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Segunda, 18 Mai 2020 16:59

ONG angolana de direitos humanos associa uso excessivo de força da polícia à impunidade

A Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) considera que a impunidade e uma polícia “habituada a agir com autoritarismo” resultam no uso excessivo da força contra os cidadãos, que já matou mais pessoas do que a covid-19 em Angola.

A posição foi expressa hoje por António Ventura, membro da AJPD, organização não-governamental existente há 20 anos de proteção dos direitos humanos e da cidadania, instado pela agência Lusa a comentar as três mortes de jovens ocorridas na semana passada em consequência da atuação da polícia para fazer cumprir as regras do estado de emergência, que vigora em Angola desde 27 de março, devido à pandemia do novo coronavírus.

António Ventura aponta como primeira razão para esta atuação dos órgãos de defesa e segurança, “falta de responsabilização efetiva, sobretudo judicial”, pelo que alguns agentes da Polícia Nacional incorrem nessas violações.

Para o ativista, “o estado de emergência criou apenas mais um espaço de atuação autoritária da polícia, que já resulta de um comportamento anterior” a esta fase.

“O que eu entendo não é que estamos perante falta de interpretação das leis ou dos decretos presidenciais, que vão sendo produzidos no quadro do estado de emergência. O que eu entendo é que uma polícia habituada já a agir com um certo autoritarismo na relação com o cidadão, aproveita-se da legitimidade que tem, do uso da força, no quadro do Estado de emergência para cometer esses excessos, porque provavelmente os mecanismos de responsabilização ainda são muito frágeis”, referiu.

Segundo António Ventura, a falta de condições dos agentes também influencia a atuação dos mesmos, muitos deles “desprotegidos” e submetidos ao stress, fruto da pandemia e da própria dinâmica que os cidadãos vão criando no incumprimento das regras do estado de emergência.

“Os agentes da polícia têm estado sujeitos a um stress, a uma pressão, a condições de trabalho debilitantes e, muitas vezes, a ordem de comando tem sido de que eles têm que obedecer independentemente dessas condições”, disse.

Essa falta de condições, prosseguiu o ativista, também cria “um estado de desgaste, de desânimo”, o que não justifica o seu comportamento, mas não deixa de ser “uma nuance, que objetivamente está presente no comportamento do agente da polícia, que passa o dia todo na rua, sem alimentação, muitos deles até sem a devida medida de biossegurança”.

“O quarto ponto tem a ver também com a falta de colaboração dos cidadãos no cumprimento das medidas de biossegurança, e até mesmo de segurança, no que concerne ao Estado de emergência”, acrescentou.

António Ventura admitiu que “os cidadãos em muitos casos também não têm estado a colaborar com as forças de segurança, concretamente com as forças policiais, e neste confronto de reclamação entre direitos e deveres surgem algumas tensões”.

“E obviamente, um polícia a trabalhar nas condições a que temos estado a ver, sobretudo nas periferias das cidades, resulta sempre a uma relação conflituosa”, referiu.

A corrupção é também na sua opinião “a base de muito excesso de violência de polícia”, salientando que “é nesta condição de fragilidade que muitos agentes da polícia, aproveitando-se da legitimidade que têm para usar a força, muitas vezes prendem arbitrariamente os cidadãos, para depois criarem dividendos”, facilitando “atos de corrupção” para que as pessoas sejam devolvidas à liberdade.

“Há pessoas que são detidas, porque não têm máscara, há pessoas que estão a ser detidas porque não estão a cumprir as próprias regras de segurança, há diversas razões, umas legítimas outras ilegítimas, que do meu ponto de vista não justificam a atuação excessiva da polícia”, sublinhou.

Instado a comentar o argumento da legítima defesa alegado pelas forças de segurança nos três casos registados, António Ventura foi perentório na resposta: “este foi sempre o argumento que a polícia usou”.

“Eu acompanho o trabalho e a ação policial (…) há mais de 20 anos e a polícia sempre usou o argumento da legítima defesa, mesmo naqueles casos em que o cidadão está indefeso ante a força policial”, frisou.

“A polícia sempre usou uma força excessiva e sempre matou cidadãos arbitrariamente, acho que o argumento da legítima defesa é mais um argumento que as forças, os comandantes ou os superiores e os agentes da polícia encontram para justificar os atos e as arbitrariedades que têm sido feitas”, disse António Ventura, sublinhando que não quer no contexto atual “desmerecer o trabalho da polícia”.

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