em 2017, o senhor se livrou de avultadas somas de dinheiros que terão sido queimados numa das suas quintas para despistar a PGR?

Tudo mentira. A primeira vez que ouvi essa acusação eu estava em Portugal a fazer consultas das vistas. Recebi um vídeo em que aparece um indivíduo a mostrar um contentor de dinheiro queimado a dizer que era meu

E não era?

Claro que não. Quando vi esse vídeo fartei-me de rir. Estava, na altura, na companhia da minha mulher, e os dois pusemo-nos a rir porque foi uma coisa inventada. Onde vou encontrar assim tanto dinheiro, quando eu deixei de ser membro do Governo em 1980? O partido, na altura, não tinha dinheiro. E, naquela época, a exigência do tempo de partido único não permitia que as pessoas brincasse com dinheiro. Diante e tudo isso, como vou dar-me ao trabalho de queimar dinheiro? É esse o legado que a vossa geração deixa?

Essa coisa das calúnias não é questão de geração. É uma questão de educação, porque, muitas vezes, falam sem provas

Mas então essas acusações são, muitas vezes, documentadas, ainda assim não sustentam provas?

Mas nem tudo que está no papel é verdade. Por exemplo, fui acusado por um seu colega, jornalista, de ter recebido dinheiro para meter pessoa no Comité Central. Na altura

Recentemente o senhor também foi acusado de ter mandado regressar dois petroleiros que traziam combustíveis para Angola com vista a boicotar a luta contra a corrupção do actual governo. Foi a sua manifestação de vingança?

Mas quem sou eu para fazer isso? Que poder tenho de mandar regressar dois petroleiros? Eu não tenho relações com a Sonangol. Tudo isso são calúnias. Alguém anda a me caluniar

E que interesse as pessoas têm de fazer isso consigo?

Sei lá. São pessoas que sentem prazer em insultar as outras pessoas. Vão lá a Sonangol vasculhar se algum dia tive algum contacto neste sentido. Só manda regressar um petroleiro quem manda nesse país. Portanto, eu não mando, sou um cidadão, deputado e nunca mandei regressar nenhum petroleiro

A questão que envolve a sua filha, acusada de ter usurpado parte de uma via pública para construir um empreendimento, também é calúnia?

Quem conhece o Lar do Patriota conhece essa rua. É uma rua muito famosa. E a tal creche está lá. Vão lá perguntar se a tal senhora me conhece. Eu não tenho nenhuma filha que tem creche. As autoridades daquela área já lá foram, fizeram a vistoria e chegaram a conclusão que a referida senhora não tem nenhuma ligação comigo, absolutamente nenhuma. É outra calúnia inventada.

Não está a se vitimizar?

Que necessidades teria eu de fazer isso? As pessoas que me conhecem sabem que eu não mudei. Tirando os cabelos que vão saindo de pretos para brancos, o resto continuo a ser o mesmo Dino Matross de sempre. agi, rapidamente, e o caso foi parar em tribunal

E qual foi desfecho?

O desfecho foi que o próprio jornalista nem tinha prova do que escreveu. Recebeu a informação de uma pessoa que não gostava de mim. Mas eu fiz tudo para que o caso tivesse celeridade na justiça. E no Tribunal o jornalista não conseguiu provar nada. E como consequência desta difamação o jornalista foi demitido do jornal onde trabalhava.

Pessoas, ultimamente, andam propensas a criar problemas”

Disse que foi a Portugal tratar das vistas. Assim como o senhor, muitos da sua geração tratam até os mais elementares problemas de saúde no Exterior. Não considera essa vossa postura vergonhosa quando deviam ter deixado um país melhor com um sistema de saúde funcional?

Isso é demagogia. Não vai por ai. Mesmo os portugueses vão para outros países se tratarem. É normal. Nós ainda não temos todos os especialistas e é normal que recorramos ao exterior

Mas poderíamos ter tido mais especialistas se a vossa geração fosse justa, não?

Mas não é por ai. Quem tem dinheiro, proveniente do seu trabalho, pode fazer tratamento aonde quiser

Isso orgulha a sua geração? Mas não são apenas os dirigentes que vão la fora se tratar. Nós vemos, lá fora, angolanos comuns a se tratar. É normal isso

Mas o exemplo devia começar de vocês, políticos, não?

Já disse que é normal as pessoas se tratarem la fora, desde que seja com dinheiro justo, resultante do seu trabalho. Nós vemos até líderes de partidos políticos e seus filhos a se tratarem la fora. É normal. E eu quando fui tratar das minhas vistas em Portugal fi-lo com dinheiro resultantes das minhas poupanças. Não roubei do Estado.

Actualmente assiste-se a uma clara fricção entre a antiga e nova direção do vosso partido, basta que se olhe para a ausência do ex-presidente do partido, Eduardo dos Santos, ao recente congresso. Vocês, os históricos do MPLA, não criaram as bases para que a sucessão fosse harmoniosa?

As sucessões são para dar continuidade aos destinos do partido. E o MPLA é um partido coeso, unido e não vejo problemas nisso. Pode haver um ou outro militante que discorde, é normal. Mas o MPLA é coeso

Se é tão coeso assim, o que dizer da ausência do antigo presidente Eduardo dos Santos do congresso da semana passada?

Espero que me compreenda, mas eu não quero falar sobre isso para não resultar em outras interpretações

Como assim?

Sabe que as pessoas, ultimamente, andam propensas em criar problemas. E qualquer coisa que se diga pode se interpretar de outra forma, então melhor não falar disso

OPAIS

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