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Quarta, 03 Janeiro 2018 09:30

“Queremos o nosso dinheiro de volta, senhor presidente! ”

A 13 de Dezembro do recém-terminado ano 2017, o Presidente da República João Lourenço anunciou um plano que deixou os Angolanos em estado de êxtase. Disse (ipsis verbis):

Por Nuno Álvaro Dala

“O Executivo vai no início do ano [2018] estabelecer um período de graça durante o qual todos aqueles cidadãos angolanos que repatriarem capitais do estrangeiro para Angola e os investirem na economia, em empresas geradoras de bens, de serviços e de emprego, não serão molestados, não serão interrogados das razões de terem tido o dinheiro lá fora, não serão processados judicialmente.

Mas, findo esse prazo, o Estado angolano sente-se no direito de o considerar dinheiro de Angola e dos angolanos e como tal agir junto das autoridades dos países de domicílio, para tê-lo de volta em sua posse.”

Ora, durante as décadas em que José Eduardo dos Santos presidiu Angola, milhares de milhões de dólares e euros foram saqueados dos cofres do Estado. Além dele próprio como o saqueador-mor, o surrupio do dinheiro público foi levado a cabo pelos diversos titulares de cargos públicos, que respectivamente acabaram milionários e multimilionários. Estes transferiram os montantes para bancos estrangeiros e os investiram em diversos negócios. Estes gatunos todos deixaram o erário público de tangas.

Neste sentido, visando ter de volta os referidos montantes e revitalizar a economia nacional, o Governo sob a liderança do Presidente João Lourenço colocou em marcha um ambicioso plano de repatriamento de capitais.

O processo de repatriamento do dinheiro público enquadra-se no princípio da justiça restitutiva e terá duas modalidades de execução: a primeira será voluntária (os gatunos que repatriarem o dinheiro voluntariamente serão amnistiados) e a segunda será coerciva (o Estado usará os serviços de investigação criminal, os tribunais, os serviços de inteligência, a polícia e demais instituições para tomar de volta os montantes). O plano deverá, porém, ser implementado de forma legal, sendo que, para tal, deverão as autoridades agir regidas pela lei.

Fazendo face a este imperativo, o Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos anunciou ontem, 2 de Janeiro, que a Lei de Repatriamento de Capitais está em processo de elaboração, o que significa que a curto prazo a mesma entrará em vigor como um fundamental instrumento de concretização do plano em referência.

Entretanto, João Lourenço enfrenta desafios hercúleos, a saber:

  1. O próprio presidente da república tem dois pendentes:
  2. a) Tornar pública a sua declaração de bens: fiz esta solicitação ao Presidente João Lourenço através da carta que lhe enderecei a 21 de Dezembro de 2017, na qual apresentei o seguinte argumento:

“É verdade que a Lei Nº 03/2010 – Lei da Probidade Pública - não estabelece que as entidades sujeitas à declaração de bens devam fazê-lo publicamente. Antes, pelo contrário, é um exercício revestido de privacidade.

Todavia, a declaração de bens não é apenas um problema legal. É também um problema político.

Os Angolanos não têm como confiar no arranjo actual de declaração de bens, totalmente opaco aos esforços de viabilizar o combate à corrupção, ao saque do erário público e ao branqueamento de capitais. Os cidadãos simplesmente não sabem se e em que medida as entidades sujeitas à declaração de bens cumprem com a lei, por um lado, e, por outro lado, não têm como acreditar que os mesmos não venham a enriquecer-se nos cargos que ocupam.

Ao proceder à declaração pública dos seus bens, Sua Excelência, mais do que confirmar ao Povo Angolano o Seu compromisso com uma governação transparente e eficiente, deitará por terra todas as dúvidas que franjas consideráveis e indesprezíveis da sociedade possuem sobre o carácter probo de Sua Excelência.” (páginas 2 e 3).

  1. b) Provar que ele é uma pessoa proba: o Presidente João Lourenço deve provar que não é um dos cidadãos envolvidos na ladroagem que depauperou os cofres públicos. Isto é fundamental para a autoridade moral de qualquer presidente, sobretudo se apresenta como reformador.
  2. Ter o apoio do MPLA na assembleia nacional: os gatunos a quem se aplica a injunção presidencial de repatriarem o capital pertencem todos ao partido governante, o qual domina e predomina no parlamento (tem a maioria qualificada), sendo impossível que qualquer lei seja aprovada sem o aval (voto) do grupo parlamentar do MPLA. Como se sabe, muitas das figuras do regime que se sentem ameaçadas pela cruzada anticorrupção e antipeculato de João Lourenço (e que por ele sentem grande azia política) também são deputados pelo MPLA. São também eduardistas (pertencem à ala reticente ou contrária às reformas de João Lourenço).
  3. Abrangência do processo: para ser sério, consequente, eficiente e eficaz, o plano de repatriamento de capitais do Governo do Presidente João Lourenço não deverá fazer excepções. José Eduardo dos Santos, Isabel dos Santos, José Filomeno dos Santos, Hélder Vieira Dias Kopelipa, Manuel Domingos Vicente, Mateus Dino e outros tubarões do saque e da corrupção deverão ser alvos do processo. Limitar a acção ao peixe miúdo – a cabuenha – fará do plano de repatriamento de capitais uma piada.

Não há dúvidas de que a nível internacional o processo será facilitado, pois, como ferramentas de auxílio há, por exemplo, o caso da African Legal Support Facility (ALSF), ligada ao Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), que tem ajudado a Tunísia a identificar e recuperar activos que saíram de forma indevida do país.

O tema do fluxo ilícito de capitais tem sido um dos pontos centrais da Comissão Económica para África, das Nações Unidas, que estima a saída deste continente de 50.000.000.000.00 (cinquenta mil milhões) de dólares por ano.

Há também o Stolen Asset Recovery Iniciative (STAR), um organismo ligado ao Banco Mundial e às Nações Unidas que trabalha com países em desenvolvimento e ajuda à recuperação de activos desviados do país (está a ajudar, por exemplo, a Nigéria e a Ucrânia).

Portanto, os Angolanos estão à espera para ver.

Os Angolanos querem ver o seu dinheiro de volta – repatriado.

Os Angolanos querem que a justiça restitutiva seja séria, coerente, consequente, eficiente e eficaz.

PS: Desejo saúde e prosperidade a todos os Angolanos. Que 2018 seja um ano de progressos na vida de cada Angolano e de cada Angolana.

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