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Quarta, 06 Dezembro 2017 14:34

Futunguização do MPLA já em curso

À sombra da bicefalia a refrega no interior da Grande Família começa a sair do adro, avançando para terreno descoberto: o Bureau Político
 
Em plena terceira idade, o MPLA deverá comemorar o seu 61º aniversário no próximo domingo, 10, numa acalmia que é apenas aparente. Descrita por círculos "eduardistas" como uma visão fantasiosa dos analistas, a situação de “bicefalia” é, no entanto, real e, embora em surdina, está já a gerar uma turbulência que traz à memória alguns dos momentos fracturantes vividos pela maior organização política de Angola no decurso da sua história.
 
Espera-se que o contra-ataque de JES comece a estar oleado e a ganhar forma na reunião de cúpula do MPLA a ter lugar esta quarta-feira, 06. Na ocasião deverão ser ratificadas as instruções vistas a nível do Secretariado do Bureau Político na passada segunda-feira.
 
Pelo que já foi dado a perceber, ainda que de forma latente, genericamente os desígnios cogitados por JES são os de reforçar a sua posição no principal órgão do partido, fazendo das suas estruturas os centros de decisão dos grandes assuntos do país. “A partir daí o Executivo não daria nenhum passo nem tomaria decisão alguma em relação às grandes matérias de governação do país que não fossem sufragados pelo líder do MPLA via Bureau Político”, alvitrou fonte que vem acompanhando este assunto.
 
Para atingir tal fim JES teria, em termos práticos, de transferir para esses órgãos algumas das figuras indefectíveis que sempre o acompanharam enquanto esteve na presidência do país, grosso modo designados por “futunguistas”.  Os antigos homens do “Buraco” reforçariam os tradicionais indefectíveis que o líder do MPLA já tem consigo há muitos anos.
 
Na reunião da última segunda-feira esse desígnio esteve em cima da mesa ao serem apreciados, nomeadamente, um plano de acção para o reajustamento do Secretariado do Bureau Político, assim como um projecto de resolução sobre a eleição de novos membros para aquele órgão. Também foi chamada à reflexão a problemática da acumulação de funções no Executivo e no órgão de cúpula do MPLA.
 
Na verdade, sob tais epígrafes estarão camuflados os actos de JES destinados a dar forma ao seu plano de reforço do BP. O Plano poderia incluir, entretanto, eventuais defenestraçőes de figuras associadas ao Presidente João Lourenço. Em relação a este último ponto, será interessante verificar, por exemplo, o tratamento que pode vir a merecer um “lourencista” como Manuel Nunes Júnior, que acumula as funções de secretário  do BP para a esfera Económica e Social com as de ministro de Estado para o Desenvolvimento Económico e Social no Executivo comandado por João Lourenço.
 
Manuel Nunes Júnior encontra-se “pendurado”, agora que JES parece ter orientado, subtilmente, a “cassação” dos membros que acumulam funções no secretariado do BP e no Executivo. Ele já havia acumulado as duas pastas na ocasião em que foi, pela primeira vez e efemeramente, ministro de Estado, mas há muita gente na expectativa de ver se desta vez essa condição de “duplo” não servirá de pretexto a JES para despojá-lo das suas funções no órgão de cúpula do MPLA.
 
Já é ponto assente, no entanto, que após a “cooptação” de figuras como Carlos Feijó, Norberto Garcia & Cia, segue-se Yolanda dos Santos. Filha do governador do Kwanza-Norte, José Maria dos Santos, ela foi a deputada mais nova da bancada do MPLA na legislatura 2012-2017.
 
Contrariamente ao que o Correio Angolense havia avançado num dos seus “outlook” sobre o tema, não se confirma que Aldemiro da Conceição, um futunguista dos quatro costados, tenha suspendido o seu mandato de deputado com o desígnio de ingressar no Bureau Político, mesmo porque não é membro do seu Comité Central. Mas certo é que o antigo porta-voz da presidência angolana renunciou com o fito declarado de continuar a trabalhar para José Eduardo dos Santos – num sinal de que o antigo PR terá certamente outros interesses que não apenas o trabalho de liderar o MPLA.
 
No plano estratégico, o desígnio de transferir para o MPLA as grande decisões de Estado deverá passar pelo reforço de um instrumento de coacção do novo Presidente da República, a chamada disciplina partidária, que será objecto de reformulação no âmbito estatutário. Será um espartilho com o qual se pensa  esvaziar a margem de manobra de João Lourenço, enquanto titular do Poder Executivo. Já a nível táctico o plano é suportado por actuações de bocas de aluguer tais como o deputado João Pinto e os analistas João Paulo Ganga e Gildo Matias José.
 
JES está a pôr todos estes planos em marcha, mas o problema é que, tirando os seus homens e uns poucos segmentos da sociedade, o país de uma maneira geral está longe de o apoiar nesta sua nova causa. Falta, de resto, legitimidade ao antigo presidente angolano, que estará a ser movido essencialmente por racionalidades pessoais, como as de acautelar os interesses dos filhos. Antes do seu regresso de Espanha, onde esteve a cuidar da saúde, terá comentado em privado que “a sua família está a ser perseguida”!.
 
Mergulhado na visão persecutória em que obcecadamente se acha, pensa-se agora que dificilmente JES recuará dos seus propósitos actuais. O problema nisto tudo é que do outro lado está um João Lourenço, pelos vistos, firmemente disposto a não se vergar nem mostrar subserviência, não abrindo mão da sua qualidade de Presidente da República. Muito provavelmente ele continuará a bater o pé, estimulado de resto pelo que ouviu, durante o acto de tomada de posse, do então presidente do Tribunal constitucional, Rui Ferreira, que praticamente o convidou a usar dos instrumentos que lhe confere a Constituição para se impor como Chefe de Estado.
 
Contudo, diante deste choque de titãs, um cenário que se abre está na hipótese de JES ainda vir a chantagear o seu sucessor. Caso este não lhe obedeça, que é o que mais provavelmente há de suceder, JES poderia usar da sua condição de líder do partido que suporta o Governo para ameaçar com a escolha de outro candidato com o qual MPLA iria concorrer para a presidência do país nas eleições de 2022.
 
Mas em face de um tal cenário não se perde de vista que João Lourenço, em alternativa, respondesse com a arma que lhe estaria mais à mão: promover uma revisão constitucional que viesse a consagrar candidaturas independentes para a eleição do Presidente da República. para conseguir suscitar uma Assembleia Constituinte, João Lourenço poderia bater-se por mobilizar no Parlamento 76 deputados do MPLA, que se somariam ao resto da Oposição.
 
De resto, João Lourenço já vai levando a água ao seu moinho. Começa a gozar dos créditos da comunidade internacional, que passou a vê-lo com outros olhos. Sobretudo os círculos afectos às organizações financeiras internacionais. Contribuiu imenso para isso a súbita investida do novo presidente angolano contra os interesses instalados pelo regime do ex-Chefe de Estado. A arremetida contra os monopólios dos filhos de JES está neste momento a dar resultados, como o prova a acentuada redução que se assistiu em relação ao preço do cimento.
 
É verdade que subsistem outros nichos em que estão de pé os interesses da antiga família presidencial, casos do Fundo Soberano, das telecomunicações, da Efacec e do Plano Director Geral Metropolitano de Luanda, mas pode ser uma questão de tempo para João Lourenço decidir também desmantelar estes resquícios do anterior poder. CA
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